sábado, 31 de julho de 2010
Datafolha e o “voto útil” para o governo de SP em 1998
E não é que os números do Ibope se aproximam mais dos divulgados pelo Vox Populi do que os do Datafolha!!!
Surpreendente!!!
Mas relembrando o passado e refrescando um pouco a memória, vamos a um episódio curioso ocorrido nas eleições para o governo de São Paulo no não tão longínquo ano de 1998. Naquele ano foram realizadas eleições gerais no Brasil e concorriam ao governo do estado de São Paulo, dentre outros, o ex-prefeito da capital Paulo Maluf (PPB), Mario Covas (PSDB) tentando a reeleição, o ex-prefeito de Osasco Francisco Rossi (PDT), o ex-governador Orestes Quércia (PMDB) e a deputada federal em primeiro mandato Marta Suplicy (PT).
Para Paulo Maluf e Orestes Quércia não dispensarei maiores comentários. Francisco Rossi tinha como base de sustentação o segmento evangélico e garantia possuir dons metafiscos capazes até de suspender congestionamentos na grande São Paulo. Marta Suplicy, como dito antes, era deputada em primeiro mandato e se ancorava na boa atuação que tivera na Câmara dos Deputados, sobretudo em defesa dos direitos humanos. O seu grande cabo eleitoral era o então marido, o Senador Eduardo Suplicy. Claro que Marta tinha luz própria e pode parecer machismo de minha parte ligá-la assim ao ex-marido, todavia é impossível negar o papel importantíssimo que o Senador, àquela época em campanha vitoriosa pela reeleição, desempenhou na campanha de Marta.
A campanha se desenrolara com uma incerteza e duas seguranças. As seguranças: Haveria segundo turno e Maluf detinha cacife o suficiente para disputá-lo graças ao nicho do eleitorado que mantivera por décadas. A incerteza: quem seria o oponente de Maluf no segundo turno.
Covas eleito em 1994 para ocupar o Palácio dos Bandeirantes detinha baixos índices de aprovação ao seu governo e não conseguia transmitir ao eleitorado motivos plausíveis para continuar a frente do governo paulista. Marta contava com parcos recursos financeiros para uma campanha daquela magnitude e lutava contra a tradicional aversão que o eleitorado paulista nutre pelo PT. Quem surgia como favorito para disputar o segundo turno contra Maluf era Francisco Rossi, um demagogo com posições bastante conservadoras e um canastrão religioso (cristão).
Na antevéspera da eleição, numa sexta-feira, 2 de outubro, o Instituto Datafolha divulgou o seguinte resultado duma pesquisa sobre intenção de voto: Maluf,31%; Rossi,18%; Covas,17%; Marta,15% e Quércia, 6%.
Maluf, bem a frente de seus adversários, dificilmente perderia a passagem para o segundo turno. Já a segunda vaga encontrava-se em aberto e seria disputada entre Rossi e Covas, com aquele tendo ligeira vantagem sobre este.
A única salvação, apontada pelo Datafolha, para impedir um eventual segundo turno entre Maluf e Rossi residia nos eleitores mais atentos e que repudiavam tanto Maluf quanto Rossi, fazerem uso do chamado “voto útil”. Esse voto útil consistia em convencer os eleitores que originalmente intencionavam votar em Marta a votarem em Covas. E em boa parte, realmente, os votos de Marta migraram para Covas antes mesmo de a candidata petista recebê-los. Não foram poucos aqueles que acreditaram piamente no Datafolha e, cheios de boa intenção e com medo dum catastrófico segundo turno entre Maluf e Rossi, se utilizaram do voto útil em prol de Mario Covas.
Transcorrida a eleição no domingo, 4 de outubro, e iniciada a apuração o que se presenciou foi um cenário deveras diverso daquilo pintado dois dias antes pelo Datafolha. Se Maluf abria vantagem sobre seus adversários e se isolara na primeira posição como já se esperava, era Marta quem surgia na segunda posição tendo Covas em seu encalço e ambos deixando Rossi bem atrás.
A apuração, que naquele ano ainda era manual na maioria das localidades, prosseguiu em clima de suspense e com fortes emoções. No final Covas ultrapassou Marta e graças a míseros 0,9% de votos a mais se garantiu no segundo turno.
Veja o resultado oficial e note como ele difere do apresentado dois dias antes pelo Datafolha: Maluf, 5.351.035 (32,12%); Covas, 3.813.186 (22,95%); Marta, 3.738.750 (22,5%); Rossi, 2.843.515 (17,11%) e Quércia 714.097 (4,1%).
O Datafolha simplesmente não acertou um único resultado em cheio. E o pior, no erro mais grosseiro o instituto deu a Marta Suplicy 7,5% menos do que ela obteve, isso numa pesquisa realizada a menos de cinco dias da eleição. O eleitor de Marta confiante no Datafolha se viu na seguinte posição: escolher entre os males o menor ou simplesmente lavar as mãos. Dá pra imaginar, depois de abertas as urnas, a cara de idiota de muitos eleitores que ludibriados pelo Datafolha deram o “voto útil” a Covas na certeza de que Marta não tinha chances de ir ao segundo turno.
Não há dúvidas que o Instituto Datafolha interferiu na intenção de voto dos paulistas naquele ano. E interferiu a favor do então governador Mario Covas, um dos lideres do tucanato que corria o risco de entrar para a História como um governador que não conseguiu se quer passar para o segundo turno na sua tentativa de reeleição – seria vexaminoso.
Mais uma vez repito o que já venho dizendo há algum tempo. É impossível medir a credibilidade dos institutos de pesquisa, em pesquisas eleitorais, simplesmente por inexistir dados que comprovem, ou não, sua veracidade faltando tanto tempo para as eleições. Contudo nesse caso especifico, a credibilidade dos serviços prestados pelo Datafolha ficou em xeque.
Postado por Hudson Luiz Vilas Boas
DESPESAS COM REFORMAS ESTÁDIOS PARA COPA 2014
Chegou ao meu conhecimento, e muitos devem saber igualmente, que para sediar a Copa de Futebol de 2014 o país gastou verdadeira fortuna em publicidade apelativa. Agora, um PPS recebido de amigos esclarece o montante que se irá gastar para a reconstrução - reformas em estádios já existentes - e construções de novas arenas para a prática futebolística.
O dinheiro não virá dos clubes, pois que a maioria deles anda na "corda bamba", financeiramente falando; muitos agremiações esportivas se acham mesmo no "vermelho": salários atrasados, encargos sociais nas mesmas condições e outros problemas inerentes ao mundo de negócios do futebol. Pois pasmem: o montante dessa despesas com estádios para a Copa de 2014 atingirá, de saída, R$ 5.713 bi. É uma "bagatela", para um país que nada em dinheiro, que distribui entre os países irmãos vultosas somas, que perdoa dívidas elevadíssimas aos países africanos e ainda financia não sei que obras ou situações na Grécia. Melhor é lacrar os cofres da Previdência, a fim de se evitar futuros transtornos àquela instituição e aos seus beneficiários.
O dinheiro não virá dos clubes, pois que a maioria deles anda na "corda bamba", financeiramente falando; muitos agremiações esportivas se acham mesmo no "vermelho": salários atrasados, encargos sociais nas mesmas condições e outros problemas inerentes ao mundo de negócios do futebol. Pois pasmem: o montante dessa despesas com estádios para a Copa de 2014 atingirá, de saída, R$ 5.713 bi. É uma "bagatela", para um país que nada em dinheiro, que distribui entre os países irmãos vultosas somas, que perdoa dívidas elevadíssimas aos países africanos e ainda financia não sei que obras ou situações na Grécia. Melhor é lacrar os cofres da Previdência, a fim de se evitar futuros transtornos àquela instituição e aos seus beneficiários.
sábado, 31 de julho de 2010
sábado, 24 de julho de 2010
ARREMEDO DE GUERRA
Bom... Já está de bucho cheio, né mesmo? Eu também. E para não haver demoras, entremos de peito outra vez nas passagens da guerra em Canudos. Até aqui, o negócio fedeu demais, conforme o senhor narrou ai em seu caderno, pois não foi? Estamos entendidos e entendidos vamos aos senões de outras desgraceiras.
Quero confessar aqui, a esta altura da narrativa que estamos quase ao seu final, como foi o final do cerco duro e das duras batalhas em Coxomongó, em 15 de setembro de 1897. O cerco durou até o dia 05 de outubro daquele mesmo ano, e foi lá que perdemos o nosso valente companheiro e bravo soldado Chico Danado. Danado o sujeito era. De valentia não se conhecia outra igual. Parecia um desesperado invadindo o redil dos revoltados jagunços à ponta de baioneta, furando, estripando, cortando e esmagando a coronhadas as cabeças de quem lhe caísse aos pés. Mas, infelizmente, Chico Danado no calor da refrega não percebeu que um dos que estavam tombados, gravemente feridos se sentou, e apontando o seu fuzil, roubado a um de nossos soldados, fuzilou pelas costas, quase encostado ao cano da arma, o valente Chico. Reparei ao olhar pra ele que sentiu não dor, mas uma surpresa dessas malditas. Arregalou os olhos, abriu a boca ao máximo, vomitando sangue, e caiu de borco, se misturando aos demais mortos. Naquele instante cruel se ia finando o nosso mais velho companheiro, o mais equilibrado na vida, porém o outro mais louco de todos nós. Corremos três dos seus amigos. Ele ainda nos olhava, pois restava um pouco de vida em seus olhos. A agonia foi grande porque nada pudemos fazer por ele. Antes de se finar em definitivo olhou a cada um de nós como se quisesse fazer uma pergunta, mas só disse, tossindo golfadas de sangue, uma coisa que pra nós foi uma revelação, a, pois se foi:
-To me indo... Me vou... Ai... Que pena... Como ta longe... Longe...
Pensei que o nosso amigo, que se finava, estivesse variando, como é justo a quem morre. Eu, então, arrisquei uma pergunta boba que só, com balas triscantes sobre as nossas cabeças sem proteção.
-O que é que ta longe, amigo?
-O... O para... iso ouviram? O Paraíso... Disse com espanto nos olhos.
E desse modo se calou pra sempre, e pra toda a eternidade, nosso Chico Danado.
Nessa mesma hora, iam por terra os quatro últimos bravos jagunços de Canudos, sendo um apenas molecote de pouca idade.
Estava terminada a última batalha, mas, porém, Canudos não se rendeu!
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F I M
Quero confessar aqui, a esta altura da narrativa que estamos quase ao seu final, como foi o final do cerco duro e das duras batalhas em Coxomongó, em 15 de setembro de 1897. O cerco durou até o dia 05 de outubro daquele mesmo ano, e foi lá que perdemos o nosso valente companheiro e bravo soldado Chico Danado. Danado o sujeito era. De valentia não se conhecia outra igual. Parecia um desesperado invadindo o redil dos revoltados jagunços à ponta de baioneta, furando, estripando, cortando e esmagando a coronhadas as cabeças de quem lhe caísse aos pés. Mas, infelizmente, Chico Danado no calor da refrega não percebeu que um dos que estavam tombados, gravemente feridos se sentou, e apontando o seu fuzil, roubado a um de nossos soldados, fuzilou pelas costas, quase encostado ao cano da arma, o valente Chico. Reparei ao olhar pra ele que sentiu não dor, mas uma surpresa dessas malditas. Arregalou os olhos, abriu a boca ao máximo, vomitando sangue, e caiu de borco, se misturando aos demais mortos. Naquele instante cruel se ia finando o nosso mais velho companheiro, o mais equilibrado na vida, porém o outro mais louco de todos nós. Corremos três dos seus amigos. Ele ainda nos olhava, pois restava um pouco de vida em seus olhos. A agonia foi grande porque nada pudemos fazer por ele. Antes de se finar em definitivo olhou a cada um de nós como se quisesse fazer uma pergunta, mas só disse, tossindo golfadas de sangue, uma coisa que pra nós foi uma revelação, a, pois se foi:
-To me indo... Me vou... Ai... Que pena... Como ta longe... Longe...
Pensei que o nosso amigo, que se finava, estivesse variando, como é justo a quem morre. Eu, então, arrisquei uma pergunta boba que só, com balas triscantes sobre as nossas cabeças sem proteção.
-O que é que ta longe, amigo?
-O... O para... iso ouviram? O Paraíso... Disse com espanto nos olhos.
E desse modo se calou pra sempre, e pra toda a eternidade, nosso Chico Danado.
Nessa mesma hora, iam por terra os quatro últimos bravos jagunços de Canudos, sendo um apenas molecote de pouca idade.
Estava terminada a última batalha, mas, porém, Canudos não se rendeu!
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ARREMEDO DE GUERRA
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Mas deixe que te conte ainda, pra finalizar. O tal João de Deus, poderoso com a sua Ordem, deu de perseguir a SSS, igreja da qual saiu enxotado. Como fosse benquisto entre as autoridades, por que os pais eram, tinha influência nas eleições. Endinheirado, e dono de muitas terras, botou a polícia pra prender os pastores da SSS, a toazinha, por vingança. Ainda teve na cadeia pra mangar nas caras dos presos religiosos. A tal SSS se dissolveu; os fiéis se calaram de medo; a dois dos pastores foi dado fuga, pra modo do quê? Modo perseguir eles pelos interiores e acabar com eles. Foi. Mataram os dois maiorais. As mãos de João de Deus logo se mancharam de sangue de inocentes. Por fim, como eu já contei, ele se acabou de modo horrível. Marcou ai tudo direitinho? E a tal previsão de São Serapião de Canudos se realizou. Neste mundão de Nosso Senhor e de Nossa Senhora, acontece cada uma, hein?
Pronto. Já disse tudinho. Não tem mais nada a juntar ai nessas linhas novas. Depois, eu me lembro de outras histórias, que são muitas meu amigo escrivão. Por enquanto, ficamos apenas nessa outra, que a primeira, a do padre mais Alísia foi coisa triste, igualmente. E como morreu o coitado do padre que me perseguia? Lascado em dois, como lenha seca que toma uma foiçada segura.
Só sei que quase todos os bandidos ou malvados acabam em desgraceiras. Lembras-te de Lampião e de seu bando? Morreram furados por todas as balas dos fuzis da volante lá nos esquisitos das caatingas. E tavam todos dançando alegrezinhos. A fuzilaria foi tão de repentemente que eles não tiveram nem tempo de se coçar. Depois de dias, arrancaram suas cabeças e levaram pra Faculdade de Medicina da Bahia. Puseram todas as cabeças, e o braço de Azulão, nuns vidros grandes cheios de um liquido amarelo. Conservaram todos assim, como azeitonas nos óleos próprios a elas.
Agora, senhor meu amigo, quem ta querendo um relaxo sou eu mesmo. A gente, e quando digo a gente, digo apenas pra nós dois, está precisada mesmo de parar por uma coisinha só, modo se comer alguma coisa que nos sustente e beber qualquer bebidinha por mais assadinha que seja. Quero dizer: que tal uma carne de sol frita nas brasas com umas e outras branquinhas? Ou tu preferes caldo de cana com a mesma carne de sol, ou, ainda, suco de alguma fruta ou água mesmo? Ta registrando tudinho o que eu to falando? Ta mesmo? Quero que até a nossa conversa mais particular, minha peroração no sentido de se mandar pro bucho algum comer bom e quente ao meu convite seja como fazendo parte da história. Isso fica bastante original, não? Pois! Todos ficarão sabendo de todas as nossas conversas e de minhas palavras sobre a maldita guerra de Canudos, o que foi como aconteceu, por que e o final que teve, sejam escritas na certeza do momento, ali na bucha! Como uma batida no cravo e outra na bigorna, tas entendendo? Então, sacode de lado o teu lápis, teu caderno aí e vamos pra dentro nos refestelar diante de um prato quente de fruta-pão acebolado, que já lhe sinto o cheirinho por toda a casa. Esta minha mulher merece aparecer na história, hein? Mas a minha vontade e meu bucho pedem é carne seca com qualquer bebida. Eita! Arrelie-se
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Pronto. Já disse tudinho. Não tem mais nada a juntar ai nessas linhas novas. Depois, eu me lembro de outras histórias, que são muitas meu amigo escrivão. Por enquanto, ficamos apenas nessa outra, que a primeira, a do padre mais Alísia foi coisa triste, igualmente. E como morreu o coitado do padre que me perseguia? Lascado em dois, como lenha seca que toma uma foiçada segura.
