DESPESAS COM REFORMAS ESTÁDIOS PARA COPA 2014

Chegou ao meu conhecimento, e muitos devem saber igualmente, que para sediar a Copa de Futebol de 2014 o país gastou verdadeira fortuna em publicidade apelativa. Agora, um PPS recebido de amigos esclarece o montante que se irá gastar para a reconstrução - reformas em estádios já existentes - e construções de novas arenas para a prática futebolística.

O dinheiro não virá dos clubes, pois que a maioria deles anda na "corda bamba", financeiramente falando; muitos agremiações esportivas se acham mesmo no "vermelho": salários atrasados, encargos sociais nas mesmas condições e outros problemas inerentes ao mundo de negócios do futebol. Pois pasmem: o montante dessa despesas com estádios para a Copa de 2014 atingirá, de saída, R$ 5.713 bi. É uma "bagatela", para um país que nada em dinheiro, que distribui entre os países irmãos vultosas somas, que perdoa dívidas elevadíssimas aos países africanos e ainda financia não sei que obras ou situações na Grécia. Melhor é lacrar os cofres da Previdência, a fim de se evitar futuros transtornos àquela instituição e aos seus beneficiários.


segunda-feira, 31 de maio de 2010

ARREMEDO DE GUERRA

Não conheço o padre não, porém, contudo não tiro dele a razão de ter dado àquela menina à condição superior de mulher, mas que fique ela só nisso mesmo e que não se deslanche por outros caminhos esquisitos não. Uma beleza dessas não pode se perder por aí à toa nas mãos de qualquer um. Tem que ser guardada a sete chaves. A, pois, com esses pensamentos entrei na cabana que o fogo ia lamber. O chão era mesmo de terra e no meio dela lá estava o baú. Tentei abrir. Não cedeu a tampa que tava fechada de chave. Pensei que pudesse achar ali dentro alguma coberta com que me cobrisse do frio. Pios de coruja cara de sapo gemiam dentro da noite. Cansado adormeci. No amanhecer, a luz entrou pelas frestas e me mostrou coisa que eu ainda não tinha percebido no baú. Fizeram uma pequena abertura na tampa e na parte de logo abaixo da tampa malão casando as duas quando fechada fosse à tampa em corcova. Parecia mais uma abertura de cofrezinho de criança por onde se joga as moedas. Seria aquele baúzão um cofre grande? Sacudi ele pra ver se alguma moeda tilintava. O excomungado tinha um peso danado, mas também por outro seu lado nada tinha não. Era só mesmo o peso do dito cujo.
Estava eu entretido com essa tarefa quando me assomou a moça-mulher bem na porta entreaberta da cabana. Com aqueles ares de desconsolada. Veio me chamar ao desjejum. O seu pai estava em pé no alpendre nos observando. Fomos indo caminhando sem pressa, de bate papinho inconseqüentes, mas notando que ela me queria dizer qualquer coisa que estivesse proibida. Não forcei, ao contrário; me calei que seria o melhor a fazer porque eu não tinha intimidades ali a ninguém. Os problemas dela e deles eles que se resolvessem por entre eles. Ficar sossegado em meu canto, só na espera do trabalho seria minha obrigação. E se não demorou não. Ao dia seguinte, bem cedo, o padre professor e confessor tava lá juntinho da porta da casa. Meio que sem jeito com ares assustados de caça mal caçada livrada sem querer e sem carência alguma de ajuda de qualquer santo. Ai então é que se deu a minha certeza de que alguma coisa no ar cheirava de morte. Mas, estavam todos calmos e de viagem marcada praquele dia. O doutor Damasceno mandou o padre se arranchar. Entrou como se tivesse em sua igreja ou em sua casa. Foi-lhe servido café com abóbora regada de molho de tomate e cebola. Coisa muito da fina. Se fartou ele de comer. Se! Achei da parte dele uma sem-vergonhice muito maior: a de aceitar um prato de comer da casa que ele desrespeitou na pessoa da menina Alísia. Eu no terreiro comia macaxeira e biju que a moça-mulher veio me trazer oferecendo ainda aqueles dois olhos de azeviche negros como à noite passada. Me sorria com aqueles seus dentes de açúcar moldurados por dois lábios carnudos... Ah, que me tremeu todos os nervos e todos os músculos, mas eu, embora arretado por ela baixei minhas vistas me negando olhar bem dentro dos olhos dela pra não dar azo aos seus de julgar mal Aham...Sim, longe de mim tal.
Então o padre descarado entregou o prato vazio ao Zévedo que o olhava de banda. O doutor pai da moça-mulher, filha sua, botou uma das mãos grandes num dos ombros do padre e foi arrastando ele com uma conversinha desorada sim, sem carência de haver, pra mostrar a tal cabana. Bem tratado e bem recebido lá ele se foi com o pai da menina. Atrás, os dois outros filhos seguiram na sua batida em conversas amigáveis um com o outro. Parecia tudo normal e na mais perfeita paz do mundo. Depois entraram os quatro pra dentro da cabana. Alísia, pertinho de mim me piscou um dos olhos dizendo:
–Fuja mais eu, meu cabrito. Me leva pra longe, agora. Os cavalos estão prontos viu?
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domingo, 30 de maio de 2010