Só sei que quase todos os bandidos ou malvados acabam em desgraceiras. Lembras-te de Lampião e de seu bando? Morreram furados por todas as balas dos fuzis da volante lá nos esquisitos das caatingas. E tavam todos dançando alegrezinhos. A fuzilaria foi tão de repentemente que eles não tiveram nem tempo de se coçar. Depois de dias, arrancaram suas cabeças e levaram pra Faculdade de Medicina da Bahia. Puseram todas as cabeças, e o braço de Azulão, nuns vidros grandes cheios de um liquido amarelo. Conservaram todos assim, como azeitonas nos óleos próprios a elas.
Agora, senhor meu amigo, quem ta querendo um relaxo sou eu mesmo. A gente, e quando digo a gente, digo apenas pra nós dois, está precisada mesmo de parar por uma coisinha só, modo se comer alguma coisa que nos sustente e beber qualquer bebidinha por mais assadinha que seja. Quero dizer: que tal uma carne de sol frita nas brasas com umas e outras branquinhas? Ou tu preferes caldo de cana com a mesma carne de sol, ou, ainda, suco de alguma fruta ou água mesmo? Ta registrando tudinho o que eu to falando? Ta mesmo? Quero que até a nossa conversa mais particular, minha peroração no sentido de se mandar pro bucho algum comer bom e quente ao meu convite seja como fazendo parte da história. Isso fica bastante original, não? Pois! Todos ficarão sabendo de todas as nossas conversas e de minhas palavras sobre a maldita guerra de Canudos, o que foi como aconteceu, por que e o final que teve, sejam escritas na certeza do momento, ali na bucha! Como uma batida no cravo e outra na bigorna, tas entendendo? Então, sacode de lado o teu lápis, teu caderno aí e vamos pra dentro nos refestelar diante de um prato quente de fruta-pão acebolado, que já lhe sinto o cheirinho por toda a casa. Esta minha mulher merece aparecer na história, hein? Mas a minha vontade e meu bucho pedem é carne seca com qualquer bebida. Eita! Arrelie-se
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Então o desgraçado e violento João de Deus, o que fez? Entrou ele mesmo em choque contra seus pais; se converteu pra uma igreja evangélica que os pais católicos abominavam. Só por birra, no começo. Depois, foi tomando gosto, foi se acomodando, foi vendo que tinha futuro como representante de Deus Nosso Senhor na Terra, foi tomando a frente da direção da igreja “Salve o Senhor Salvador”, a SSS. Então, ai é que dizem que o treco foi feio. Os homens, donos da igreja, não apreciaram o enxerido de João de Deus, que se dizia líder. Levou um pontapé nos fundilhos saindo sem eira nem beira do templo.
Por vingança, fundou a sua Ordem que se chamou “Ordem das Batinas Escarlates dos Santos Anjos”. As batinas eram todas elas naquela cor, pra ser diferente das dos padres romanos. Todos os seus seguidores recebiam novo nome, de anjos. Eram os seus noviços que habitavam o grande Mosteiro da Cacunda erguido há tempos por outros religiosos que foram perseguidos pelos portugueses. Coisa de muitas idades. E esse tal Mosteiro da Cacunda foi erguido num promontório de defronte para o mar alto, na Praia das Onze Horas, na Paraíba. É um localzinho abandonado, uma colônia de pescadores pobres nos cafundós do Judas. Sabe dessas praias desertas. A, pois era acolá.
Pois bem, os dois se separaram indo cada qual para o seu lado, mas dona Emma levou o filho Samuel. Fugiu para Portugal, sem que ele soubesse. Lá viveu até o garoto crescer e chegar a rapazinho. Enquanto isso, João de Deus comandava lá de cima do mosteiro algumas vidas dos moradores da colônia. Mas com o passar dos tempos ele foi fazendo besteiras; engravidou uma servente, que era a única moça no mosteiro, matou um dos noviços e foi morto pelo irmão do noviço finado. Tudo de repente, depois que a mulher lhe fugiu pela segunda vez mais o filho Samuel que não queria ir. Por fim, o moço que acabou com aquilo tudo era o mais fiel seguidor de João de Deus. João de Deus intoxicado pelo veneno poderoso de dois grandes escorpiões que o moço colocou em sua roupa, enquanto ele dormia, desceu promontório abaixo se rasgando todo nas lâminas afiadas das pedras. Em desespero, se jogou no seu bote, mas uma onda forte jogou barco ele e tudo o mais pra riba das rochas. Ele bateu em cheio sobre as pedras afiadas e logo o sangue na água atraiu os tubarões. Foi comido pela metade; a outra metade voltou pra riba das rochas negras jogada por outras ondas. O moço que restou tocou fogo a tudo! Foi uma fogueira de fazer inveja a muitas das festas dos santos.
Quer, por acaso, história mais triste e esquisita do que essa? Não sei que fim levou a tal senhora Emma nem o seu filho Samuel. Se estiverem no Brasil ou se voltaram pra Portugal ignoro. E dizem, até os dias de hoje, que está lá toda a ruína.
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Por vingança, fundou a sua Ordem que se chamou “Ordem das Batinas Escarlates dos Santos Anjos”. As batinas eram todas elas naquela cor, pra ser diferente das dos padres romanos. Todos os seus seguidores recebiam novo nome, de anjos. Eram os seus noviços que habitavam o grande Mosteiro da Cacunda erguido há tempos por outros religiosos que foram perseguidos pelos portugueses. Coisa de muitas idades. E esse tal Mosteiro da Cacunda foi erguido num promontório de defronte para o mar alto, na Praia das Onze Horas, na Paraíba. É um localzinho abandonado, uma colônia de pescadores pobres nos cafundós do Judas. Sabe dessas praias desertas. A, pois era acolá.
Pois bem, os dois se separaram indo cada qual para o seu lado, mas dona Emma levou o filho Samuel. Fugiu para Portugal, sem que ele soubesse. Lá viveu até o garoto crescer e chegar a rapazinho. Enquanto isso, João de Deus comandava lá de cima do mosteiro algumas vidas dos moradores da colônia. Mas com o passar dos tempos ele foi fazendo besteiras; engravidou uma servente, que era a única moça no mosteiro, matou um dos noviços e foi morto pelo irmão do noviço finado. Tudo de repente, depois que a mulher lhe fugiu pela segunda vez mais o filho Samuel que não queria ir. Por fim, o moço que acabou com aquilo tudo era o mais fiel seguidor de João de Deus. João de Deus intoxicado pelo veneno poderoso de dois grandes escorpiões que o moço colocou em sua roupa, enquanto ele dormia, desceu promontório abaixo se rasgando todo nas lâminas afiadas das pedras. Em desespero, se jogou no seu bote, mas uma onda forte jogou barco ele e tudo o mais pra riba das rochas. Ele bateu em cheio sobre as pedras afiadas e logo o sangue na água atraiu os tubarões. Foi comido pela metade; a outra metade voltou pra riba das rochas negras jogada por outras ondas. O moço que restou tocou fogo a tudo! Foi uma fogueira de fazer inveja a muitas das festas dos santos.
Quer, por acaso, história mais triste e esquisita do que essa? Não sei que fim levou a tal senhora Emma nem o seu filho Samuel. Se estiverem no Brasil ou se voltaram pra Portugal ignoro. E dizem, até os dias de hoje, que está lá toda a ruína.
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ARREMEDO DE GUERRA
terça-feira, 20 de julho de 2010
ARREMEDO DE GUERRA
Pois assim o causo: havia a alguns anos vivendo na grande fazenda dos pais, que eram proprietários de mais duas e de uma usina de cana, um moço de nome João de Deus que era o nome dado em pia batismal em louvor ao maior Espírito Santo, o Senhor Nosso Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo. O menino havia nascido numa das fazendas em Pernambuco com sério problema de saúde. Quase morreu o bichinho enquanto ainda era pequerrucho, como saíra da barriga da mãe. Então a fazenda inteira, quero dizer todos os moradores, donos e colonos, e escravos, caíram em rezas diárias com visitas de Santa Maria à casa grande, simpatias de pretos velhos de lá mesmos.
Chegou-se até a uma procissão em dentro das terras. Pois sim, foi mesmo, pelo que soube por um dos conhecidos dos dois sábios profetas dos sertões, sendo um Elias Pantaleão, diz-se o mais letrado dos dois, e o outro Isaias, de mais em idade.
Pois o pequerrucho não é que se saiu bem daquela situação difícil? Ele não conseguia respiração direita ficando roxinho, roxinho, e quase se afogando sem ar. Tu já viste alguém se afogar sem ser na água de um rio, de um lago ou lagoa, ou de um mar? Pois eu nunca que vi, mas o bichinho estava, sim, morrendo. Foram tantas as rezas, as procissões, as simpatias, e os jejuns forçados aos colonos e escravos, que desceu do céu algumas coisas que curou o menininho em poucas semanas. Logo, logo estava saltando por cercas, nadando nos açudes, montando nos lombos puros de cavalos, aporrinhando os filhos da escravatura das fazendas, se enxerindo desavergonhado às mucamas das casas grandes e das menininhas dos colonos. O que parecia defunto, logo se aprumou dando uma de galo e dono do galinheiro. Corisco de garoto, contava-se. Tudo da boca de Elias Pantaleão a um meu companheiro de lutas em Canudos, que eu não disse. O outro profeta, Isaias, carregou consigo no seu embornal uma predição de um outro sujeito profeta que viveu e morreu lá na vila de Canudos. Nunca que se viram tantos profetas nascidos a um só tempo. A, pois foi sim. Bem, o tal menino doente demais se curou de todos os seus males. Diziam que fora o Capeta que pegou ele no ventre ainda da mãe e o tomou pra si.
Acredito não, nadinha nessa história de Demo em luta com o feto no bucho de sua mãe. São coisas de Trancoso, podes crer. Pois vamos adiante. O moço se tornou um homem letrado, forte, belo, figura impávida de homem, rico e logo arranjou paixão de muitas mulheres, muitas mesmo. Dizem que tantas quantas são as estrelas do céu. Também, outra mentira escabrosa. Não dou à mínima. Pois o rapaz escolheu a sua, aquela filha de fazendeiros, ricos também. Juntou, então, a fome com a vontade de comer. Emma, com dois “emes” era o seu nome. Bela mulher, do tipo artista, bela estampa de cabelos longos e de olhos bonitos, e mais longos os olhares para o tal João de Deus. Casaram. Viveram bem uns anos. Depois que lhes nasceu o único filho, nomeado Samuel, começou as desavenças; os ciúmes de João de Deus e as imprecações contra ela e as ameaças, e as pancadas, e as promessas de nada lhe dar de sua fortuna que ele – não pensasse ela – iria sustentar a ela e ao seu vagabundo amante. Era por ela ser linda demais de chamar a atenção dos cabras.
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Chegou-se até a uma procissão em dentro das terras. Pois sim, foi mesmo, pelo que soube por um dos conhecidos dos dois sábios profetas dos sertões, sendo um Elias Pantaleão, diz-se o mais letrado dos dois, e o outro Isaias, de mais em idade.
Pois o pequerrucho não é que se saiu bem daquela situação difícil? Ele não conseguia respiração direita ficando roxinho, roxinho, e quase se afogando sem ar. Tu já viste alguém se afogar sem ser na água de um rio, de um lago ou lagoa, ou de um mar? Pois eu nunca que vi, mas o bichinho estava, sim, morrendo. Foram tantas as rezas, as procissões, as simpatias, e os jejuns forçados aos colonos e escravos, que desceu do céu algumas coisas que curou o menininho em poucas semanas. Logo, logo estava saltando por cercas, nadando nos açudes, montando nos lombos puros de cavalos, aporrinhando os filhos da escravatura das fazendas, se enxerindo desavergonhado às mucamas das casas grandes e das menininhas dos colonos. O que parecia defunto, logo se aprumou dando uma de galo e dono do galinheiro. Corisco de garoto, contava-se. Tudo da boca de Elias Pantaleão a um meu companheiro de lutas em Canudos, que eu não disse. O outro profeta, Isaias, carregou consigo no seu embornal uma predição de um outro sujeito profeta que viveu e morreu lá na vila de Canudos. Nunca que se viram tantos profetas nascidos a um só tempo. A, pois foi sim. Bem, o tal menino doente demais se curou de todos os seus males. Diziam que fora o Capeta que pegou ele no ventre ainda da mãe e o tomou pra si.
Acredito não, nadinha nessa história de Demo em luta com o feto no bucho de sua mãe. São coisas de Trancoso, podes crer. Pois vamos adiante. O moço se tornou um homem letrado, forte, belo, figura impávida de homem, rico e logo arranjou paixão de muitas mulheres, muitas mesmo. Dizem que tantas quantas são as estrelas do céu. Também, outra mentira escabrosa. Não dou à mínima. Pois o rapaz escolheu a sua, aquela filha de fazendeiros, ricos também. Juntou, então, a fome com a vontade de comer. Emma, com dois “emes” era o seu nome. Bela mulher, do tipo artista, bela estampa de cabelos longos e de olhos bonitos, e mais longos os olhares para o tal João de Deus. Casaram. Viveram bem uns anos. Depois que lhes nasceu o único filho, nomeado Samuel, começou as desavenças; os ciúmes de João de Deus e as imprecações contra ela e as ameaças, e as pancadas, e as promessas de nada lhe dar de sua fortuna que ele – não pensasse ela – iria sustentar a ela e ao seu vagabundo amante. Era por ela ser linda demais de chamar a atenção dos cabras.
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segunda-feira, 19 de julho de 2010
ARREMEDO DE GUERRA
Vamos fazer uma pausa de novo nesse de guerras, que já sinto calafrios só em pensar nas abelhinhas quentes e brilhosas que nem brasas passando por de riba de nossas cabeças. Tenho um causo a contar de muita seriedade mesmo que se sucedeu numa praia bonita da Paraíba. Se contavam muito por aí pelos nossos sertões do Cariri, Pão de Açúcar, Orós, Mossoró, mesmo em Cabedelo, em Vitória de Santo Antão e num mundéu de lugares esquisitos perdidos por esse mundo afora dos interiores nordestinos. Vejas tu como são ricos de estórias nossos lugares. Não sei se por causo dos calores que dão por lá que endoidecem os miolos dos jagunços, dos negros dos eitos e cafuzos dos engenhos de açúcar. É uma tralha de causos que confundem as gentes. Esse então, puff! É coisa de arrepiar, mas o fundo dele tem um poucochinho de romance de amor mal resolvido, de pendengas, de cornadas, dizem, não sou eu quem ta falando, de raiva de um pai pela mãe de seu filho inocente.
Foi que foi uma coisa feia o final de tudo, mas, porém boto a culpa, um pouco, na mulher do tal que acabou com tudo o que era seu, por bobagem.
Tu podes bem botar aí também nessas linhas de teu caderno que eu quero que faça parte da estória, aliás, história, pois não foi assim que eu disse que seria a minha também? Historia é história, e estória é outra coisa pelo que me parece – uma invencionice tirada muitas vezes das de Trancoso, modo fazer frenesi na mulherada e nas crianças inocentes e que em tudo acreditam como sendo verdade. Mas, porém essa que eu vou narrar foi verdadeira sim. Foi numa praia bonita com um rochedo alto e negro, de rochas afiadas que nem navalhas e de areias branquinhas como sal e o mar azulão, azulão de bonito e areias brancas da Praia das Onze horas.
Tudo se passou numa colônia de pescadores, já disse. Gente fina, esses tais pescadores daquele lugar. Já travei amizades com muitos safados que se fingiam ir pescar, mas levavam escondidos, nas barrigas de seus barcos, quengas sem vergonhas que dali a nove lunações aparecia com os buchos estufados e com os umbigos que mais pareciam cabeços de limão galego de tão grandes que se mostravam por debaixo dos vestidos justos. Era a porcalhada das desocupadas, sem serviço doméstico, a sacudir as varandas das saias pra riba só pra mostrarem aquelas partes cabeludas de entre as coxas. Os bichos bobos dos pescadores ficavam ufanos delas mostrarem tudo a eles assim à luz do dia. Umas, diziam eles, eram lisinhas que nem bundinha de criança nascida de véspera, sem cabelo algum.