ARREMEDO DE GUERRA

Sim, sim, por que não? Mulher-dama sim senhor, e que mulher-dama! Ah, se! Então era ou seria se o pai fechasse os olhos espertos fingindo não crer que aquilo poderia dar em coisa pior. E era o que ela mais queria fazer: se dar inteirinha. A bicha pegou no vício, com certeza. E os manos dela? Nem perceberam. Seria? Pareciam ambos tão vivos, tão espertos... O Diabo deve ter tapados os olhos de todos eles. O padre não faria mandinga pra ela ceder pra ele, ah que não! A mandinga tava era nela, naquela desgramenta. Tentação dos Diabos!
Eu só, iria fazer o quê? Aonde eu iria jogar meu corpo cansado? A casa tava toda fechada. Eu iria pra cabana. Sim, era pra lá que eu ia. Gente estranha... Achei de todos eles. Nem um só me disse onde eu deveria dormir. Fui caminhando devagar sem pressa, querendo que a moça aparecesse e me chamasse. Em vão. Atoleimado estava eu sim senhor e por qual razão? Teria? Teria sim, enquanto a moça estivesse passeando sobre meu peito, no meu coração. Me apaixonei ou me enfeitiçou a moça-mulher? Nem sabia. Tava tudo uma confusão dos diabos na minha cachola. Ah, se! E o que fazer? Mandava os cuidados que eu não mais olhasse pra ela. Eles podiam notar a minha paixão sim. Paixão não nem era enfeitiço não. Tava eu caído de quatro pela morena cor de jambo de cabelos fartos grandes e encaracolados. Pensei em ir embora dali no imediato da hora, na rapidez do momento e nunca que mais me veriam nem um só deles: nem doutor Damasceno, nem Zévedo e nem o outrozão de voz grave, o Mirante tão alto como um, e nem a ex-donzela por vontade própria.
Mas uma coisa me acelera a preocupação. Falei o nome delazinha não? Não mesmo? Como me esquecer de seu nome? Não... Tenho a certeza de que toquei no nome da menina-mulher. Aí, assim, dessa maneira de vazio ela parece ser fantasma. Anote, pois, o nome dela. Cuidado com o escrever: bem bonito é bem limpinho: olhe só que nome – Alísia! Ah, Alísia! Falam de um vento alísio; eu falo da ventania alísia. Não era um vento brando manso devagar não! Era uma ventania a tal moça-mulher. Mas nem que o pobre padre tivesse encoberto pela fumaça do incenso de turíbulo, e o pescoço pesando de tanto terço não haveria anjo ou arcanjo que o livrasse daquela tentação. Caiu por que quis, mas, porém quem não quer cair nuns braços de jambo nuns peitos bonitos, também de jambo, entre duas coxas de jambo? Hein, hein? Procuro até os dias atuais um que se negasse a tomar peito a uma quenga como ela, por que era isso no fundo e nos olhos ao alto, principalmente, que ela anunciava o que era, ou o que seria mais tarde se não tivesse apoio de um braço forte de um cabra macho da Paraíba, que era de lá os cabras machos de ventas nas fuças que eu conhecia e que agora se me apresenta com toda a minha paixão pela menina enjeitada pelo padre confessor e professor. O que lhe ensinava aquele traste? A maledicência a pouca vergonha e o vexame à moça-mulher. O papel dele era se avoar dali mais ela indo pra bem longe, lá onde o Diabo perdeu as botas, mas longe ainda dos olhos e dos braços dos seus familiares. Mas, porém não. Deu de ficar perambulando pelo povoado pequeno como se nada houvesse feito de ruim. Tava acreditando deveras na fidelidade dos seus fiéis. Ele não sabe que o povo vai pras igrejas rezar, mas ta doido pra ver o circo pegar fogo. E haja fôlego pra platéia que ela tem sim senhor pra ver sangue rolar.
O padre viria na certa, tinha certeza à moça-mulher e se não atendesse ao chamado iriam buscá-lo até debaixo da batina do Papa. Nem duvidem de um sertanejo. Não se viu o que fizeram os de Uauá de Cambaio de Bendegó de Cima e de Canudos? Aquilo não foi amostra de coragem destemida. Foi não. Foi muito mais: foi uma tapa na cara da República representada pela soldadesca uniformizada ou não. Eu fui um daqueles bocós, desavergonhado.
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ARREMEDO DE GUERRA

Eu tava só no meio do terreno com o sol escaldante como as águas que algumas mulheres usavam no matadouro pra limpar as tripas dos bois. Procurei uma sombra, que eu era filho de Deus também. Encontrei uma debaixo de um sapotizeiro. Tomei assento no chão mesmo e estiquei as canelas, pois desde a chegada ainda não me tinha sentado por mais de dez minutos. Aí a porta da casa rangeu e uma carinha apareceu pela fresta, entre o portal e a porta de folha dupla, quero dizer: se abria por cima e por baixo. Alísia primeiramente mostrou o rosto e as molduras do cabelo, depois os peitos e, por fim, toda ela na inteireza da sua beldade. Foi logo me perguntando da minha curiosidade.
Disse pra menina-mulher que era só por ser curioso demais e que ela não me levasse na conta de enxerido. Calei-me a boca, antes que a conversa descambasse pra perfis mais sérios que eu nada tinha com aquilo. Tava ali pro trabalho. Deixei ela sentir que eu estava surpreendido porque iria só tocar fogo naquela cabana e mais nada faria. Depois era só receber e me ir. Aquilo lá era o que se podia chamar de trabalho? Pra eu era diversão.
Ela me sorriu com uma fileira de dentes tão brancos que mais pareciam pedras de açúcar.
Que sorriso! Duas covinhas surgiram nos dois lados do canto da boca, um pouquinho mais pra fora. Os olhos dela brilharam não sei se por alegria ou por outras idéias. Confiando na sua simpatia continuei a puxar por ela. Quis saber a razão de lá na cabana ter um baú grande e bonito. Ela disse que não sabia de nada, naquele seu jeitinho d´endoidecer qualquer cabra da peste. E eu era um. O vento forte que soprava ali levantou um pouco a saia dela mostrando acima do joelho a cor de jambo toda nela. Era uma cor de mulher perigosa, assanhada e atilada. Tive ânsias de agarrar ela e esmagar aquela boca com a minha. O padre fez isso e muito mais a ela. Aí arrisquei mais ainda:
–Você é teve raiva dele?
A menina-mulher ficou a me olhar rodando nos calcanhares, sem dar uma volta toda no corpo, mas pra saia se grudar na parte traseira dela, que é era boniteza só. Cuidei que ela estivesse me atentando. Aquela tinha o Diabo nas entranhas. Se! Não me deu resposta, mas negou-se com o meneio da cabeça. Ela tinha gostado sim senhor. Seus olhos me diziam e seu sorriso maldoso igualmente. Disseram tudo, e pareciam me dizer mais. A mim não, que eu não seria maluco de ceder, mas que atentava, ah, lá isso era verdade. Maldição aquela! Uma moça-mulher na minha frente quase roçando em mim e eu de mãos atadas tal qual besta num pasto cheio de capim do bom e com uma tapa-boca na fuça. Palavra como eu desejei ser aquele padre professor e confessor da menina. Fogosa ela se chegou um poucochinho mais até roçar uma das coxas na minha mão. Ai, senhor! Que tentação àquela desgraçada, sabendo do impossível. Se o pai não atentasse ela virava era mulher-dama. Caía no mundão. Aí entrou fechando a porta na minha cara. Depois entreabriu e me jogou um sorriso maroto. Me arrepiei todinho! Puxa! Que situação! Mulher-dama... Aquilo nem nos cafundós do Judas poderia virar mulher-dama não senhor. Virasse eu um porco, uma galinha velha, o Demo, mas ela não iria se entregar a qualquer não senhor. Nunquinha! Extravagâncias demais. Dava dó só em pensar nisso. Mas, porém, se o pai ou os irmãos não assuntassem nesse caminho que ela podia enveredar... Ah, se virava mulher-dama..., e das mais desejadas. Sem perdão, iria se perder mais do que já tava. Pensei muitas diabruras pra nós, mas, e como sustentar uma paixão daquela? Eu pobre com um terrenozinho sem nada e ela dona de fazenda, de pai rico e irmãos – valente um e outro bocó: Zévedo. De que modo? Pensei nas fugas dos casais. Só. Esqueci a aventura.
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A DERROCADA DAS CIVILIZAÇÕES

A História da Humanidade se acha eivada de exemplos nocivos de como não se deve comportar uma Nação livre ou conquistadora. Civilizações se seguiram a Civilizações, em períodos mais ou menos longos. Os egípcios foram uns povos que alcançaram o mais elevado grau de evolução na arquitetura, nas artes e em outros ramos como o da medicina. Já se fazia operações de catarata e de outros problemas visuais mercê a instrumentos sofisticados em seu período de prestígio no mundo antigo. Nem se negavam a abrir crânios para retirada de tumores malignos. Do papiro fizeram o seu papel para o uso da escrita criptografada (origem grega), transferida às tumbas e às grandes edificações de templos religiosos. O ouro era usado com muita propriedade, suas armas de guerras eficientes e sua cultura floresciam entre as castas mais elevadas do Império de Faraós. Adoravam deuses para cada situação econômica e social. Sujeitaram-se ao Império Romano dos Césares e se contaminaram no contato íntimo aos romanos. Como foi para esses últimos, os egípcios experimentaram a decadência de sua civilização. A depravação, seguida de corrupção, foi determinante para os seus fins.

Eis um dos fatores por que Roma se viu à deriva entre as nações ricas e poderosas de sua época. Depois a Grécia a seguiu no mesmo diapasão - civilização corrompida demais perde toda a sua estrutura moral, política e financeira. Desagregou-se todo o princípio que dá suporte a uma sociedade coesa, o que determina o fim dessa civilização. Não teve volta. Assim funcionam as sociedades putrefatas por situações anatematizadas pela História, e esta cobra aos homens e lhes condenam. A Natureza, hoje em dia, está reagindo às intempéries humanas - o desrespeito pela manutenção do mínimo de padrão natural com milhões de anos gerenciados em equilíbrio. Os homens - a Humanidade toda - contribuem sistematicamente para a derrocada geral e total. Não ficará pedra sobre pedra, e só restará à Humanidade beber a cicuta por ela própria elaborada nos cadinhos das indiferenças e dos desamores.

O homem parou de raciocinar; embebedou-se com as conquistas mais inimagináveis de seus feitos; atingiu o "trono" de Deus e o seu Templo, que é o Universo, e em seus adros sagrados largou seus lixos espaciais, seus sobejos técnicos, fazendo pior a Terra em que vive. Sodoma e Gomorra foram os maiores exemplos da corrupção total e da prevaricação geral. A História se repete no Tempo e no Espaço. É isso meu amigo, acredite você ou não. Não podemos esquecer a Babilônia e as suas derrocadas – moral, artística e econômica – arrastando toda uma conjuntura de mentes doentes e sem mais rumos da Corte Imperial. Nabucodonosor, tão rico e poderoso, foi pastar de quatro pelos campos do Império Babilônico, como gado. Isto são fatos Históricos, não fatos religiosos. As Eras estão lotadas de exemplos similares. Povos e mais povos foram varridos da face da Terra, sem que nada se soubesse deles a não ser vestígios de suas existências precárias e efêmeras.