Pois bem: foi nesse cenário pacífico, sem lutas feias no entremeio, que se passou o causo que vou te contar. É de se chorar bastante. Teve de tudo: traição dentro do mosteiro, que foi num que se deu o causo, morte matada e morte matada e morrida, ao mesmo tempo. Tu só vais entender quando eu terminar, mas por enquanto tu escrevas ai em teu caderno, que vale à pena sim senhor. Não contaria nada que não valesse à pena aparecer em meu livro. Depois, a gente dá uma marcha à ré e retorna pras batalhas que essas não me esquecem, nunquinha. É pra ficar de vez por todas na cachola.
Até que eu gostaria de nem lembrar mais, pra ter paz de vez e descansar as noites.
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Foi que foi uma coisa feia o final de tudo, mas, porém boto a culpa, um pouco, na mulher do tal que acabou com tudo o que era seu, por bobagem.
Tu podes bem botar aí também nessas linhas de teu caderno que eu quero que faça parte da estória, aliás, história, pois não foi assim que eu disse que seria a minha também? Historia é história, e estória é outra coisa pelo que me parece – uma invencionice tirada muitas vezes das de Trancoso, modo fazer frenesi na mulherada e nas crianças inocentes e que em tudo acreditam como sendo verdade. Mas, porém essa que eu vou narrar foi verdadeira sim. Foi numa praia bonita com um rochedo alto e negro, de rochas afiadas que nem navalhas e de areias branquinhas como sal e o mar azulão, azulão de bonito e areias brancas da Praia das Onze horas.
Tudo se passou numa colônia de pescadores, já disse. Gente fina, esses tais pescadores daquele lugar. Já travei amizades com muitos safados que se fingiam ir pescar, mas levavam escondidos, nas barrigas de seus barcos, quengas sem vergonhas que dali a nove lunações aparecia com os buchos estufados e com os umbigos que mais pareciam cabeços de limão galego de tão grandes que se mostravam por debaixo dos vestidos justos. Era a porcalhada das desocupadas, sem serviço doméstico, a sacudir as varandas das saias pra riba só pra mostrarem aquelas partes cabeludas de entre as coxas. Os bichos bobos dos pescadores ficavam ufanos delas mostrarem tudo a eles assim à luz do dia. Umas, diziam eles, eram lisinhas que nem bundinha de criança nascida de véspera, sem cabelo algum.
Pois bem: foi nesse cenário pacífico, sem lutas feias no entremeio, que se passou o causo que vou te contar. É de se chorar bastante. Teve de tudo: traição dentro do mosteiro, que foi num que se deu o causo, morte matada e morte matada e morrida, ao mesmo tempo. Tu só vais entender quando eu terminar, mas por enquanto tu escrevas ai em teu caderno, que vale à pena sim senhor. Não contaria nada que não valesse à pena aparecer em meu livro. Depois, a gente dá uma marcha à ré e retorna pras batalhas que essas não me esquecem, nunquinha. É pra ficar de vez por todas na cachola.
Até que eu gostaria de nem lembrar mais, pra ter paz de vez e descansar as noites.
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domingo, 18 de julho de 2010
ARREMEDO DE GUERRA
Pois é assim, meu amigo. A seca é a maior desgraça que se pode ter sobre nossas cabeças; pior, muito pior, do que uma guerra como essa em que eu estive nos fins do século passado. Os generais faziam uns planos amalucados de se chegar acolá dar uma meia dúzia de tiros de obuses, uma carga em cavalos e de baionetas caladas e, de pronto, tava que tava tudo resolvido. Mas quê! Eles pensavam que seria dessa forma, mas não sabiam se os jagunços e Antonio Conselheiro iam acatar esses planejamentos feitos sobre uma bela mesa de jacarandá, numa sala de muito espaço pra se andar de lá pra cá e de cá pra lá, pensando, aprimorando ataques, estudando os terrenos etc., pra depois estudar tudo de novo, novamente, debaixo das barracas, já então lá nos campos de batalhas, às vezes com a fuzilaria sobre as cabeças nossas.
Por isso afirmo: as gentes de Antonio Conselheiro e seus comandantes estavam a léguas à nossa frente em matéria de combate, de ataques repentinos, de violências e de sangüinolências adoidadas. E as táticas que eles usavam de encontro a nós? Coisa louca de se saber e de se ver.
Então, essas coisas todas acontecidas acolá nas terras da Bahia, bem lá pra cima por onde passa o Rio Vaza-Barris, não são nada em conformidade com as secas. E olhe que foram muitas, sendo a pior a de l898 que foi a mais braba que já tivemos. Ali só faltou um homem comer outro ainda vivo, casca de pau, pedra e o mais que aparecessem por diante dos famintos.
Eu, aqui, ia falar mais sobre Antonio Vicente Mendes Maciel, o talzinho profeta dos jagunços, mas não me aperreia se não fizer porque já ta no outro livro, sem dúvida, do tal jornalista do Rio de Janeiro, que nos mirou de cara feia em quando nos chegamos a ele por um momento de sossego na frente de batalha. Ninguém nunca que viu o cabra Maciel, digo de nós soldados, e nem se viu como ele se finou. Morreu, foi dito, e está bem morto. Soube que a cabeça dele foi cortada do corpo e levada aos doutores de ciência pra estudar o cérebro do dito cujo. Que é que pensaram em achar lá dentro dos miolos murchos? Os pensamentos dele? As idéias que ele tinha pro seu povo? Vejas tu se lá encontraram alguma coisa de raiva contra a República... Encontraram? Puff! Nada que nada. Esses doutores têm cada uma que parecem duas. Onde já se viu o cérebro mostrar as suas verdades e mentiras? Aquilo é igual como o dos bois, dos porcos, das galinhas... Tudo em igual, sim senhor. O que é que se tem dentro daquela massa molenga? Hein? Eu que já vi pelos campos ela saindo dos quengos dos soldados mortos, não via nada. Era um ajuntamento de dobras que se parecia com as nossas tripas, isso lá é verdade. Vi muita, também, saindo devagar pelos buracos que as parnaíbas faziam nos buchos dos nossos soldados. Vi coisa demais da conta, meu, e te juro: quero mais ver nunca não. Você passa dias sem querer botar um comer na boca e se fizer joga tudo em fora numa cascata de fedor que não se agüenta. Vi muitos cabras assim, redobrados por sobre as tripas e de bocarras abertas, jogando o caldo quente pro chão. Nojentos das moléstias. Eu não; eu me preveni. Não comia nada, mesmo por que não tinha no rancho.
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Por isso afirmo: as gentes de Antonio Conselheiro e seus comandantes estavam a léguas à nossa frente em matéria de combate, de ataques repentinos, de violências e de sangüinolências adoidadas. E as táticas que eles usavam de encontro a nós? Coisa louca de se saber e de se ver.
Então, essas coisas todas acontecidas acolá nas terras da Bahia, bem lá pra cima por onde passa o Rio Vaza-Barris, não são nada em conformidade com as secas. E olhe que foram muitas, sendo a pior a de l898 que foi a mais braba que já tivemos. Ali só faltou um homem comer outro ainda vivo, casca de pau, pedra e o mais que aparecessem por diante dos famintos.
Eu, aqui, ia falar mais sobre Antonio Vicente Mendes Maciel, o talzinho profeta dos jagunços, mas não me aperreia se não fizer porque já ta no outro livro, sem dúvida, do tal jornalista do Rio de Janeiro, que nos mirou de cara feia em quando nos chegamos a ele por um momento de sossego na frente de batalha. Ninguém nunca que viu o cabra Maciel, digo de nós soldados, e nem se viu como ele se finou. Morreu, foi dito, e está bem morto. Soube que a cabeça dele foi cortada do corpo e levada aos doutores de ciência pra estudar o cérebro do dito cujo. Que é que pensaram em achar lá dentro dos miolos murchos? Os pensamentos dele? As idéias que ele tinha pro seu povo? Vejas tu se lá encontraram alguma coisa de raiva contra a República... Encontraram? Puff! Nada que nada. Esses doutores têm cada uma que parecem duas. Onde já se viu o cérebro mostrar as suas verdades e mentiras? Aquilo é igual como o dos bois, dos porcos, das galinhas... Tudo em igual, sim senhor. O que é que se tem dentro daquela massa molenga? Hein? Eu que já vi pelos campos ela saindo dos quengos dos soldados mortos, não via nada. Era um ajuntamento de dobras que se parecia com as nossas tripas, isso lá é verdade. Vi muita, também, saindo devagar pelos buracos que as parnaíbas faziam nos buchos dos nossos soldados. Vi coisa demais da conta, meu, e te juro: quero mais ver nunca não. Você passa dias sem querer botar um comer na boca e se fizer joga tudo em fora numa cascata de fedor que não se agüenta. Vi muitos cabras assim, redobrados por sobre as tripas e de bocarras abertas, jogando o caldo quente pro chão. Nojentos das moléstias. Eu não; eu me preveni. Não comia nada, mesmo por que não tinha no rancho.
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sábado, 17 de julho de 2010
MÍDIA OLIGOPOLIZADA X ZÉ POVINHO
sábado, 17 de julho de 201
Está declarada a guerra. O Partido do Capital (mídia oligopolizada) volta todo o seu aparato contra a candidatura Dilma Rousseff. Mas, O Partido do Capital já não havia declarado essa guerra há algum tempo atrás, desde que Dilma passou a ser reconhecida como a candidata escolhida por Lula e pelo Partido dos Trabalhadores? Sim. Entretanto acontece que agora a campanha, de ambas as partes, é oficial.
Em editorial desse sábado o jornal “O Globo” – intitulado singelamente de “Sindicatos cooptados lutam por votos” – usa o termo neopelegos para tratar as centrais sindicais. Faz todo o sentido, afinal as principais centrais sindicais redigiram no final de semana passado documento cujo teor torna nítida as mentiras decantadas por José Serra, o candidato oficial do Partido do Capital, quando o ex-governador de São Paulo tenta em vão assumir a paternidade do FAT (Fundo de Amparo aos Trabalhadores) e do Seguro-Desemprego. Então para desqualificar as centrais, nada melhor do que tratá-las como pelegas.
Mais. No pano de fundo está à visão turva de quem não sabe o que é democracia ao não aceitar o fato de essas centrais estarem em campanha aberta pela eleição de Dilma Rousseff. Isso é algo inadmissível para “O Globo”, para a família Marinho, para seus asseclas e para a elite nacional, acostumados a uma democracia meramente formal, de plástico, sem alma, enfim, uma democracia sem povo. O que essa elite defende é a antítese da democracia substancial apregoada por pensadores do quilate de Bertrand Russel, Jean Paul Sartre, C. B. Macpherson, Paulo Freire ou José Saramago. Na democracia formal o povo é convocado para apenas referendar as decisões já tomadas pelas elites dominantes, à participação é restrita a mera filiação em sindicatos, partidos políticos ou outras associações e a democracia só existe do portão da fábrica para fora. Associações políticas são aceitas desde que elas próprias reflitam o establishment.
Para o Partido do Capital, personificação dos anseios e preconceitos da elite dominante e da pequena burguesia reacionária, o governo Lula – mesmo possuindo aliança estratégica com alguns dos setores mais atrasados da sociedade brasileira, por exemplo, Sarney, Calheiros, Collor, IURD, agronegócio et caterva – tem o poder simbólico da chegada do povo ao poder e em grande medida a democratização desse poder. Ou não foi no governo Lula que se realizaram milhares de Conferências Nacionais sobre os mais diversos assuntos, algo impensável há poucos anos? Não foi, também, no governo Lula que se verificou maior acesso a terra e moradia digna através de financiamentos só possíveis graças à ação do Estado? Ou não foi o governo Lula que adotou uma política de valorização do salário mínimo? (E nos esqueçamos do discurso de direita que durante décadas viu justamente no salário mínimo o vilão de inflação, mesmo depois de esta ter sido debelada.) Não foi no governo Lula que o acesso à universidade e coisas mais trivias como, por exemplo, luz elétrica e três refeições por dia se tornaram possível para milhões de brasileiros?
Tudo isso é inadmissível para uma elite acostumada a monopolizar o poder e que na última década foi obrigada a engolir ascensão do “Zé Povinho” e a dividir esse poder com ele. É inadmissível a ascensão social de uma antiga classe de miseráveis e todas as consequências, no presente e no futuro, que essa ascensão acarretará consigo.
Na guerra declarada pelo Partido do Capital, o Presidente Lula e as centrais sindicais põem em risco a democracia (formal) brasileira ao tomarem partido e escancarar sem pudor o nome de sua presidenciável. Não à toa que a Folhona Ditabranda destacou afirmação de Alejandro Aguirre, presidente da obscura Sociedade Interamericana de Imprensa, na qual o até então ilustre desconhecido afirma que governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva "não pode ser chamado de democrático".
Não por acaso o mesmo ilustre desconhecido também compara Lula a Hugo Chávez, Evo Morales e Cristina Kirchner, governantes que de forma similar, embora em maior ou menor intensidade, e pragmática lançaram seus respectivos países num processo inédito de democratização do Estado.
Postado por Hudson Luiz Vilas Boas
Está declarada a guerra. O Partido do Capital (mídia oligopolizada) volta todo o seu aparato contra a candidatura Dilma Rousseff. Mas, O Partido do Capital já não havia declarado essa guerra há algum tempo atrás, desde que Dilma passou a ser reconhecida como a candidata escolhida por Lula e pelo Partido dos Trabalhadores? Sim. Entretanto acontece que agora a campanha, de ambas as partes, é oficial.
Em editorial desse sábado o jornal “O Globo” – intitulado singelamente de “Sindicatos cooptados lutam por votos” – usa o termo neopelegos para tratar as centrais sindicais. Faz todo o sentido, afinal as principais centrais sindicais redigiram no final de semana passado documento cujo teor torna nítida as mentiras decantadas por José Serra, o candidato oficial do Partido do Capital, quando o ex-governador de São Paulo tenta em vão assumir a paternidade do FAT (Fundo de Amparo aos Trabalhadores) e do Seguro-Desemprego. Então para desqualificar as centrais, nada melhor do que tratá-las como pelegas.
Mais. No pano de fundo está à visão turva de quem não sabe o que é democracia ao não aceitar o fato de essas centrais estarem em campanha aberta pela eleição de Dilma Rousseff. Isso é algo inadmissível para “O Globo”, para a família Marinho, para seus asseclas e para a elite nacional, acostumados a uma democracia meramente formal, de plástico, sem alma, enfim, uma democracia sem povo. O que essa elite defende é a antítese da democracia substancial apregoada por pensadores do quilate de Bertrand Russel, Jean Paul Sartre, C. B. Macpherson, Paulo Freire ou José Saramago. Na democracia formal o povo é convocado para apenas referendar as decisões já tomadas pelas elites dominantes, à participação é restrita a mera filiação em sindicatos, partidos políticos ou outras associações e a democracia só existe do portão da fábrica para fora. Associações políticas são aceitas desde que elas próprias reflitam o establishment.
Para o Partido do Capital, personificação dos anseios e preconceitos da elite dominante e da pequena burguesia reacionária, o governo Lula – mesmo possuindo aliança estratégica com alguns dos setores mais atrasados da sociedade brasileira, por exemplo, Sarney, Calheiros, Collor, IURD, agronegócio et caterva – tem o poder simbólico da chegada do povo ao poder e em grande medida a democratização desse poder. Ou não foi no governo Lula que se realizaram milhares de Conferências Nacionais sobre os mais diversos assuntos, algo impensável há poucos anos? Não foi, também, no governo Lula que se verificou maior acesso a terra e moradia digna através de financiamentos só possíveis graças à ação do Estado? Ou não foi o governo Lula que adotou uma política de valorização do salário mínimo? (E nos esqueçamos do discurso de direita que durante décadas viu justamente no salário mínimo o vilão de inflação, mesmo depois de esta ter sido debelada.) Não foi no governo Lula que o acesso à universidade e coisas mais trivias como, por exemplo, luz elétrica e três refeições por dia se tornaram possível para milhões de brasileiros?