Riqueza, Poder & Corrupção – os componentes de um “prato” indigesto. As atuais
Civilizações do mundo caminham a passos largos para o seu desidério, sem socorro. Ou se mudam as suas posturas éticas ou irão se juntar ao rosário de outros milhares delas.

sábado, 29 de maio de 2010

PROSEMA "NOITE NO CAIS"

NOITE NO CAIS

O mar está morto. Uma tristeza reina no cais do porto. Os navios são almas penadas, náufragos de águas paradas. (Longe, em um país qualquer o cais faz ângulo obtuso
contra o horizonte).
No barco, um marinheiro bêbado, de uísque ou de gin, acena o lenço branco para mim.
Para mim? Olho e não vejo mais ninguém. Convenço-me: é a mim mesmo.
(Os braços do marujo são o mastro e o lenço a vela).
Todos nós somos barcos e a nossa bandeira se agita solitariamente.
(O nosso mar causa nojo).
Somos navio sem capitão, sem leme e sem tripulação.
Principalmente sem tripulação.
O mar está morto e eu absorto.

PROSEMA "O GATO"

O GATO

“O gato espreitava o bacurau na cumeeira
da casa.”
A FRAUTA DE PAN



Pisar macio com patas de veludo e lambidos pêlos por áspera língua.
Fica ele, o gato, de soslaio olhando para o alto, à cumeeira, onde o bacurau canta.
O gato olha e olha, como a medir distância entre si e a presa.
Enrosca-se: a cauda aponta o focinho num ar de desprezo. Os olhos
amarelos de siena guardam nas pupilas a forma enxuta do bacurau.
Sobe, e o faz rápido; a cajazeira protetora é o seu caminho primeiro. E, qual onça
que não cresceu, e professor do silêncio, prepara o bote.
Zás!
Pequenino terror dos pássaros dormita agora com penugem à boca.

PROSEMA "O SOL EM AREIAS'

O SOL EM AREIAS

“De olhos brancos voltados para o Céu: era
o mais infeliz dos cegos: não ver em Areias”
A BAGACEIRA

O Sol flamejante e saturado de luz branca mais branca do branco,
invadia as taperas. Parecia um calor de incêndio sem remédio, sob os tetos.
A miúda Areias, de longe, refulgia como a cal cinérea, e até o vento se abrasava e, como o sopro de um braseiro, a brisa queimava. O piso era como o fundo escaldante de uma frigideira. As pobres e calcinadas árvores clamavam chuva. Retorciam-se os galhos que sob de luz soalheira emborcavam ao chão flamejante.
Nem as sombras eram sombras – eram vapores do Inferno! Nem Pegalí se atrevia pisar aquele chão, mas Areias era linda na brancura do casario.
E o cego não via o dourado mais dourado, do dourado Sol sobre as corcovas das mulas.
Até as palmas se eriçavam de calor.
Areias, a humilíssima cidade, descansa, agora, na refulgência de um Sol imperador.

PROSEMAS INCONCUSSOS

“Prosemas Inconcussos” – Nova fase poética

Este termo Prosemas, novo, de minha autoria, serve para denominar os já existentes poemas em corpo de prosa. Inconcussos, traduzem: qualidades inabaláveis, irrefutáveis, firmes e austeras. Os velhos e exauridos padrões de Poesia, praticados desde há muito pela maioria dos bardos, não se encaixam mais em tempos de verdadeiras revoluções em um mundo globalizado que não aceita mais ver a beleza da Poesia ser engessada às rígidas métricas, às obrigações da rima e a outros sistemas "camisa de força" de se fazer poesia. Como toda arte, chegou o momento de ela, a Poesia, ser olhada sob outro foco e se realizar sob igual forma sem retorno ao passado. Aceitá-la como se apresenta ao novel interessado é questão de Espírito reformado e em ânsias de evoluir. Ao novo poeta caberá mostrar a ventilada e livre Alma poética aos seus leitores cansados de verem rimadas palavras como coração com mão, ilusão, meditação; estrela tendo relação com vê-la, Estela, etc., e assim por diante. Os versos soltos e rimas brancas, já existentes, também têm beleza e podem nos passar as emoções a que se propõem. O poeta Ledo Ivo usa a poesia em corpo de prosa. Eu a visto de uma nova roupagem - nomenclatura atualizada. Esquecer de vez a forma diferenciada dos decassílabos, octossílabos e outros versos silabados se torna liberdade a ser usufruída. Os Prosemas podem ter rimas, se o poeta assim desejar. Vejo nos sonetos as formas mais belas e ritmadas de se dizer a beleza, mas pode mudar de vestimentas: ser um Prosemas. Por que não?
A arte pictórica para mudar a sua “cara” se valeu de homens como Turner, na Inglaterra, que foi o verdadeiro precursor do impressionismo e em França de um grupo liderado por Monet que teve um seu quadro “Impressão, Sol nascente” criticado pelo jornalista Gustave Leroy por ocasião da mostra de 1874 no atelier do fotógrafo Nadar em Paris. Por que pintar verdadeiros “retratos”, se a paleta e o pincel aliados às novas emoções e às nascentes pesquisas elaboradas por esse grupo de pintores do Séc. XIX conduzia sua arte às impressões surgidas aos seus olhos pela refração da atmosfera e pela mudança da luz em constante movimento? Mudança se acha intimamente ligada ao movimento e ao seu comprimento de velocidade. O Universo evolui por causa mesmo do seu movimento contínuo. Movimento significa trajetória e essa que dizer “termo a ser alcançado”. Cada Universo arrasta consigo todos os corpos celestes, formados, e ainda em formação, nas nebulosas. A Lei da Gravidade só existe porque o nosso planeta mantém uma velocidade constante e imutável, e a Vida só surgiu em todos os Universos graças à inteireza dessas Leis mecânicas que tudo leva de roldão, mas conscientes de que fazem à direção da Evolução. Evoluir, é a palavra de Ordem à Natureza, aos Reinos por nós conhecidos no planeta Terra, colimando no Homem e, amanhã, no Super-Homem do Terceiro Milênio. Atente-se para essa quase concretizada hipótese. Por que, pois, não começar às mudanças necessárias em todos os campos em que o Homem intervém, e sempre objetivando alcançar um novo patamar de exposição de suas conquistas? De fazer do “feio” o “belo”, do “impossível” o “possível”, da “negação” o “aceitável”, do “banal” o “importante”? Por que não podemos lançar novos princípios, novos métodos e novos sistemas? Por que algemar a Alma criadora a regimentos criados por homens iguais a nós? Liberte-se e a liberdade trará aos que tentarem novas concepções criativas, nova visão e novos horizontes. É isso que anda fazendo o site Cronópios. Por que não o tomam outros a mesma iniciativa? É saudável, e necessária. Acabo de dar a minha contribuição; pequena, mas libertária sem anarquismo. Estarei em meu blogdomorani.blogspot.com com minha obra Arremedo de Guerra – folhetim interrompida pelo presente texto, comentários, crônicas e os Prosemas. Clicar Ano 2010.

ARREMEDO DE GUERRA

Me refestelei no prato bem cheio. Pelo menos o fazendeiro não era usura. Achei que ele estava tentando comprar a minha lealdade e apoio pro que pretendia fazer. Não sei o que seria, mas que não era boa coisa não era não. Depois a moça filha veio me trazer água de coco. Havia comido de pé mesmo e com os olhos voltados para a cabana bonita com um baú dentro assim da mesma maneira. Bebi toda a água no coco mesmo.
–Por que tu olhas tanto pra cabana, meu cabrito? Perguntou a moça.
Safadinha... Tive ânsia de lhe atirar o coco na cara. Mirante e Zévedo, sabedores de eu não gostar de ser chamado de cabrito, soltaram estrepitosas gargalhadas. O pai não entendeu nada, mas acompanhou os dois nas graças.
–Pra que tu olhas tanto pra cabana, meu cabrito? Repetiu o fazendeiro doutor Damasceno. Depois que Zévedo lhe cochichou nos ouvidos. Mais gargalhados dos três. Ele, o doutor, soube então a razão daquelas explosões de risos, por isso se ria igualmente, mais ainda com a pança a se sacudir sob o aperto do cós da calça.
–Em nada não. Olho por saber que eu mesmo vou por fogo naquela cabana. Mirante me falou. Pra quê? O senhor me desculpe à curiosidade, que eu não devia perguntar ao doutor as razões. Se for lá que eu vou trabalhar por que tocar fogo?
–Sem pressa meu cabrito, sem pressa. Tudo à sua hora exata, ao seu momento expresso. Você só terá isto a fazer, aqui. Te pago muito bem; e tu te vás embora em paz cuidar de tua outra vida. Disse ele virando as costas e desaparecendo nas sombras dos cômodos.
O mesmo fez os dois irmãos. Só ficou a moça, filha, ali perto a mim. Pude ver bem a sua beleza roceira o seu cheiro de perfume barato, mas bom que só. Aquela morena dos olhos doces e sonhadores e mais a outras finalidades era mesmo uma tentação. E ela nem mostrou vergonha de eu saber de toda a estória sua. O tal homem que a desvirginou deve ter tido lá as suas razões e suas tentações. Não o culpo não. A moça morena sussurrou baixinho: “-O senhor padre é vem cá. O pai o convidou e quem o pai convida não se pode negar ou negacear. Tem de estar com os pés cá dentro da fazenda, sim senhor.” Arrisquei uma pergunta trás difícil:
–E ele te fez mal mesmo meu bichinho? Perdão: minha menina, mas ele te fez mulher mesmo? Aquela pergunta minha enxerida me podia por em perigo.
–Hum... Hum... Senhor sim, fez. Saber por que ó xente? Fez e está feito, e nem eu, nem o Diabo vai desfazer nem meu pai nem meus irmãos, mas tu sim podes me justiçar.
–E que tipo de justiça é essa minha menina?
–Também ignoro, mas tu vais saber da boca de meu pai com certeza, e eu nem quero saber.
Depois dessa falação a moça-mulher se retirou pra dentro de casa, que chamavam por ela: “–Alísia vem cá pra dentro filhinha.” Ela, obediente que só se foi me deixando com minhas dúvidas e meus questionamentos. Que belo nome. Me lembrava os ventos alísios, tão frescos lá de minha terra, no inverno, coriscando as águas do mar e fazendo ele se arrepiar. A menina se tinha ido e o seu perfume ficou suspenso pelo ar. Mas em antes de entrar jogou pra riba deu um olhar esquisito que eu tomei por um convite, pra que não sabia. Sabia nadinha, mas, porém doido pra ficar de sabido de seu significado. Menina-mulher perigosa. Perigosíssima sim senhor. Uma tentação de mulher. Um pitéu como se falava das moças bonitas que nem a cabrita Alísia. Alísia... Alísia... Era um vento doce de sua cabeleira que se soltava... Uma cabeleira todinha encachoada de caracóis na prisão de um cabra macho, que nem eu. Era à sombra do Demo aquela Alísia, a me atentar a cabeça e mais outras coisas perigosas, que nem a mesma. Pobre do padre que se enfeitiçou por ela. Pudera! Tiro a razão dele não.
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ARRREMEDO DE GUERRA