Tudo isso é inadmissível para uma elite acostumada a monopolizar o poder e que na última década foi obrigada a engolir ascensão do “Zé Povinho” e a dividir esse poder com ele. É inadmissível a ascensão social de uma antiga classe de miseráveis e todas as consequências, no presente e no futuro, que essa ascensão acarretará consigo.
Na guerra declarada pelo Partido do Capital, o Presidente Lula e as centrais sindicais põem em risco a democracia (formal) brasileira ao tomarem partido e escancarar sem pudor o nome de sua presidenciável. Não à toa que a Folhona Ditabranda destacou afirmação de Alejandro Aguirre, presidente da obscura Sociedade Interamericana de Imprensa, na qual o até então ilustre desconhecido afirma que governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva "não pode ser chamado de democrático".
Não por acaso o mesmo ilustre desconhecido também compara Lula a Hugo Chávez, Evo Morales e Cristina Kirchner, governantes que de forma similar, embora em maior ou menor intensidade, e pragmática lançaram seus respectivos países num processo inédito de democratização do Estado.
Postado por Hudson Luiz Vilas Boas
ARREMEDO DE GUERRA
Agora nem um só cabra daqueles poderia se desculpar de muito lutar nas frentes, laterais ou nas traseiras dos combates. Estavam todos arregalados de tanto ingerir os bens preparados comer pelos taifeiros que se desdobravam pra aproveitar tudinho sem sobejo que se jogasse em fora ou que se fosse obrigado a dar aos cachorros que zanzavam por lá. Acoitado em lugares escondidos muita vez vi gente caçando cachorro pra fazer um ensopado. Vi sim senhor, pois esses dois olhos não me enganam a ponto de eu julgar mal meus companheiros comendo coisas, acho que proibidas pelos princípios da ciência da higiene. Se pensando bem, muito da conta: nas grandes secas já se comeu até calango, desses de parede, cachorro, gato, papagaio e já ouvi de falar: até urubu. Urubu, sim senhor. O cabra comia e logo depois se finava; a, pois, como não? Urubu é coisa que se mande pros buchos? Mas a fome não rejeita nem enjeita qualquer coisa que respire. Rato da caatinga... Já ouviste falar: Já né? A, pois, então: até os roedores não escaparam das caças. Com cuidados exagerados se limpavam eles, se assavam nos braseiros e se comiam com estalidos das línguas. Não se passou o comer às palmas que apenas são guardadas pros gados? Pois foi. O senhor iria se renegar de um pitéu daqueles num momento em que a barriga encostava lá atrás na coluna vertebral? E as macaxeiras bravias? Era colher, limpar, por pra cozer e mandar pra dentro. As barrigas cresciam tanto que pareciam bexigas de se soprar. E lá se iam os pobrezinhos de barriga entupida, mas sem almas.
Há quem me fale de canibalismo! Sabes o que é? Ah... Então: se comiam uns aos outros, mormente se fosse criança pequenininha de carne macia. Os velhos ficassem sossegados, que não se desejavam as suas carnes enrugadas e duras não. É... A fome faz o homem virar animal, monstro sem raciocínio, desequilibrado. Veja os acasos de uma existência numa terra esturricada sem uma cacimba, sombra ou sem um pé de fruta. Muita gente enlouqueceu, ficou lelé da cuca, depois que comeram os filhos ou algum parente novo nas carnes. Não foi assim em antigamente nos primeiros tempos do homem sobre os chãos deste planeta? Foi não? Foi sim. O cabra dessas novidades tinha o respeito de todos e o que ele falasse era tido e havido como verdadeiro, sem quizumba ou sem descrédito. Foi. Foi sim. Boto a mão no fogo pelo cabra dessas novidades. Tião Tinhoso era o seu chamar – o nome da pia batismal. Contou tão bem contado e com aparência serena que nem os olhos piscavam, mas, porém sempre cheios dágua. Ele contava nos olhando firme dentro dos nossos olhos. Quem havéra de duvidar? A gente via isso nas grandes secas... Falava. E tome sofrer, e tanto, que até Tião Tinhoso, mais a família, comeu o netinho. A mãe, sua filha, não apetecia em principio, mas vendo que se ia acabar o jantar aceitou, e ainda achou que tinha posto no mundo uma coisinha de delícias. Coitadinha. Depois enlouqueceu e, teimosa, preferiu ficar deitada no chão seco sem marchar mais. Muito tempo depois acharam só o esqueleto dela, sim, eles mesmos, na marcha de volta. É assim, a maldição das secas brabas: pra nenhum cabra valente botar defeito. E se fizesse o contrário... Se fizesse! Ah, que era o fim de todos.
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Há quem me fale de canibalismo! Sabes o que é? Ah... Então: se comiam uns aos outros, mormente se fosse criança pequenininha de carne macia. Os velhos ficassem sossegados, que não se desejavam as suas carnes enrugadas e duras não. É... A fome faz o homem virar animal, monstro sem raciocínio, desequilibrado. Veja os acasos de uma existência numa terra esturricada sem uma cacimba, sombra ou sem um pé de fruta. Muita gente enlouqueceu, ficou lelé da cuca, depois que comeram os filhos ou algum parente novo nas carnes. Não foi assim em antigamente nos primeiros tempos do homem sobre os chãos deste planeta? Foi não? Foi sim. O cabra dessas novidades tinha o respeito de todos e o que ele falasse era tido e havido como verdadeiro, sem quizumba ou sem descrédito. Foi. Foi sim. Boto a mão no fogo pelo cabra dessas novidades. Tião Tinhoso era o seu chamar – o nome da pia batismal. Contou tão bem contado e com aparência serena que nem os olhos piscavam, mas, porém sempre cheios dágua. Ele contava nos olhando firme dentro dos nossos olhos. Quem havéra de duvidar? A gente via isso nas grandes secas... Falava. E tome sofrer, e tanto, que até Tião Tinhoso, mais a família, comeu o netinho. A mãe, sua filha, não apetecia em principio, mas vendo que se ia acabar o jantar aceitou, e ainda achou que tinha posto no mundo uma coisinha de delícias. Coitadinha. Depois enlouqueceu e, teimosa, preferiu ficar deitada no chão seco sem marchar mais. Muito tempo depois acharam só o esqueleto dela, sim, eles mesmos, na marcha de volta. É assim, a maldição das secas brabas: pra nenhum cabra valente botar defeito. E se fizesse o contrário... Se fizesse! Ah, que era o fim de todos.
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ARREMEDO DE GUERRA
quinta-feira, 15 de julho de 2010
ARREMEDO DE GUERRA
Não foi assim em antigamente nos primeiros tempos do homem sobre os chãos deste planeta? Foi não? Foi sim. O cabra dessas novidades tinha o respeito de todos e o que ele falasse era tido e havido como verdadeiro, sem quizumba ou sem descrédito. Foi. Foi sim. Boto a mão no fogo por ele, o dono dessas novidades.
Tião Tinhoso era o seu chamar – o nome de pia batismal. Contou tão bem contado, e com aparência serena que nem os olhos piscavam, mas, porém sempre cheios dágua. Ele contava nos olhando firme dentro dos nossos olhos. Quem havéra de duvidar? A gente via isso nas grandes secas... Falava-se sim senhor... E tome sofrer, e tanto, que até Tião Tinhoso, mais a família, comeu o netinho que já não ia muito bem lá das perninhas a quase entregar a alma a Nosso Senhor. À mãe, sua filha não apetecia, em principio, mas vendo que se ia acabar o jantar aceitou, e ainda achou que tinha posto no mundo uma coisinha de delícias. Coitadinha. Depois enlouqueceu e, teimosa, preferiu ficar deitada no chão seco sem marchar mais. Muito tempo depois ao retornarem ao lugarejo assombrado, que passaram a dizer ser ali lugar de assombrações, foi achado só o esqueleto dela, sim, ele mesmo, na marcha de volta. Era ela sim pelas roupas em trapos espalhadas em derredor. É assim a maldição das secas brabas pra nenhum cabra valente botar defeito. E se fizesse o contrário... Se fizesse! Ah, que era o fim de todos.
Se houvesse comer, as gentes torciam pra morrer logo um deles. Assim o sobejo do que se finou era repartido pelos demais. A fome é pior agrura que uma pessoa pode sentir. Ela te faz virar cão faminto, lobo, lobisomem, tanto que as crianças, já entendidas de fome e de necessidades se botavam longe dos adultos. Iam seguindo os da frente, mas prontinhos a darem nos pés em carreira desabalada pra fugir de virar pitéu.
E os da frente, os que abriam caminho pro restante da família, encompridavam os olhos fundos pro lado das crianças, mas sempre dando preferência por aquelas que além de estarem pesando na economia do bando, tavam já quase batendo as canelas não servindo pra mais nada a não ser pra comer.
Olhes tu que o sofrimento dos pais, irmãos, tios e avós; esse é o mais dorido possível de se suportar. Mas havéra Nosso Senhor de condenar pro fogo eterno dos Infernos essa gente faminta que comem os seus? E em antes, não era assim, como eu já perguntei? Repito: era sim, e não é pra desculpar aqueles homens tipo macacos daquelas épocas de muita fome, poucas armas de caça, que muitas vezes os caçadores viravam os caçados pelas feras.
E não é de se dizer que eram apenas alguns não. Em quase todo sertão logo faltaram os calangos, os gatos, os cachorros, os ratos famintos também, e o que corresse sobre quatro patas, tivesse rabo ou não, comesse comer limpo ou não. Não te já falei dos que comeram urubu? Pois encheram as suas barrigas, mas, porém por outro lado, encheram a pança da terra de defuntos. Valeu à pena o canibalismo? Em épocas de seca vale tudo, assim como os bichos leões papam os seus filhotes sem pena. Ora, pois.
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Tião Tinhoso era o seu chamar – o nome de pia batismal. Contou tão bem contado, e com aparência serena que nem os olhos piscavam, mas, porém sempre cheios dágua. Ele contava nos olhando firme dentro dos nossos olhos. Quem havéra de duvidar? A gente via isso nas grandes secas... Falava-se sim senhor... E tome sofrer, e tanto, que até Tião Tinhoso, mais a família, comeu o netinho que já não ia muito bem lá das perninhas a quase entregar a alma a Nosso Senhor. À mãe, sua filha não apetecia, em principio, mas vendo que se ia acabar o jantar aceitou, e ainda achou que tinha posto no mundo uma coisinha de delícias. Coitadinha. Depois enlouqueceu e, teimosa, preferiu ficar deitada no chão seco sem marchar mais. Muito tempo depois ao retornarem ao lugarejo assombrado, que passaram a dizer ser ali lugar de assombrações, foi achado só o esqueleto dela, sim, ele mesmo, na marcha de volta. Era ela sim pelas roupas em trapos espalhadas em derredor. É assim a maldição das secas brabas pra nenhum cabra valente botar defeito. E se fizesse o contrário... Se fizesse! Ah, que era o fim de todos.
Se houvesse comer, as gentes torciam pra morrer logo um deles. Assim o sobejo do que se finou era repartido pelos demais. A fome é pior agrura que uma pessoa pode sentir. Ela te faz virar cão faminto, lobo, lobisomem, tanto que as crianças, já entendidas de fome e de necessidades se botavam longe dos adultos. Iam seguindo os da frente, mas prontinhos a darem nos pés em carreira desabalada pra fugir de virar pitéu.
E os da frente, os que abriam caminho pro restante da família, encompridavam os olhos fundos pro lado das crianças, mas sempre dando preferência por aquelas que além de estarem pesando na economia do bando, tavam já quase batendo as canelas não servindo pra mais nada a não ser pra comer.
Olhes tu que o sofrimento dos pais, irmãos, tios e avós; esse é o mais dorido possível de se suportar. Mas havéra Nosso Senhor de condenar pro fogo eterno dos Infernos essa gente faminta que comem os seus? E em antes, não era assim, como eu já perguntei? Repito: era sim, e não é pra desculpar aqueles homens tipo macacos daquelas épocas de muita fome, poucas armas de caça, que muitas vezes os caçadores viravam os caçados pelas feras.
E não é de se dizer que eram apenas alguns não. Em quase todo sertão logo faltaram os calangos, os gatos, os cachorros, os ratos famintos também, e o que corresse sobre quatro patas, tivesse rabo ou não, comesse comer limpo ou não. Não te já falei dos que comeram urubu? Pois encheram as suas barrigas, mas, porém por outro lado, encheram a pança da terra de defuntos. Valeu à pena o canibalismo? Em épocas de seca vale tudo, assim como os bichos leões papam os seus filhotes sem pena. Ora, pois.
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ARREMEDO DE GUERRA
E quê! No sossego nos fartamos de comer e ainda sobrou um tanto, que era pros generais e coronéis. Os ossos dependuraram pra fazer caldo com farinha, depois. Sabes né: deixavam água a ferver nos panelões. Os tutanos iam se derretendo e engordando os caldos. Era só jogar a farinhada e estava pronto o pirão! Era de se lamber os dedos e os beiços. Ah... Fartamos todos de comer. Assim, sim, podemos pegar numa arma de fogo e morrer pela República. Já que podemos tombar pra sempre, melhor que seja com o bucho cheio e a garganta molhada. Coisa desejo não: é morrer de bucho vazio e com sede. Estando tudo satisfeito nesse forrar de comer e de beber, morro em paz e feliz. O senhor me veja o que somos capazes de falar sem em antes pensar: alguém pode morrer feliz? Em paz até pode, mas feliz? Ó infeliz!
Agora nem um só cabra daqueles poderia se desculpar de muito lutar nas frentes, laterais ou nas traseiras dos combates. Estavam todos arregalados de tanto ingerir os bens preparados comer pelos taifeiros que se desdobrava pra aproveitar tudinho, sem sobejo que se jogasse em fora ou que se fosse obrigado a dar aos cachorros que zanzavam por lá. Acoitado em lugares escondidos, muita vez vi gente caçando cachorro pra fazer um ensopado. Vi sim senhor, pois esses dois olhos não me enganam a ponto de eu julgar mal meus companheiros comendo coisas, acho que proibidas pelos princípios da ciência da higiene. Se pensando em bem muito da conta: nas grandes secas já se comeu até calango; desses de parede, cachorro, gato, papagaio e já ouvi de falar: até urubu. Urubu, sim senhor. O cabra comia e logo depois se finava; a, pois como não? Urubu é coisa que se mande pros buchos? Mas a fome não rejeita nem enjeita qualquer coisa que respire. Rato da caatinga... Já ouviste falar: Já né? A, pois então: até os roedores não escaparam das caças. Com cuidados exagerados se limpavam eles, se assavam nos braseiros e se comiam com estalidos das línguas. Não se passou o comer às palmas que apenas são guardadas pros gados? Pois foi. O senhor iria se renegar de um pitéu daqueles num momento em que a barriga encostava lá atrás na coluna vertebral? E as macaxeiras bravias? Era colher, limpar, por pra cozer e mandar pra dentro. As barrigas cresciam tanto que pareciam bexigas de se soprar. E lá se iam os pobrezinhos de barriga entupida, mas sem almas.
Há quem me fale de canibalismo! Sabes o que é? Ah... Então: se comiam uns aos outros, mormente se fosse criança pequenininha de carne macia. Os velhos ficavam sossegados que não se desejavam as suas carnes enrugadas e duras não. É... A fome faz o homem virar animal monstro sem raciocínio equilibrado. Veja os acasos de uma existência numa terra esturricada sem uma cacimba, sombra ou sem um pé de fruta. Muita gente enlouqueceu, ficou lelé da cuca, depois que comeram os filhos ou algum parente novo nas carnes.