Suspeitei de que os dois se riam de minha pessoa. Aí o Mirante, que era esse mesmo o nome do capanga de voz grave, me jogou na cara uma pergunta enxerida que nem precisava ser feita. Quis saber como tinha sido minha conversa com o patrão, que depois soube não ser deles patrão coisa nenhuma, mas, porém pai dos dois. Depois a conversa nossa passou a girar em torno da cabana bonita que iria ser comida pelo fogo.
Mirante, sempre muito falante, meteu-se a fazer com que o outro, Zévedo, se recolhesse à sua insignificância, por pura maldade de espezinhar o mais moço. Se ergueu crescendo diante de meus olhos com aquele tamanho todo, pois que era alto demais o tal. Colocou as mãos na cintura, espichou a coluna e olhou na direção da tal cabana.
–Tu falas é daquela coisa acolá mesmo? Aquilo vai ser queimado.
–È daquilo lá mesmo que eu quero saber: por causo de que será queimada?
–E é tu mesmo quem vai sapecar fogo nela cabrito.
Fiquei azedo com o apelido cabrito. Falei decidido:
–Vamos fazer um trato, ô Mirante? Tu pares de me chamar cabrito e me apodes de qualquer outro qualquer nome, que o meu é Mariano Bé, e eu sou cabra macho lá de Cabedelo na Paraíba. A, pois estamos ou não entendidos?
O homem grande, o tal Mirante, ficou a me mirar lá dos seus altos, naquela altura toda pra baixo onde estava eu. Os olhos deles faiscavam de ódio ou de coisa parecida. Senti isso. Ai, pois, excomungado que já tava por causo do apodo bobo, mandei a pergunta:
–Se eu fui contratado pra trabalhar lá na cabana e coisa e tal pro doutor Damasceno, por que eu hei de tocar fogo nela? Xente! Não entendi nada, nadinha.
Nem ele nem Zévedo me responderam nadica de nada. Os dois, calados, se imbiocaram casa adentro me deixando lá fora sem qualquer explicação. Achei os dois muito desaforados, pois que a minha pergunta merecia uma resposta. Cachorros! Eu tava ali e ali fiquei à toa mesmo. Tava como coisa sem valor que lhes merecesse as devidas atenções, ou um traste qualquer. E eu nem sabia onde dormir ou se comeria alguma coisa... Esperei que me chamassem pelo meu nome próprio, que eles já tinham conhecimento. Qual nada! Resolvi dar um pinote até onde estava a cabana. Vazia por dentro a não ser, vi depois, por um baú encostado na parede em círculo, que a tal peça em palha de coqueiro era como um grande anel. O baú tinha tampa em corcova e pesava muito, tanto, que eu não pude arrastar ele. Não havia rede nem gancho pra uma. Distraído estava quando ouvi uma voz suave de moça por trás de minha pessoa. Outra não era do que a menina da casa do doutor Damasceno. Falou brandamente comigo como se a sua voz não quisesse sair da garganta:
–Moço, ô moço! O pai lhe chama. Não se demore que ele fica nervoso logo, logo.
Fui mais ela, caminhando ao seu lado sentindo o seu perfume roceiro. Em lá chegando o tal Zévedo me botou de pronto um prato de alumínio nas mãos. Era o meu comer: feijão de corda verde, farinha crua, jerimum e carne de sol na brasa. Tava feito. Era tudo aquilo que eu mais desejava, naquele momento de fome.
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sexta-feira, 28 de maio de 2010