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Agora nem um só cabra daqueles poderia se desculpar de muito lutar nas frentes, laterais ou nas traseiras dos combates. Estavam todos arregalados de tanto ingerir os bens preparados comer pelos taifeiros que se desdobrava pra aproveitar tudinho, sem sobejo que se jogasse em fora ou que se fosse obrigado a dar aos cachorros que zanzavam por lá. Acoitado em lugares escondidos, muita vez vi gente caçando cachorro pra fazer um ensopado. Vi sim senhor, pois esses dois olhos não me enganam a ponto de eu julgar mal meus companheiros comendo coisas, acho que proibidas pelos princípios da ciência da higiene. Se pensando em bem muito da conta: nas grandes secas já se comeu até calango; desses de parede, cachorro, gato, papagaio e já ouvi de falar: até urubu. Urubu, sim senhor. O cabra comia e logo depois se finava; a, pois como não? Urubu é coisa que se mande pros buchos? Mas a fome não rejeita nem enjeita qualquer coisa que respire. Rato da caatinga... Já ouviste falar: Já né? A, pois então: até os roedores não escaparam das caças. Com cuidados exagerados se limpavam eles, se assavam nos braseiros e se comiam com estalidos das línguas. Não se passou o comer às palmas que apenas são guardadas pros gados? Pois foi. O senhor iria se renegar de um pitéu daqueles num momento em que a barriga encostava lá atrás na coluna vertebral? E as macaxeiras bravias? Era colher, limpar, por pra cozer e mandar pra dentro. As barrigas cresciam tanto que pareciam bexigas de se soprar. E lá se iam os pobrezinhos de barriga entupida, mas sem almas.
Há quem me fale de canibalismo! Sabes o que é? Ah... Então: se comiam uns aos outros, mormente se fosse criança pequenininha de carne macia. Os velhos ficavam sossegados que não se desejavam as suas carnes enrugadas e duras não. É... A fome faz o homem virar animal monstro sem raciocínio equilibrado. Veja os acasos de uma existência numa terra esturricada sem uma cacimba, sombra ou sem um pé de fruta. Muita gente enlouqueceu, ficou lelé da cuca, depois que comeram os filhos ou algum parente novo nas carnes.
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sexta-feira, 9 de julho de 2010
ARREMEDO DE GUERRA
Eu tava que tava agindo e anuindo a eles no afã da refrega endoidecida demais com entrechoques de baionetas e parnaíbas, facões e foices, ancinhos e enxadas, achando no caminho corpos cantis e cartucheiras, furando, sangrando, trespassando, como as carnes de churrascos e o sangue golfando de tudo que era parte. Debaixo dos pés eu me sentia escorregar num monturo de gente gemedora e outras silenciosas. E ia abrindo caminho entre espinhos e gente espinhosa, lesado da cabeça, sem medo algum, mas desejando no calor da luta a sobrevivência, que irmanavam todos ali. Era tudo igual: soldados legalizados e jagunços. Já não se sabia quem era quem, nem o que se desejava em meio a tantos gritos, troar de canhões, “ta-ta-ta-ta-ta” da metralha ensandecida, “boom”, das granadas estraçalhando e dividindo gentes, em antes inteiras pegadas na surpresa das explosões, saraivada e ricochete das sobras dos petardos. Cavalos do exército republicano se esvaindo em sangue, destripados que nem carne de boi nos açougues de olhos assustados e esbugalhados com patas ferindo os que passavam perto. Foi uma desgraceira do diabo! A gente carecia vencer aquela com bravura, e bravamente fomos se infiltrando no meio da jagunçada apalermada e descontrolada, por ver tanta bravura nos cabras fardados. Aí, então, houve uma retirada estratégica dos sertanejos. De repentinamente se sumiram entre as vegetações baixas. Já escurecia e a chegada da noitinha ajudou a maioria deles. Fugiam não por medo, não mais que por ordem de gestos e de sinais dos comandantes enredados nas lutas corpo-a-corpo. Irra! Povinho disciplinado aquele.
Depois se procedeu à contagem dos abatidos deles e dos nossos. Se não foi equilibrado, quase que foi. Muitos dos nossos no chão estavam feridos: uns de leve, mas sem meios de se erguerem; outros já no fim, esticando as canelas. Houve uma confraternização de alegria; sorrisos de bochecha a bochecha; sentimento de vitória pouca, mas pela primeira vez não se bateu em retirada. Era vencer ou morrer, e ninguém pensava em sair dali vivo sem dar vitória ao exército legalizado. Questão de honra bem honrada. Era pra cambada do arraial ver quem eram os soldados: tão valentes como eles. A, pois nos juntamos de novo os quatro companheiros:
–Não dói nada a tal morte, sabes? Comentou Chico Danado.
–Mas você, seu maluco, nunca antes morreu como sabes? Perguntou Antonio.
–Mas pouco me faltou pra me acabar, e se tivesse acontecido eu nem sentiria, te juro.
–O talzinho do padre ficou lá no meio dos finados. Uma foiçada abriu ele do ombro até a cintura. Uma só, que eu vi. O coração chegou a saltar pra fora, ainda batendo. Acho eu que ele descarregou toda a sua raiva de ti, mano Bé, nos homens que matou. Acabou-se. Falou cansado Chico Danado.
Pensei que realmente tinha terminado o sofrimento do padre que era maior do que as balas, chuchadas ou foiçadas que levou. Pois lá ele estava, e carecia de encontrar o pobre e dar uma cova de cristão. Custamos, mas encontramos o desinfeliz. Estava por debaixo de um monturo de corpos dos nossos soldados e dos jagunços. Arrastou-se ele e cavando uma sepultura colocamos o finado dentro e tapamos com pedras e terra batida, bem batida. Quando terminasse aquela guerra do Demo, ninguém mais saberia onde encontrar os restos dele. Mas ninguém conhecia um só seu parente, ou se tinha. Ficaria lá pra sempre. Agora, muitos dos soldados e dos jagunços se secariam de repente, tal o calor e a pouca umidade ali. Os defuntos viravam umas espécies de múmias. Já vistes, por acaso, gado morto na caatinga? Pois é assim, justamente assim, que ficam os defuntos expostos ao Sol. No fim, chegou-nos o comer que saco vazio não fica de pé, né mesmo?
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Depois se procedeu à contagem dos abatidos deles e dos nossos. Se não foi equilibrado, quase que foi. Muitos dos nossos no chão estavam feridos: uns de leve, mas sem meios de se erguerem; outros já no fim, esticando as canelas. Houve uma confraternização de alegria; sorrisos de bochecha a bochecha; sentimento de vitória pouca, mas pela primeira vez não se bateu em retirada. Era vencer ou morrer, e ninguém pensava em sair dali vivo sem dar vitória ao exército legalizado. Questão de honra bem honrada. Era pra cambada do arraial ver quem eram os soldados: tão valentes como eles. A, pois nos juntamos de novo os quatro companheiros:
–Não dói nada a tal morte, sabes? Comentou Chico Danado.
–Mas você, seu maluco, nunca antes morreu como sabes? Perguntou Antonio.
–Mas pouco me faltou pra me acabar, e se tivesse acontecido eu nem sentiria, te juro.
–O talzinho do padre ficou lá no meio dos finados. Uma foiçada abriu ele do ombro até a cintura. Uma só, que eu vi. O coração chegou a saltar pra fora, ainda batendo. Acho eu que ele descarregou toda a sua raiva de ti, mano Bé, nos homens que matou. Acabou-se. Falou cansado Chico Danado.
Pensei que realmente tinha terminado o sofrimento do padre que era maior do que as balas, chuchadas ou foiçadas que levou. Pois lá ele estava, e carecia de encontrar o pobre e dar uma cova de cristão. Custamos, mas encontramos o desinfeliz. Estava por debaixo de um monturo de corpos dos nossos soldados e dos jagunços. Arrastou-se ele e cavando uma sepultura colocamos o finado dentro e tapamos com pedras e terra batida, bem batida. Quando terminasse aquela guerra do Demo, ninguém mais saberia onde encontrar os restos dele. Mas ninguém conhecia um só seu parente, ou se tinha. Ficaria lá pra sempre. Agora, muitos dos soldados e dos jagunços se secariam de repente, tal o calor e a pouca umidade ali. Os defuntos viravam umas espécies de múmias. Já vistes, por acaso, gado morto na caatinga? Pois é assim, justamente assim, que ficam os defuntos expostos ao Sol. No fim, chegou-nos o comer que saco vazio não fica de pé, né mesmo?
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Agora que ta entendido o negócio das diferenças das línguas e mais das bestas, deixe que eu continue a descrever essa batalha donde morreu o ex-padre e donde que Geraldo Quintão funcionava como uma máquina de matar, de trucidar o inimigo. Muitos dos nossos saíram de lá com as fardas em frangalhos, e braços, e rostos, e peitos e pernas arranhados, como se houvessem brincado com gatos. Os jagunços haviam colocado como anteparos, ou vigilantes alertas, umas ramagens entupidas de espinhos grandes, modo servir de escudo, mas rajadas da metralha abriam caminho pros nossos, e ainda assim muitos se enredaram de tal forma que foram colhidos de surpresa pela soldadesca sertaneja com fúria de um exército grande. Gente esperta aquela. A gente ficava arrepiada só de ouvir os barulhos de ossos quebrando com as foiçadas e enxadadas que apareceram depois, com os porretes cantando nos quengos dos nossos companheiros em surdos e abafados sons. Atrás de Geraldo Quintão seguia Chico Danado pegando à unha o primeiro que surgisse no meio dos espinheiros. O seu rosto se parecia uma papa vermelha, seu fardamento em tiras e ele levando porretada e espetada das parnaíbas; então, ele recuava serelepe e coriscante, do chão atapetado de gente morta, ou por morrer.
Dois loucos: Geraldo e Chico. Do outro lado nosso, mais para a esquerda, José batalhava pertinho do irmão a lhe dar cobertura de um anjo de guarda, guardando a integridade do mano bom; ficou mais amarelo, não sei de por medo ou por problema de saúde, que parecia não ter demais, porém, contudo, se mostrou valente. Antonio Quelé estava embriagado, acredito, pelo cheiro do sangue misturado ao da pólvora que permeava tudo e todos porque o tiroteio raspava as cabeças dos cabras a fim de alcançar os outros jagunços mais atrás. Tão calmos nos momentos de paz, tão alegres e brincalhões, cheios de risos, dentes de fora a fora das bocas, mas nas horas de luta lutavam muito doidamente, compenetrados, sem cuidados como se a morte fosse uma brincadeira de entrudo: “-Saí de banda morte velha pra é não morrer também!” Gritavam eles o grito de em antes combinado previamente. Era certo aquilo, pois os cabras do arraial também urravam palavras de baixo calão, braços pros altos, pernas e barrigas indo sempre pra frente numa espécie de coito infernal. Mas, varados de balas, tombavam sem mais falar. Se aquietavam, pois a Morte lhes tirava os fôlegos, as graças, os sorrisos, em antes inocentes e amorosos com as suas mulheres e filharada.
Eu, de minha parte, lutando bravamente também igual, só lobrigava por instantes as cabeças daqueles dois malucos se misturando aos dos jagunços com urros de apavorar e baixando as foices tomadas das mãos dos que se finaram como armas de reserva, pois os fuzis, grande e pesados, ficavam difíceis manobrar em meio a tantos braços, corpos e pernas. Lá se foram abrindo caminho entre a jagunçada atônita, que não esperavam tanta valentia em só dois soldados. As caras deles não se viam mais: eram manchas vermelhas de sangue puro, dos cabelos, pois perderam os quepes, aos pés. Pisavam nos defuntos como se estivessem pisando uma rua calçada de uma cidade grande. Então, houve uma trégua. Sumiram os inimigos, como sempre: atacando e desaparecendo de vez. Tática de guerrilha, dizia-se entre os oficias.
Guerrilha ou não o fato é que os dois saíram sós, mas levemente feridos nos braços e nas pernas.
Um deles, Chico Danado, levou um chuchado de um inimigo caído, que estava morrendo.
Chuchou a perna de Chico, deu um largo sorriso e se debandou pro infernos depois que Chico Danado afundou sua testa com a coronha do fuzil. Os dois chegaram sem respiração. Antonio se derreou. Seu ferimento na perna esquerda não era grave, mas sangrava bastante. Mas ele não tava nem aí praquilo. Sorria o sorriso da vitória, afinal. Cabras valentes ou doidos.
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Dois loucos: Geraldo e Chico. Do outro lado nosso, mais para a esquerda, José batalhava pertinho do irmão a lhe dar cobertura de um anjo de guarda, guardando a integridade do mano bom; ficou mais amarelo, não sei de por medo ou por problema de saúde, que parecia não ter demais, porém, contudo, se mostrou valente. Antonio Quelé estava embriagado, acredito, pelo cheiro do sangue misturado ao da pólvora que permeava tudo e todos porque o tiroteio raspava as cabeças dos cabras a fim de alcançar os outros jagunços mais atrás. Tão calmos nos momentos de paz, tão alegres e brincalhões, cheios de risos, dentes de fora a fora das bocas, mas nas horas de luta lutavam muito doidamente, compenetrados, sem cuidados como se a morte fosse uma brincadeira de entrudo: “-Saí de banda morte velha pra é não morrer também!” Gritavam eles o grito de em antes combinado previamente. Era certo aquilo, pois os cabras do arraial também urravam palavras de baixo calão, braços pros altos, pernas e barrigas indo sempre pra frente numa espécie de coito infernal. Mas, varados de balas, tombavam sem mais falar. Se aquietavam, pois a Morte lhes tirava os fôlegos, as graças, os sorrisos, em antes inocentes e amorosos com as suas mulheres e filharada.
Eu, de minha parte, lutando bravamente também igual, só lobrigava por instantes as cabeças daqueles dois malucos se misturando aos dos jagunços com urros de apavorar e baixando as foices tomadas das mãos dos que se finaram como armas de reserva, pois os fuzis, grande e pesados, ficavam difíceis manobrar em meio a tantos braços, corpos e pernas. Lá se foram abrindo caminho entre a jagunçada atônita, que não esperavam tanta valentia em só dois soldados. As caras deles não se viam mais: eram manchas vermelhas de sangue puro, dos cabelos, pois perderam os quepes, aos pés. Pisavam nos defuntos como se estivessem pisando uma rua calçada de uma cidade grande. Então, houve uma trégua. Sumiram os inimigos, como sempre: atacando e desaparecendo de vez. Tática de guerrilha, dizia-se entre os oficias.
Guerrilha ou não o fato é que os dois saíram sós, mas levemente feridos nos braços e nas pernas.
Um deles, Chico Danado, levou um chuchado de um inimigo caído, que estava morrendo.
Chuchou a perna de Chico, deu um largo sorriso e se debandou pro infernos depois que Chico Danado afundou sua testa com a coronha do fuzil. Os dois chegaram sem respiração. Antonio se derreou. Seu ferimento na perna esquerda não era grave, mas sangrava bastante. Mas ele não tava nem aí praquilo. Sorria o sorriso da vitória, afinal. Cabras valentes ou doidos.
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quarta-feira, 7 de julho de 2010
A NECESSIDADE DO SILÊNCIO
Há um momento na vida das pessoas em que se faz necessário um recolhimento profundo. Esse recolhimento deve ser acompanhado de total silêncio. É o escopo primordial para um nosso exame ao cerne da Alma. A mim acontece essa necessidade, mas confesso não consegui-lo em toda a sua plenitude. Fico apenas numa espécie de meditação superficial como uma folha que fica boiando em um espelho d água, sem afundar.
Se o recolhimento é bem feito, o silêncio que se busca vem de dentro para fora; envolve o ser numa paz reconstrutora de energia e autocontrole. Estamos, então, em comunicação ao nosso mundo interior, às nossas verdades e aos nossos segredos.
Nessa fase, o silêncio tem que ser absoluto. Ele se torna a própria Alma do recolhimento; é o total e o uno; o material e o abstrato; o substrato da verdadeira personalidade.
Porém, há silêncios que nos incomodam: o da solidão, o da indiferença e o da negação. Para quaisquer deles o remédio se faz difícil, quase impossível.
O da solidão é relativo. Podemos nos encontrar em meio a uma multidão e ainda assim nos sentirmos sozinhos como em uma ilha deserta de vozes e carente do calor humano. Já aconteceu a você alguma vez?
O da indiferença torna-se a coroa de espinhos à nossa fronte exangue; a cruz cujo peso está além de nossa força carregá-la. Torna-se a via amaríssima percorrida por outrem. É a mais clara evidência de que se pôs em movimento um desfalecimento total.
Abre mais e mais chagas à Alma. Inquieta-nos interiormente qual um mundo que se esfacela; uma onda a se esbater nos rochedos da dor. Sacode violentamente o nosso orgulho deixando seqüelas profundas. Suportar é quase impossível. Desnorteia-nos, abatendo-nos sobremaneira. Sentimo-nos vazios até a Morte. Este o da indiferença, se completa ao de Negação, que por sua missão nos coloca como a um zero sem nenhum significado. Ninguém reclama nossa ausência, mas nos sentimos vivos - somos sem ser sendo um ser sem existência, todavia. Sentimos um vazio imensurável. Um ser abismal cresce em nosso interior aonde nem a Luz da piedade alcança. Somos o próprio silêncio que incomoda, que intriga e amedronta: um início que nunca se dará e um fim que jamais há de se configurar. Somos, digamos, o caos antes do Pensamento Criador da Divindade e as Trevas antes do "Fiat-Lux".
Para debelar essas agruras, aquela introspecção deverá servir exclusivamente para que nos encontremos conosco mesmos nos ajudando a construir um novo ser capaz de não se isolar ou de se sentir isolado de outros seres, por mais abjetos possam nos parecer. Deverá ainda nos ensinar a comunicação constante a outras pessoas e a amar ao próximo como a nós mesmos. Aprendamos a não nos negar e a não nos dividir, mas a de nos somar e a de nos transformar num elo entre muitos até completarmos uma corrente humana com capacidade de assimilar todos os problemas: unos na dor, na angústia, no desamparo e no desencanto comum.
Então, maravilha! O milagre acontece para o nosso espanto e para a nossa ressurreição como seres humanos: sentimos um foco de Luz; sentimo-nos esse foco de Luz penetrante a todas as entranhas esconsas da Alma; somos a Luz sublime que mostra a Vida palpitante reverberando no íntimo do nosso mundo interior e a fraternidade, em toda a sua grandeza, como um bálsamo santificado e ungido. Somos Luz e Deuses também.
Se o recolhimento é bem feito, o silêncio que se busca vem de dentro para fora; envolve o ser numa paz reconstrutora de energia e autocontrole. Estamos, então, em comunicação ao nosso mundo interior, às nossas verdades e aos nossos segredos.
Nessa fase, o silêncio tem que ser absoluto. Ele se torna a própria Alma do recolhimento; é o total e o uno; o material e o abstrato; o substrato da verdadeira personalidade.
Porém, há silêncios que nos incomodam: o da solidão, o da indiferença e o da negação. Para quaisquer deles o remédio se faz difícil, quase impossível.
O da solidão é relativo. Podemos nos encontrar em meio a uma multidão e ainda assim nos sentirmos sozinhos como em uma ilha deserta de vozes e carente do calor humano. Já aconteceu a você alguma vez?
O da indiferença torna-se a coroa de espinhos à nossa fronte exangue; a cruz cujo peso está além de nossa força carregá-la. Torna-se a via amaríssima percorrida por outrem. É a mais clara evidência de que se pôs em movimento um desfalecimento total.
Abre mais e mais chagas à Alma. Inquieta-nos interiormente qual um mundo que se esfacela; uma onda a se esbater nos rochedos da dor. Sacode violentamente o nosso orgulho deixando seqüelas profundas. Suportar é quase impossível. Desnorteia-nos, abatendo-nos sobremaneira. Sentimo-nos vazios até a Morte. Este o da indiferença, se completa ao de Negação, que por sua missão nos coloca como a um zero sem nenhum significado. Ninguém reclama nossa ausência, mas nos sentimos vivos - somos sem ser sendo um ser sem existência, todavia. Sentimos um vazio imensurável. Um ser abismal cresce em nosso interior aonde nem a Luz da piedade alcança. Somos o próprio silêncio que incomoda, que intriga e amedronta: um início que nunca se dará e um fim que jamais há de se configurar. Somos, digamos, o caos antes do Pensamento Criador da Divindade e as Trevas antes do "Fiat-Lux".
Para debelar essas agruras, aquela introspecção deverá servir exclusivamente para que nos encontremos conosco mesmos nos ajudando a construir um novo ser capaz de não se isolar ou de se sentir isolado de outros seres, por mais abjetos possam nos parecer. Deverá ainda nos ensinar a comunicação constante a outras pessoas e a amar ao próximo como a nós mesmos. Aprendamos a não nos negar e a não nos dividir, mas a de nos somar e a de nos transformar num elo entre muitos até completarmos uma corrente humana com capacidade de assimilar todos os problemas: unos na dor, na angústia, no desamparo e no desencanto comum.
Então, maravilha! O milagre acontece para o nosso espanto e para a nossa ressurreição como seres humanos: sentimos um foco de Luz; sentimo-nos esse foco de Luz penetrante a todas as entranhas esconsas da Alma; somos a Luz sublime que mostra a Vida palpitante reverberando no íntimo do nosso mundo interior e a fraternidade, em toda a sua grandeza, como um bálsamo santificado e ungido. Somos Luz e Deuses também.
ARREMEDO DE GUERRA
Sabes o senhor em que eu penso disso tudo? Penso que estou em pesadelo e que não vou conseguir acordar e fugir das coisas ruins desse pesadelo.
Como pode a pátria ser só pra uma meia dúzia? E praqueles que tombaram varados por balas, desmembrados e explodidos por canhões? De que lhes valeu morrerem pela pátria de meia dúzia? Xente! Sabia assim não. Cabia não em meu pensar, e eu me esgoto de ficar imaginando tudo igual pra todos, a mesma justiça, os mesmos trabalhos, as mesmas preocupações e as mesmas esperanças. Vá dizer... Disseram que lá pelas Europa teve uma guerra de cem anos! Vixe! Cem anos, mesmo? Então, os filhos, dos filhos dos filhos dos primeiros oficiais e soldados também tiveram parte naquela guerra? Isto então é que foi guerra!
Com guerra tão delongada que tal, assim não se teria tempo de inventar cargos e posições pra uns poucos, pois que estavam todos na guerra. Não foi? Ah, eu lá mais Antonio Quelé, José, seu mano, Geraldo Quintão e Chico Danado! A gente ia se fazer senhor sim. Podes crer. Nossa, nem que soubesse eu dessa guerra poderia olhar a nossa com outros olhos. Vá se explicar. Vá se debater que muitos vão me crer não senhor. Parece piada de Trancoso, estória assim vaga sem coisa séria. Isso se deu agora há pouco tempo? Ah, não? Faz muitos séculos? Quantos? Teve sobrevivente? O quê? Isto tudo? Nos tempos dos Reis, foi? Daqueles que se vestiam com garbo de aquelas capas com pompons brancos nos altos, botas até os joelhos e com uma coroa na cabeça? Que tempo de boniteza, hein? Aquela gente é que sabia viver e dar valor a uma guerra. Ô vote! Coisas esquisitas se passaram no mundo, hein? Eles lá tinham espingardas, clavinotes, bacamartes e canhões como os Krupps e as metralhadoras como nós tínhamos na República? Já? Então é coisa velha essa de dar tiros pra cá e pra acolá? Mais arco e flecha, e besta. Besta? O quê? Mula tu queres dizer? Não? Jegue, talvez, hein? Ah, bem, arma. Arma com esse nome? Besta...? Que nome para uma arma de guerra. Besta! Besta! Como funcionava essa tal besta?
Eu te escuto, podes falar com detalhes. Aham... Aham... Entendo. Sim, não de outro modo? Entendi. A flecha tinha uma cama; botava ela dentro do sulco e a corda do arco era esticada pra trás e colocada no pé da flecha. Aham... Gatilho? Tinha um? Ele que soltava? A flecha fazia às vezes da bala? Entendo. Ta entendido. Obrigado. Mas não deixaram de ser armas esquisitas, mas, porém mortíferas, pelo que eu entendi. Tu és mesmo homem de conhecimento. Dou graças de não ter caído em mãos outras, que não as tuas. Dá mesmo gosto conversar com quem entende das coisas da história. É com “H” essa história? Ta bom demais, pois a minha também vai ser chamada assim: história, com agá. Bote, bote aí. Se não for certo, lá na prensa da tipografia eles dão uma olhada e corrigem. Eu não vou pagar o trabalho? Tem que ser como eu acho o correto, mesmo errado. É uma pendenga minha com a língua, que não sei por que chama de portuguesa. Devia ser: língua brasileira. E pronto! Bra-si-lei-ra! É isto. O português é arrevesado. Tu mesmo já ouviste esses carvoeiros e donos de boteco e de quitanda falando, pois não são assim? É tudo embrulhado, aos trambolhões, como se tivessem ovos quentes dentro das bocas. Então, essa sim, pode se dizer que é portuguesa. A nossa deveria ser chamada de língua brasileira. Insisto nisso. É limpa, clara, fácil de entender, sem atropelos a não ser nas bocas dos bodejantes, que falam às pressas misturando tudo.
Bom, não to cá pra dar aulas de língua brasileira. Vamos voltar aos assuntos de em antes, que são eles que vão formar meu livro. Tu achas que já chega? Dá pra fazer um bem grosso, com o que tens ai escrito? Não? Vixe! Haja cabeça pra buscar, lá no fundo, o acontecido.
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Como pode a pátria ser só pra uma meia dúzia? E praqueles que tombaram varados por balas, desmembrados e explodidos por canhões? De que lhes valeu morrerem pela pátria de meia dúzia? Xente! Sabia assim não. Cabia não em meu pensar, e eu me esgoto de ficar imaginando tudo igual pra todos, a mesma justiça, os mesmos trabalhos, as mesmas preocupações e as mesmas esperanças. Vá dizer... Disseram que lá pelas Europa teve uma guerra de cem anos! Vixe! Cem anos, mesmo? Então, os filhos, dos filhos dos filhos dos primeiros oficiais e soldados também tiveram parte naquela guerra? Isto então é que foi guerra!
Com guerra tão delongada que tal, assim não se teria tempo de inventar cargos e posições pra uns poucos, pois que estavam todos na guerra. Não foi? Ah, eu lá mais Antonio Quelé, José, seu mano, Geraldo Quintão e Chico Danado! A gente ia se fazer senhor sim. Podes crer. Nossa, nem que soubesse eu dessa guerra poderia olhar a nossa com outros olhos. Vá se explicar. Vá se debater que muitos vão me crer não senhor. Parece piada de Trancoso, estória assim vaga sem coisa séria. Isso se deu agora há pouco tempo? Ah, não? Faz muitos séculos? Quantos? Teve sobrevivente? O quê? Isto tudo? Nos tempos dos Reis, foi? Daqueles que se vestiam com garbo de aquelas capas com pompons brancos nos altos, botas até os joelhos e com uma coroa na cabeça? Que tempo de boniteza, hein? Aquela gente é que sabia viver e dar valor a uma guerra. Ô vote! Coisas esquisitas se passaram no mundo, hein? Eles lá tinham espingardas, clavinotes, bacamartes e canhões como os Krupps e as metralhadoras como nós tínhamos na República? Já? Então é coisa velha essa de dar tiros pra cá e pra acolá? Mais arco e flecha, e besta. Besta? O quê? Mula tu queres dizer? Não? Jegue, talvez, hein? Ah, bem, arma. Arma com esse nome? Besta...? Que nome para uma arma de guerra. Besta! Besta! Como funcionava essa tal besta?
Eu te escuto, podes falar com detalhes. Aham... Aham... Entendo. Sim, não de outro modo? Entendi. A flecha tinha uma cama; botava ela dentro do sulco e a corda do arco era esticada pra trás e colocada no pé da flecha. Aham... Gatilho? Tinha um? Ele que soltava? A flecha fazia às vezes da bala? Entendo. Ta entendido. Obrigado. Mas não deixaram de ser armas esquisitas, mas, porém mortíferas, pelo que eu entendi. Tu és mesmo homem de conhecimento. Dou graças de não ter caído em mãos outras, que não as tuas. Dá mesmo gosto conversar com quem entende das coisas da história. É com “H” essa história? Ta bom demais, pois a minha também vai ser chamada assim: história, com agá. Bote, bote aí. Se não for certo, lá na prensa da tipografia eles dão uma olhada e corrigem. Eu não vou pagar o trabalho? Tem que ser como eu acho o correto, mesmo errado. É uma pendenga minha com a língua, que não sei por que chama de portuguesa. Devia ser: língua brasileira. E pronto! Bra-si-lei-ra! É isto. O português é arrevesado. Tu mesmo já ouviste esses carvoeiros e donos de boteco e de quitanda falando, pois não são assim? É tudo embrulhado, aos trambolhões, como se tivessem ovos quentes dentro das bocas. Então, essa sim, pode se dizer que é portuguesa. A nossa deveria ser chamada de língua brasileira. Insisto nisso. É limpa, clara, fácil de entender, sem atropelos a não ser nas bocas dos bodejantes, que falam às pressas misturando tudo.
Bom, não to cá pra dar aulas de língua brasileira. Vamos voltar aos assuntos de em antes, que são eles que vão formar meu livro. Tu achas que já chega? Dá pra fazer um bem grosso, com o que tens ai escrito? Não? Vixe! Haja cabeça pra buscar, lá no fundo, o acontecido.
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domingo, 4 de julho de 2010
ARREMEDO DE GUERRA
Pois que seja eu em assim até os dias de então. Não me obrigo a mandar em ninguém não. Dou a mim esse direito não! Sou... Como é a expressão usada, hoje, agora, pra igualar os homens uns com os outros? Cidadania falando: quero saber o termo, que ele existe, mas que eu me lembro não. Me deixe ver... Se eu não soube me explicar, vou te dar um exemplo: digamos... Digamos não, que eu sou pobre mesmo, e analfabeto de pai e de mãe e que eu tenha uma pendenga com um cabra de mais fortuna, letrado e doutor. A, pois, vais me entender agora: aí essa pendenga deixa de ser dada razão ao doutor pra dar a mim. Entendeste? É... Depois de julgada e ajuizada num Tribunal de Justiça. Ah, como que é? Democracia? É mesmo? Pois, isto! Democracia. É em assim que bem penso: não mandar em ninguém. Sou mais de pedir.
Peço, por favor, e se puderem que me atendam agora... Mandar e desmandar, fazer e desfazer... Nunquinha! Todos os cidadãos têm pais e mães, né? Cabe a eles mandar em sua gente. Não é assim, pois, que funcionam as coisas? E como é pelo amor de Nosso Senhor? Nós temos deveres com a pátria? Muito bem. Aceitemos isso. Mas e a pátria não tem deveres pra com nós? Somos sós nós que temos de baixar as cabeças e marchar como gado pro abatedouro?
Ah, que isto nada vale pra mim! Nadinha. Senhor não, meu senhor. Vale a igualdade ou não vale a tal democracia?
Pra que isto? Nós somos usados ao bel prazer dos deputados e senadores, essa casta de gente arrepiada e arreliada em só pensar neles e pouco na pátria? A pátria não somos as gentes? Como é que foram inventar tal posto de grandeza pra essa gente tão pouca? E a grande parte do povo? Como é que fica? Ah... Aqui na cidade é assim? Pois me vou sem mais demora de volta pro meu sertão. Vou arribar de aqui e procurar o arraial de Canudos. Sei que lá não tem mais ninguém. Acabou-se o que era doce. Foi tudo e todos arrasados, mas, porém, nenhum só cabra se rendeu. Canudos? Ela não se rendeu, pra raiva da República que teve que acabar com todos até o fim. Valentia teve lá do lado dos outros, daqueles pobres magricelos famintos de comer e de sangue. A, pois se for assim me vou cedo, cedo, sem mais delongas. Aqui, pensei eu, haveria justiça pra todos igualmente em democracia. Mas, não! Decepção a gente leva até o fim de nossa vida? Muita invencionice é o que é. Muita mentira desavergonhada. Poucos políticos se fazendo de muitos, só pra mandar na gente. Uma minoria mandando na maioria. Donde se viu em antes coisa assim desse jeito?
Ta errado e muito. Só quem tem sangue de barata aceita uma condição às avessas dessas, mas nunca Mariano Bé, que tenho experiência e sofrer pra baixar a cabeça e oferecer o pescoço pro cutelo desses carrascos que ganham pra nada fazer. República... Ah, é isto aí a tal República? Mordomia só pra alguns? Mando só pra uns poucos? E a maioria? Deve de ficar aceitando esses malfeitos, só pra agradar essa raia miúda que nada faz?