ARREMEDO DE GUERRA

O homenzarrão deitou falação pra riba de mim. Exigia tudo de um seu criado, mas por conta pagava bem sem regatear. Uma ordem sua era pra ser obedecida cegamente sem discussão e sem desacordo. Deveria ser tomada à risca, chovesse ou não. Fosse assim e eu estaria na sua folha de pagamento caso contrário tomasse eu o meu caminho de volta. Lá pelas tantas gritou por um nome doce e suave como uma brisa sobre uma flor do campo. Às vezes a gente vira poeta, a, pois, por que não? É tão bonita a poesia. Havera de ler essas de cordel então. Na porta da sala vindo lá dos escuros surgiu uma bela morena de cabelos fartos como o mar, cheios de ondas, cacheados, por cima dos ombros bem feitos. Os olhos negros como azeviche e faiscantes, que não havia mais olhos tão grandes e tão mais bonitos. Eram olhos perigosos aqueles: de luxuria (ouvi essa qualidade de olhos de fêmea num prostíbulo de Caruaru, na Paraíba).
A moça me foi apresentada como sendo filha do doutor Damasceno. Apreciei a beleza da moça caipira, mas de pouca inocência, talvez tão pouca que fosse capaz de dar aulas de safadezas às quengas. Pareceu ser moça agitada, de fogo incinerador pelos braços longos e morenos; comburentes se pareciam os lábios da menina.
A, pois, foi então que o pai da dita – anote isso bem anotado aí – me confessou que estava pra vingar a virgindade da moça sua filha. Se um fazendeiro fala dessa maneira, podes crer, havia de vir titica por então. A gente não pode falar nada de baixo calão mesmo não? Pois bem. Não deu outra. Na frente mesmo da menina toda encolhidinha, mas sem mostrar vergonha nenhuma, essa talzinha de boniteza de encher os olhos de um homem solteiro ou casado, viúvo ou separado, contou que elazinha havia sido violentada pelo padre professor e confessor da moça inocente. Inocente eu era, vi isso logo que botei os meus olhos em riba daquela desgraça de menina. E donde se dera o tal fato melancólico? Na sacristia da igreja. Vixe! Logo donde!?
Pensei, então, cá comigo, e com meus botões, que me faltavam até dois no paletó axadrezado: coisa pior não poderia de haver e pelo faro senti que havia cheiro de morte no ar. Se! Alguma das brabas tramava o pai da moça. Confessou-se católico fervoroso não admitindo sacrilégio dentro de uma santa igreja nem no corpo santo de sua filha, cuja inocência era de se admirar; podia-se ver, falou. Pobre homem cego. Ia cometer era uma injustiça isso sim. Eu assentia tudo com a cabeça. Poderia ficar indiferente aos anseios de um pai ferido lá no fundo da alma sua, em seus brios? Podia não, mas me livrasse Deus. Me topasse eu com o Demo pelas estradas desertas pelas quais andava.
–To ou não arrazoado meu cabrito, hein? Me perguntou o zeloso pai.
Concordei, sem dúvidas. Depois de agradecer mandou que a filha se retirasse pro seu quarto. Depois pediu que eu me levantasse e seguisse os seus mesmos passos em direção igual. Parou na parte de trás da casa apontando pra uma cabana feita de folha de coqueiro, longe, lá no fundo do terreno, por trás de uns fornos de carvoaria.
–É acolá mesmo que tu vais trabalhar meu cabrito, Ta vendo bem a cabana? Aquilo acolá nada vale pra mim. O fogo vai lamber tudo de uma hora a outra. Pelo fogo dos Infernos, ouviste bem? Pelo fogo dos Infernos! Berrou colérico. Fiquei sem entender nadinha. Devo ter feito cara de duvidoso. Ele me despachou dali mesmo. Fosse eu atrás dos outros dois. Fui. Achei os tais cheios de risos sem-vergonhas de moleques descarados, nunca de dois cabras passados por adultos.
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ARREMEDO DE GUERRA

Dei trela não. Fiquei na minha, esperando pra ver no que ia dar a conversa deles.
O de voz grossa, na insistência:
– Lá na fazenda do doutor Damasceno tem lugar pra um só. O homem, que é doutor, paga bem. E o trabalho é descansado. Tu topas? Te aviso de vez: é coisa pra cabra macho não pra cabrito que tu pareces.
Não pensei duas vezes:
–Ta aí, topo sim. Respondi sem mais delongas. Onde que fica a tal fazenda?
O sujeito da voz grave me interpelou:
–Até indagorinha tu mesmo não tava dando trelas pra nós e agora já se resolveu? Que bicho te come? Já que assim ta resolvido então é só seguir nós. Tens cavalo?
–Tenho o quê! Tenho nem um não. Ando pelo mundo com estas duas pernas cá. Se eu tivesse algum cruzado de sobra compraria uma campa pra me ir enterrar.
–Um cabrito tão novo e já pensa em esticar as canelas? Ô vote! Tu tens cara de quem vai viver muitas safras de manga. Zévedo passe a tua mula pra ele. É de montaria o cabrito? Vamos a ver já, portanto monte-se.
Obedeci nem sei por quê. Montei no lombo magro da mula sem sela. O de fala fina não resmungou um nada saindo atrás de nós a pé, com as sandálias se arrastando no poeiral. Seguia calado, mas a cara dava mostras de estar até o gorgomilo comigo. Se o tal pudesse cortaria minha garganta fora a fora. Os seus olhos, muito juntos, faiscavam de raiva braba. Por fim, o outro, o tal do vozeirão que nem cachoeira e esperto que só, mandou que ele subisse na garupa de sua montaria. Cheguei à porteira da fazenda do tal doutor Damasceno meio arisco. Meus fundilhos se colavam no meu traseiro de pegajoso e de sujo pelo suor do pangaré. Homenzarrão de pança volumosa o tal doutor Damasceno sentado estava no alpendre do casarão à espera. Cofiava os bigodões e a barbicha chinfrim. Bigode tinha o homem sim senhor. Que bigodaço! Desapeei e em fazendo ouvi as gargalhadas frouxas dos dois manés que me trouxeram e os risinhos do doutor. Engoli em seco o desaforo. Eu tava ali modo arranjar o tal trabalho. O homenzarrão do doutor se chegou pra mim perguntando:
–Tu estás pra todo meu cabrito?
–Como assim doutor? To pro trabalho sério.
–Falei por acaso coisa diferente? Pois é isto justamente o que eu quero ouvir da tua boca. Se tiveres vontade e peito, entremos nós. Vamos pra fresca de minha sala. Vocês dois podem se ir.
Segui os passos do doutor cabisbaixo e sem jeito mesmo. Fomos os dois por que os outros se sumiram pros fundos, nem sei pra donde. Fiquei na sala, grande e fresca, de pé até o doutor se sentar numa cadeira de balanço de vime e me mandar tomar assento numa banqueta de três pernas. Desconfiei da conversa que viria porque, pra dizer a verdade, me simpatizei ao meu futuro patrão não. Muito seco no trato. Deu uma balançada na cadeira. Os olhos fitos em mim. Esperei. Fazer mais o quê?
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quarta-feira, 26 de maio de 2010