Afora, à parte do que estou ditando, devo esclarecer que isto vai ficar assim por anos, isto é: se o povo não pegar em armas e não for pras ruas batalhar os seus direitos de igualdade. Democracia... Cadê ela? É só pra alguns, repito?! É? Que valia tem essa democracia a não ser pros senhores fazendeiros de engenho que viraram deputados e senadores? Por que cargas dágua não foram pras frentes de batalha pra exemplificar e assim mostrar que querem mesmo uma República democrática. Os anos vão se passar e essa tal República democrática vai sendo embrulhada, e bem embrulhada, pra caber nas mãos deles, e só. Marques bem este meu arremedo de profecia. Depois, se ainda viveres, vais saber se mais uma vez tive ou não minhas razões pra reclamar. Ô vote! Coisa mais desconjuntada... É de arrepiar um defunto!
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Peço, por favor, e se puderem que me atendam agora... Mandar e desmandar, fazer e desfazer... Nunquinha! Todos os cidadãos têm pais e mães, né? Cabe a eles mandar em sua gente. Não é assim, pois, que funcionam as coisas? E como é pelo amor de Nosso Senhor? Nós temos deveres com a pátria? Muito bem. Aceitemos isso. Mas e a pátria não tem deveres pra com nós? Somos sós nós que temos de baixar as cabeças e marchar como gado pro abatedouro?
Ah, que isto nada vale pra mim! Nadinha. Senhor não, meu senhor. Vale a igualdade ou não vale a tal democracia?
Pra que isto? Nós somos usados ao bel prazer dos deputados e senadores, essa casta de gente arrepiada e arreliada em só pensar neles e pouco na pátria? A pátria não somos as gentes? Como é que foram inventar tal posto de grandeza pra essa gente tão pouca? E a grande parte do povo? Como é que fica? Ah... Aqui na cidade é assim? Pois me vou sem mais demora de volta pro meu sertão. Vou arribar de aqui e procurar o arraial de Canudos. Sei que lá não tem mais ninguém. Acabou-se o que era doce. Foi tudo e todos arrasados, mas, porém, nenhum só cabra se rendeu. Canudos? Ela não se rendeu, pra raiva da República que teve que acabar com todos até o fim. Valentia teve lá do lado dos outros, daqueles pobres magricelos famintos de comer e de sangue. A, pois se for assim me vou cedo, cedo, sem mais delongas. Aqui, pensei eu, haveria justiça pra todos igualmente em democracia. Mas, não! Decepção a gente leva até o fim de nossa vida? Muita invencionice é o que é. Muita mentira desavergonhada. Poucos políticos se fazendo de muitos, só pra mandar na gente. Uma minoria mandando na maioria. Donde se viu em antes coisa assim desse jeito?
Ta errado e muito. Só quem tem sangue de barata aceita uma condição às avessas dessas, mas nunca Mariano Bé, que tenho experiência e sofrer pra baixar a cabeça e oferecer o pescoço pro cutelo desses carrascos que ganham pra nada fazer. República... Ah, é isto aí a tal República? Mordomia só pra alguns? Mando só pra uns poucos? E a maioria? Deve de ficar aceitando esses malfeitos, só pra agradar essa raia miúda que nada faz?
Afora, à parte do que estou ditando, devo esclarecer que isto vai ficar assim por anos, isto é: se o povo não pegar em armas e não for pras ruas batalhar os seus direitos de igualdade. Democracia... Cadê ela? É só pra alguns, repito?! É? Que valia tem essa democracia a não ser pros senhores fazendeiros de engenho que viraram deputados e senadores? Por que cargas dágua não foram pras frentes de batalha pra exemplificar e assim mostrar que querem mesmo uma República democrática. Os anos vão se passar e essa tal República democrática vai sendo embrulhada, e bem embrulhada, pra caber nas mãos deles, e só. Marques bem este meu arremedo de profecia. Depois, se ainda viveres, vais saber se mais uma vez tive ou não minhas razões pra reclamar. Ô vote! Coisa mais desconjuntada... É de arrepiar um defunto!
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Nem um só cabra da peste tem o direito de desfazer da vida de outro cidadão desse modo. Foi no calor da guerra, do tiroteio infernal, das mortes que eu presenciei e que me deu vontade de muito falar, de bastante gritar e de me voltar contra os meus comandantes, principalmente contra o coronel Tamarino, que demonstrou covardia após a morte do general, chefe comandante, que se finou na sua tenda sem poder se erguer, querendo ainda guerrear com nós. Quê? Que tu estás a me dizer? Que não era Tamarino? E tu estivesses lá? Era o que então, se não era esse o nome do coronel? Eu já falei desse cabra militar... Como é então, pois? Ah, Tamarindo. Era sim. Era mesmo coronel ou general? Eu mesmo não sei por que a gente só via esses grandes bem de longe, comandando e montados nuns cavalos lindos e garbosos nas atitudes, muito mais que os seus montados. Era, pois, coronel né? Ta bom. Tu sabes por que leu nos jornais. Eu não leio e nem escrevo, mas sei falar e é por causo disso que estou aqui a te relatar os acontecidos pro modo ficar registrado num compêndio desses grossos de capas belas e que passe nas mãos de muitos. É pretender demasiado? É não, é? Então... Sou assim.
Pois eu dizia: a me ver diante de tantos corpos estraçalhados tive vontade, gana mesmo de ódio de cozer o tal coronel Tamarindo com a ponta de minha baioneta até as tripas dele saírem pra fora se esparramando no pó dos chãos já cheios de sangue de inocentes de cá e de lá. Se a tal República tem outros coronéis como aquele, até os dias de agora, então melhor é que se acabe de vez e abram caminho pra monarquia de novo, que os monarcas morriam pela pátria.
Mas muitos daqueles oficiais de galões e platinas brilhosas foram valentes até o fim. Um morreu agarrado ao seu canhão retalhado por foiçadas, lá no morro do Mário. E muito outros deram os seus exemplos de valentia de sertanejos passando pra gente a coragem deles. Numa vezada só morreram três daqueles oficiais graduados, assim, quase que juntos. Hoje me sinto vingado na minha vontade de costurar, sem poder, o tal coronel Tamarindo. Os caboclos do arraial acabaram com ele pendurando o que lhe sobrou do corpo nas varas da cerca do lugar, pro modo servir de exemplo aos outros valentes. Tava lá ele, sem cabeça, que tava no chão, arrumadinha ao lado de outras, tudo enfileirado: soldados rasos, sargentos, tenentes, capitães e coronéis, como esse tal Tamarindo, que desonrou pela covardia e indiferença a farda e os galões da patente. Foi uma visão macabra tão má, que os vivos evitavam passar ou olhar na direção das estacas. Coisa feia é ver um corpo sem cabeça e vice-versa, seu. Vixe! Que aquilo ficou foi tempo em nosso quengo, virando pesadelo, e deixando muitos valentes acordados noites inteiras se revirando nas enxergas, que eram as nossas camas beliches. Não sei até hoje pra que foi que levaram beliches e barracas se a gente ficava a maior parte do nosso tempo ao relento das trincheiras, dos escondidos, dos matos e dos pés de paus arrasados pelos tiroteios nossos e dos jagunços. Pouco me aproveitou a minha ao ponto de um major levar pra sua barraca a tal cama de campanha que usava nos descansos. Nem liguei, pois gostava do tal major que era humano demais a todos. Pois esse foi um dos que morreram na explosão de um dos nossos grandes e desajeitados canhões, pois as pólvoras em barris estavam em derredor deles, dos artilheiros, quando uma chuva de balas inimigas alcançou os barris. Pros altos subiu uma quentura de fogo embrulhado em nuvens como cogumelos, uma por cima de outras, numa multiplicação apavorante. Sobrou nada não das carcaças dos nossos homens. Eram pedaços de fardas, botinas com pés dentro, tripas, olhos, braços e pernas, esparramados entre as ferragens do canhão, que só ficou a base e uma das rodas de ferro. Imagine quanta pólvora se perdeu! Mas ninguém parecia preocupado com os que foram estraçalhados. Juntou-se tudo e se enterrou assim mesmo, que nem fosse um só. Cruzes. Me deu vontade foi muita de correr e nunca parar.
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Pois eu dizia: a me ver diante de tantos corpos estraçalhados tive vontade, gana mesmo de ódio de cozer o tal coronel Tamarindo com a ponta de minha baioneta até as tripas dele saírem pra fora se esparramando no pó dos chãos já cheios de sangue de inocentes de cá e de lá. Se a tal República tem outros coronéis como aquele, até os dias de agora, então melhor é que se acabe de vez e abram caminho pra monarquia de novo, que os monarcas morriam pela pátria.
Mas muitos daqueles oficiais de galões e platinas brilhosas foram valentes até o fim. Um morreu agarrado ao seu canhão retalhado por foiçadas, lá no morro do Mário. E muito outros deram os seus exemplos de valentia de sertanejos passando pra gente a coragem deles. Numa vezada só morreram três daqueles oficiais graduados, assim, quase que juntos. Hoje me sinto vingado na minha vontade de costurar, sem poder, o tal coronel Tamarindo. Os caboclos do arraial acabaram com ele pendurando o que lhe sobrou do corpo nas varas da cerca do lugar, pro modo servir de exemplo aos outros valentes. Tava lá ele, sem cabeça, que tava no chão, arrumadinha ao lado de outras, tudo enfileirado: soldados rasos, sargentos, tenentes, capitães e coronéis, como esse tal Tamarindo, que desonrou pela covardia e indiferença a farda e os galões da patente. Foi uma visão macabra tão má, que os vivos evitavam passar ou olhar na direção das estacas. Coisa feia é ver um corpo sem cabeça e vice-versa, seu. Vixe! Que aquilo ficou foi tempo em nosso quengo, virando pesadelo, e deixando muitos valentes acordados noites inteiras se revirando nas enxergas, que eram as nossas camas beliches. Não sei até hoje pra que foi que levaram beliches e barracas se a gente ficava a maior parte do nosso tempo ao relento das trincheiras, dos escondidos, dos matos e dos pés de paus arrasados pelos tiroteios nossos e dos jagunços. Pouco me aproveitou a minha ao ponto de um major levar pra sua barraca a tal cama de campanha que usava nos descansos. Nem liguei, pois gostava do tal major que era humano demais a todos. Pois esse foi um dos que morreram na explosão de um dos nossos grandes e desajeitados canhões, pois as pólvoras em barris estavam em derredor deles, dos artilheiros, quando uma chuva de balas inimigas alcançou os barris. Pros altos subiu uma quentura de fogo embrulhado em nuvens como cogumelos, uma por cima de outras, numa multiplicação apavorante. Sobrou nada não das carcaças dos nossos homens. Eram pedaços de fardas, botinas com pés dentro, tripas, olhos, braços e pernas, esparramados entre as ferragens do canhão, que só ficou a base e uma das rodas de ferro. Imagine quanta pólvora se perdeu! Mas ninguém parecia preocupado com os que foram estraçalhados. Juntou-se tudo e se enterrou assim mesmo, que nem fosse um só. Cruzes. Me deu vontade foi muita de correr e nunca parar.
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Já to aqui há muito fazendo uma pergunta e tu não me respondes, dando uma de indiferente e só preocupado em apagar o que eu já disse ó meu senhor? Atice pra longe essa borracha e me responde:
Tiveram razões de mandar um magote de jovens filhos de famílias pobres que precisavam de seus braços nos roçados, modo plantar tratar e colher o comer de um ano todo? Pois foram aos campos de luta só pra terem seus sangues vitais escorrendo pelos chãos duros e secos até se finarem sem uma extrema unção, sem uma palavra de um padre? O único padre que havia lá já nada mais podia fazer nem por ele mesmo. Xente! Quanta covardia! Dizem que os jagunços odiavam a tal República. Era sem razões não. Até eu odiei de ódio de morte essa tal República.
Pensando bem: fui eu mesmo que procurei estar ali no fogo cruzado, já e só, pra fugir ao padre que encontrei acolá, já te contei, mas mansinho de não me querer acabar com minha vida.
Não carecia nem um pouco os meus companheiros ficarem de olhos nele. Tava resolvida, tudinho. Mas... E a tua resposta vem ou não? Tenho ou não razões de filosofar assim desse jeito? Me dê ai a tua resposta pra eu ficar sabedor de que minha zanga com o tal regime do marechal Deodoro tinha base de ser, e não um causo tinhoso, à toazinha, só por manha de minha parte.
Se tu tivesses estado lá em Cocorobó, Uauá, Cambaio ou Angico, onde morei uns tempos, tu não tava pensando assim dentro de tua cabeça, num silêncio silencioso demais. Se demorar em responder é porque não avaliou ainda os fatos que deram início àquela desgraceira toda.
Os marechais e generais cismaram que a monarquia já não prestava mais pra nada – assim como o carvão, que sobeja de uma fogueira, sem mais valia – e se resolveram dar um basta derrubando o monarca nosso, implantando o novo regime que já começou mal e muito mal com as primeiras batidas em retirada, afora o que se comenta, à boca pequena, sobre as patifarias dos homens que hoje comandam a nação. E eu, Mariano Bello, conhecido por Mariano Bé, quero não saber disso, não. Quero é o meu pedaço de terra longe de doutores Damascenos, Zévedo e Mirante, mas pertinhozinho de uma Alísia, que dessa fêmea vale à pena até se morrer pela dita cuja. O ex-padre não teve nem a honra de morrer pela mão da moça. Em antes morreu pela República, já viúva de tantos cidadãos moços que tombaram bestamente e atoamente lá nos campos de batalhas cruentas, a, pois sim. Falei ta falado e falaria outras vezes. Quem me proíbe?
Bote aí que to querendo ser brabo não com o amigo escrevente meu de meu livro futuro.
Quero só que me dês razão ou não. Se pelo já contado por eu tu enxergas alguma brutalidade em nossas ações? Ao menos, em quando eu participei diretamente das lutas, que foram refregas duras demais pra qualquer valente; eu e os meus quatro amigos, afora outros centenários de irmãos de farda e de valentia em favor da tal odiada república.
Arre! Que tu demoraste demais da conta, meu amigo, em avaliar a nosso favor. Tu não estás a querer ser bonzinho comigo, né? Há sinceridade na sua afirmação, pois sim? Ainda bem... Não quero lançar uma estória como essa minha por aí sem saber se o que eu lhe passo teve razão de ser a nosso favor. Quero ser fiel aos acontecidos e mais fiel à causa de nossas intervenções contra um magote de crianças arregimentadas pelo tal Profeta pra batalhar como se adultos fossem. Imagine, tu, eles pequeninos e desejando brincar de carrinhos, de bicicletas de madeira, que faziam, de bodoque atrás de passarinhos pro comer, de tomar banho no açude portando armas de todas as espécies pra virarem assassinos. Imagine! Fomos por demais ruins?
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Tiveram razões de mandar um magote de jovens filhos de famílias pobres que precisavam de seus braços nos roçados, modo plantar tratar e colher o comer de um ano todo? Pois foram aos campos de luta só pra terem seus sangues vitais escorrendo pelos chãos duros e secos até se finarem sem uma extrema unção, sem uma palavra de um padre? O único padre que havia lá já nada mais podia fazer nem por ele mesmo. Xente! Quanta covardia! Dizem que os jagunços odiavam a tal República. Era sem razões não. Até eu odiei de ódio de morte essa tal República.
Pensando bem: fui eu mesmo que procurei estar ali no fogo cruzado, já e só, pra fugir ao padre que encontrei acolá, já te contei, mas mansinho de não me querer acabar com minha vida.
Não carecia nem um pouco os meus companheiros ficarem de olhos nele. Tava resolvida, tudinho. Mas... E a tua resposta vem ou não? Tenho ou não razões de filosofar assim desse jeito? Me dê ai a tua resposta pra eu ficar sabedor de que minha zanga com o tal regime do marechal Deodoro tinha base de ser, e não um causo tinhoso, à toazinha, só por manha de minha parte.
Se tu tivesses estado lá em Cocorobó, Uauá, Cambaio ou Angico, onde morei uns tempos, tu não tava pensando assim dentro de tua cabeça, num silêncio silencioso demais. Se demorar em responder é porque não avaliou ainda os fatos que deram início àquela desgraceira toda.
Os marechais e generais cismaram que a monarquia já não prestava mais pra nada – assim como o carvão, que sobeja de uma fogueira, sem mais valia – e se resolveram dar um basta derrubando o monarca nosso, implantando o novo regime que já começou mal e muito mal com as primeiras batidas em retirada, afora o que se comenta, à boca pequena, sobre as patifarias dos homens que hoje comandam a nação. E eu, Mariano Bello, conhecido por Mariano Bé, quero não saber disso, não. Quero é o meu pedaço de terra longe de doutores Damascenos, Zévedo e Mirante, mas pertinhozinho de uma Alísia, que dessa fêmea vale à pena até se morrer pela dita cuja. O ex-padre não teve nem a honra de morrer pela mão da moça. Em antes morreu pela República, já viúva de tantos cidadãos moços que tombaram bestamente e atoamente lá nos campos de batalhas cruentas, a, pois sim. Falei ta falado e falaria outras vezes. Quem me proíbe?
Bote aí que to querendo ser brabo não com o amigo escrevente meu de meu livro futuro.
Quero só que me dês razão ou não. Se pelo já contado por eu tu enxergas alguma brutalidade em nossas ações? Ao menos, em quando eu participei diretamente das lutas, que foram refregas duras demais pra qualquer valente; eu e os meus quatro amigos, afora outros centenários de irmãos de farda e de valentia em favor da tal odiada república.
Arre! Que tu demoraste demais da conta, meu amigo, em avaliar a nosso favor. Tu não estás a querer ser bonzinho comigo, né? Há sinceridade na sua afirmação, pois sim? Ainda bem... Não quero lançar uma estória como essa minha por aí sem saber se o que eu lhe passo teve razão de ser a nosso favor. Quero ser fiel aos acontecidos e mais fiel à causa de nossas intervenções contra um magote de crianças arregimentadas pelo tal Profeta pra batalhar como se adultos fossem. Imagine, tu, eles pequeninos e desejando brincar de carrinhos, de bicicletas de madeira, que faziam, de bodoque atrás de passarinhos pro comer, de tomar banho no açude portando armas de todas as espécies pra virarem assassinos. Imagine! Fomos por demais ruins?
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ARREMEDO DE GUERRA
quinta-feira, 1 de julho de 2010
ARREMEDO DE GUERRA
Repito a pergunta, já que tu ficaste calado: tinham eles esse direito de manobrar com nós como se fossem filhos deles? Os filhos homens deles estavam ali também? Ou estavam na Corte, que foi e que já não é mais por causo da derrubada do Monarca? Alguém deu mancebia a eles pra jogar com nós pr´onde quisessem, deu? Assim: como conduzir mil cabeças de homens como se fossem mil cabeças de gado? “Vão para ali; vão pra acolá; façam isto; façam aquilo mais; esmaguem sem dó; desmembrem com rajadas de tiros; devolvam as foiçadas – como se nós andasse armado de uma foice – trucidem o inimigo”.
Mas, porém, quem são os nossos inimigos? E quem declarou em sã consciência que aqueles sertanejos pacatos eram, em antes de serem conduzidos pelo aloprado do messias de araque, nossos inimigos? A, pois foi com isso nas cabeças de todos que o ex-padre perdeu sua vida rachado quase ao meio por uma foiçada desferida com vigor. E ele poderia bem melhor ter sido assado com tudo o que era seu do corpo – corpo inteiro que era morada de Nosso Senhor, como eu já tive oportunidade de confessar –, sem necessidade de deixar parte sua lá dentro do baú virando churrasco. Mas não: andou pelos sertões, pelos calores de terras esturricadas com sede e com fome em atrás deste que te fala agora, e pra quê? Pra nada! Pra fazer quase que as pazes a Mariano Bé, que sou eu, declarando nas minhas fuças que teria prazer em me ver ao chão varado por balas e que por isso não me meteria uma no lombo, por trás, às traições, só pelo prazer de me ver agonizar e morrer com a boca seca e o bucho vazio? Tem cabimento tal?
Valeu de alguma coisa pra ele esse desejo insano? Pois claro que não, já que ele se foi primeiro morto de morte matada e cruel; teria o pobre ex-padre se lembrado, em sua hora de agonia, da moça que ele fez mulher, aquela filha do doutor Damasceno que foi um gentil homem pra eu? Se com ele não foi é por que teve suas razões mais que justas. Mas, porém, essa República que criaram ai, pra tapar o buraco da monarquia, só fez mal a todos nós. Que razões tiveram em gastos tão exagerados e de impor sofrimentos tão grandes aos homens que nada tinham com aquele problema, que deveria ser só deles? Mas não: arregimentaram moços a troco de morrer por nada. Eu estive lá, confesso, por carência de fugir do tal padre que sem descanso andava no meu encalço, sem dó e sem canseira. Diabos levem todos esses desejos de uns vingarem-se de outros, que não foram mais que paus mandados como eu, por exemplo.
Felizmente pra eu, to aqui agora ditando toda essa embrulhada que foi a minha vida sem parança de sossego e só de lutas e de perrengues, de fome e de sede e de cansaço. E se estive lá em Canudos foi por vontade própria, que as minhas pernas me levaram pra lá com alguma razão, que já todos sabem. E só fiz assim pra não virar bandido assassino ainda mais de um padre da Santa Igreja de Nossa Senhora. Seria fácil tocaiar quem anda pelas trilhas com um único pensamento no quengo: achar seu desafeto modo acabar com ele pra sempre. O sujeito fica deslumbrado com a possibilidade de topar com o seu inimigo fugido e sem tirar da cachola esse pensamento se torna relaxado, não cuida dos caminhos que passa, e passa passando, sem ver, sem verificar se não há tocaia pra si. Foi por causa disso que muitos morreram bestamente em Canudos, no Morro do Mario, em Uauá – não me posso esquecer – e pelas encostas de rochas atrás de cacimbas pra matar as sedes. Não atinaram pelas voltas, a adivinhar se havia tramóia da jagunçada armada em tocaia. E haja morte à toa, bestamente, como já disse em antes. Veja lá se se finou algum coronel, major ou capitão nessas investidas atrás de comer e de beber? Nadinha. Bote aí, pra que muitos saibam dessa verdade. Eles ficavam esperando pela rapinagem de nós, soldados, como filhotes de passarinhos esperam as mães com comida nos bicos.
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Mas, porém, quem são os nossos inimigos? E quem declarou em sã consciência que aqueles sertanejos pacatos eram, em antes de serem conduzidos pelo aloprado do messias de araque, nossos inimigos? A, pois foi com isso nas cabeças de todos que o ex-padre perdeu sua vida rachado quase ao meio por uma foiçada desferida com vigor. E ele poderia bem melhor ter sido assado com tudo o que era seu do corpo – corpo inteiro que era morada de Nosso Senhor, como eu já tive oportunidade de confessar –, sem necessidade de deixar parte sua lá dentro do baú virando churrasco. Mas não: andou pelos sertões, pelos calores de terras esturricadas com sede e com fome em atrás deste que te fala agora, e pra quê? Pra nada! Pra fazer quase que as pazes a Mariano Bé, que sou eu, declarando nas minhas fuças que teria prazer em me ver ao chão varado por balas e que por isso não me meteria uma no lombo, por trás, às traições, só pelo prazer de me ver agonizar e morrer com a boca seca e o bucho vazio? Tem cabimento tal?
Valeu de alguma coisa pra ele esse desejo insano? Pois claro que não, já que ele se foi primeiro morto de morte matada e cruel; teria o pobre ex-padre se lembrado, em sua hora de agonia, da moça que ele fez mulher, aquela filha do doutor Damasceno que foi um gentil homem pra eu? Se com ele não foi é por que teve suas razões mais que justas. Mas, porém, essa República que criaram ai, pra tapar o buraco da monarquia, só fez mal a todos nós. Que razões tiveram em gastos tão exagerados e de impor sofrimentos tão grandes aos homens que nada tinham com aquele problema, que deveria ser só deles? Mas não: arregimentaram moços a troco de morrer por nada. Eu estive lá, confesso, por carência de fugir do tal padre que sem descanso andava no meu encalço, sem dó e sem canseira. Diabos levem todos esses desejos de uns vingarem-se de outros, que não foram mais que paus mandados como eu, por exemplo.
Felizmente pra eu, to aqui agora ditando toda essa embrulhada que foi a minha vida sem parança de sossego e só de lutas e de perrengues, de fome e de sede e de cansaço. E se estive lá em Canudos foi por vontade própria, que as minhas pernas me levaram pra lá com alguma razão, que já todos sabem. E só fiz assim pra não virar bandido assassino ainda mais de um padre da Santa Igreja de Nossa Senhora. Seria fácil tocaiar quem anda pelas trilhas com um único pensamento no quengo: achar seu desafeto modo acabar com ele pra sempre. O sujeito fica deslumbrado com a possibilidade de topar com o seu inimigo fugido e sem tirar da cachola esse pensamento se torna relaxado, não cuida dos caminhos que passa, e passa passando, sem ver, sem verificar se não há tocaia pra si. Foi por causa disso que muitos morreram bestamente em Canudos, no Morro do Mario, em Uauá – não me posso esquecer – e pelas encostas de rochas atrás de cacimbas pra matar as sedes. Não atinaram pelas voltas, a adivinhar se havia tramóia da jagunçada armada em tocaia. E haja morte à toa, bestamente, como já disse em antes. Veja lá se se finou algum coronel, major ou capitão nessas investidas atrás de comer e de beber? Nadinha. Bote aí, pra que muitos saibam dessa verdade. Eles ficavam esperando pela rapinagem de nós, soldados, como filhotes de passarinhos esperam as mães com comida nos bicos.
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ARREMEDO DE GUERRA
Eu abro minha boca pra contar esses causos de guerra acontecidos lá pelas bandas de Canudos, ainda não lá dentro mesmo do arraial, e tu vejas uma coisa que eu não concordei jamais com que era ou fosse feito pra nossa gente que lutava na frente, enfrentando tudo de perverso, tudo de sanguinário, tudo de mazela adoidada de um quartel de caveiras debaixo de trapos sujos suarentos, sim, de verdade, aquela tropa vinha dos confins dos infernos. O tal bacamarte, muito que usado por eles, recebia tudo o que pudesse furar e cortar, fazer estragos demais da conta em nós: eram cacos de vidro, seixos do rio Vaza-Barrís, pregos, chumbo, cacos de telhas, bolas de vidro, dessas que os moleques brincam todas as tardes de “feridô sou rei”, coisinha à toazinha de brincadeiras inocentes né, e era assim. E os nossos comandantes generais tinham dó da gente não. As ordens eram de avançar sempre sem arrecuo, sem pestanejar sequer e devolver na mesma hora o magote de tiros que vinha de lá.
Agora, tu me digas: vou te perguntar se é possível coisa assim: uma mãe carrega na barriga um seu filho por nove lunações, tendo todos os cuidados deste mundo de Deus e de Nosso Senhor Jesus Cristo, sofre pra criar um, dar de comer de beber de vestir e de calçar, e se pode manda pra escola aprender as primeiras letras, às vezes até em se formando bacharel ou coisa que o valha... Ora bem, pois cresce esse filho seu, chega ao tempo das barbas das mãos fortes e braços rijos queimados pelas luzes soalheiras, veste calças compridas, se engraça de uma moça jeitosa, namora, ama, casa, quando dá, e começa todo o caminho desde que tava no ventre quente de sua mãe. A, pois vira homem, o que quero eu dizer: tem cabeça e pensamentos próprios, sabe ou deveria saber o que quer da vida. Tem o seu corpo pro trabalho e pro amor e chega um regime republicano arranjando perengue com uns cabras doidos dos cafundós de Judas, arrebanham um monte de moços que podiam estar no roçado mais as suas enxadas, revirando a terra e plantando pro comer de todo um ano; um corpo que é sagrado e divino, que é o nosso, porque Nosso Senhor mora nele com todos os seus anjos e arcanjos, dão ordens, como se nossos pais fossem, nos vestem de um fardamento pesado e quente, nos dão armas cantis mochilas e botinas apertadas, menos o de comer, e nos mandam pros campos de luta para se engalfinhar com um bando de loucos que não estão nem aí pra morte, morrendo sorridentes... Têm eles esse direito sobre nós? Pois haja a verdade das Leis que têm, sem que possamos nós as vítimas, tocadas que nem gado pro corredor do agulhão, o direito de nos fazer baixar as cabeças deixando à mostra os pescoços pro ferro entrar abaixo da cabeça e nos sangrar. É assim que são vistos os soldados dessa república que já me enchia a paciência quando em por lá estive de milico. E que se tomassem ares de guerreiros valentes e destemidos... Se não... Enfrentassem o Tribunal Militar que pré-julgava, julgava e condenava o desinfeliz à morte inglória.
Quer dizer: lutasse na frente como “boi de piranha” e morresse na luta, ou fingisse lutar arrenegando às ordens, morria, de qualquer dos jeitos. Era como se bater uma no prego e outra na ferradura. Não tinha jeito de se escapar. Então o sujeito virava, sem querer, ousado e partindo de peito aberto pra receber a chucha de uma baioneta nossa em mãos inimigas ou de um balaço nosso antes usado pra abater os jagunços infiéis. Pelo medo ou pela valentia, se finaram naqueles campos esquisitos muitos de nossos moços cheios de futuro se estivessem na Corte, quero dizer: onde tava a República – nas cidades, pois pro interior só havia injustiças e esquecimentos das autoridades pelos homens do campo, dos retirantes das caatingas, dos mortos de fome pela seca braba nos eitos destrambelhados com a falta de serviços.
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Agora, tu me digas: vou te perguntar se é possível coisa assim: uma mãe carrega na barriga um seu filho por nove lunações, tendo todos os cuidados deste mundo de Deus e de Nosso Senhor Jesus Cristo, sofre pra criar um, dar de comer de beber de vestir e de calçar, e se pode manda pra escola aprender as primeiras letras, às vezes até em se formando bacharel ou coisa que o valha... Ora bem, pois cresce esse filho seu, chega ao tempo das barbas das mãos fortes e braços rijos queimados pelas luzes soalheiras, veste calças compridas, se engraça de uma moça jeitosa, namora, ama, casa, quando dá, e começa todo o caminho desde que tava no ventre quente de sua mãe. A, pois vira homem, o que quero eu dizer: tem cabeça e pensamentos próprios, sabe ou deveria saber o que quer da vida. Tem o seu corpo pro trabalho e pro amor e chega um regime republicano arranjando perengue com uns cabras doidos dos cafundós de Judas, arrebanham um monte de moços que podiam estar no roçado mais as suas enxadas, revirando a terra e plantando pro comer de todo um ano; um corpo que é sagrado e divino, que é o nosso, porque Nosso Senhor mora nele com todos os seus anjos e arcanjos, dão ordens, como se nossos pais fossem, nos vestem de um fardamento pesado e quente, nos dão armas cantis mochilas e botinas apertadas, menos o de comer, e nos mandam pros campos de luta para se engalfinhar com um bando de loucos que não estão nem aí pra morte, morrendo sorridentes... Têm eles esse direito sobre nós? Pois haja a verdade das Leis que têm, sem que possamos nós as vítimas, tocadas que nem gado pro corredor do agulhão, o direito de nos fazer baixar as cabeças deixando à mostra os pescoços pro ferro entrar abaixo da cabeça e nos sangrar. É assim que são vistos os soldados dessa república que já me enchia a paciência quando em por lá estive de milico. E que se tomassem ares de guerreiros valentes e destemidos... Se não... Enfrentassem o Tribunal Militar que pré-julgava, julgava e condenava o desinfeliz à morte inglória.
Quer dizer: lutasse na frente como “boi de piranha” e morresse na luta, ou fingisse lutar arrenegando às ordens, morria, de qualquer dos jeitos. Era como se bater uma no prego e outra na ferradura. Não tinha jeito de se escapar. Então o sujeito virava, sem querer, ousado e partindo de peito aberto pra receber a chucha de uma baioneta nossa em mãos inimigas ou de um balaço nosso antes usado pra abater os jagunços infiéis. Pelo medo ou pela valentia, se finaram naqueles campos esquisitos muitos de nossos moços cheios de futuro se estivessem na Corte, quero dizer: onde tava a República – nas cidades, pois pro interior só havia injustiças e esquecimentos das autoridades pelos homens do campo, dos retirantes das caatingas, dos mortos de fome pela seca braba nos eitos destrambelhados com a falta de serviços.
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