ARREMEDO DE GUERRA

Esse tal Krupp que seguiu com a gente não era um só não, eram dois. O bicho era tão grande e pesado e tão sem jeito que afundava onde o terreno fosse da era terciária (eu ouvi as conversas dos engenheiros mais o comando maior). Como arrastar aquilo fosse igual a puxar uma montanha, arranjou-se nada menos que quarenta bois – vinte parelhas deles em uma fazenda de pessoas amigas – para puxar o monstrengo. O barulho feito pelo desjeitoso uma vez disparado tremia tudo o mais em volta e que estragos fizesse. Um trambolho na nossa retaguarda. Ficou jogado de banda, pois que atrapalhava todo mundo. Dava dó ver as parelhas quase a perder os chifres pelas tantas forças que faziam. Os pobres urravam como bezerros sem leite. Esticavam as focinhas pra frente entesavam os pescoços redobravam as forças nas patas triscantes nos chãos de areias, pedregulhos, massapés e lá se iam com as jugulares pulando por debaixo das peles grossas. Coisa mais incomum te jura eu! O monstrengo andava cinco metros, puxado pelas poderosas patas e músculos, e empacava. Quero dizer que quem empacava eram as juntas de bois. As barrigas deles subiam e abaixavam na respiração resfolegante. Os corações deles estavam quase em ponto de explodir. Depois, começava tudo outra vez. Levou quase que um dia inteirinho pra andar vinte metros o desgramado. Aquilo não eram peças pra se arrastar em terrenos tão desiguais não senhor, que me perdoe o Criador que fez aquilo lá tudo. Por fim, depois de muita luta e escorregões, ralando joelhos e focinhas os bichos conseguiram botar as tralhas nos eixos, mas só depois de se fazer um arremedo de estrada de um quilômetro. Tudo ao encargo dos doutores engenheiros. Foi, foi uma luta. Luta não, uma guerra de parte da outra que ainda ia acontecer.
Quando os bichos estavam em seus devidos lugares atroaram duas descargas de obuses sobre as taperas de Canudos. Os dois trastes passaram por longe. Não haviam calibrado as alças de mira. O general só sabia reclamar dos homens de tiro, pobre praças sem culpa alguma. Eram duas peças de museu. Agora o estrondo a fumaceira o trepidar dos chãos... Aquilo era de então. Já ouviu falar de terremotos? A, pois, devem ser iguaizinhos. Tremeram-se tudo de tal forma que as famílias corriam de dentro das casas velhas com medo delas se derrearem sobre as suas cabeças. Só muito barulho infernal, sem sustos, de verdade. A outra leva de soldados, que veio se juntar à gente e mais novos oficiais, é que se soube usar os canhões que faziam mais barulho que estragos nas mãos de nossas praças. Então as bocas dos infernos despejavam obuses que iam direitinhos por cima das taperas mandando tudo pros altos numa embolada de pau lama seca redes e gentes, grandes e pequenas, num estrago de dar dó, numa fumaceira só.
É... Mas a minha vida não foi sempre de enrolo não. Quero dizer: foi e não foi, mas não por culpa minha que eu sempre procurei os caminhos mais retos pra trilhar. Portanto, agora, vou te contar outras facetas minhas, que têm de ver com os acontecimentos. E tu podes anotar também. Quero que falte nada não. Descanse um pouco, um tantinho só que a coisa é muita pra escrever. Aproveito eu e tiro um descanso, um espreguiçamento pro modo relaxar um tanto.
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ARREMEDO DE GUERRA

Agora, então, que resolvemos descansar... Uma pausa nesse assunto é boa demais.
Então me vou aventurar numas recordações que tinham tudo pra ser de boas lembranças. Foi não. Parece que uma coisa ruim me persegue, desde eu pequerruchinho.
Até aqui minha trilha foi sempre de confusões, mas eu repito: nunca que procurei nenhumazinha... Já não te disse que não gosto de coisas arreliadas? Tenhas como certa essa minha advertência.

oo00oo

Lembrei-me agora, neste instantezinho, em que eu falava da fumaceira que ficava depois que os obuses desciam como anjos de morte sobre o arraial, de um capítulo para o compadre escrever. Mas, em antes, vou dar um fecho no que eu vinha falando. Os tiros das Krupp com suas barulhadas assustaram a cambada de jagunços que se sumiram pros lado da igreja que se alevantava. Não se via viv´alma pelos terreiros. O general, vendo que a corja corria pra dentro dela, queria por a casa de oração abaixo com um só tiro. E seria preciso mais? A igreja novinha tava lá já emboçada, nos trinques. Covardia. Achei descaramento se o general botasse abaixo uma casa de oração ao Nosso Senhor; seria pecado mortal e muito castigo pro futuro. Fiquei de olhares enviesados pra ele. Aprovei não, mas quem sou pra não aprovar ou o contrário fazer? Ele desistiu da má obra. Agora, vamos ao tal capítulo já mencionado.
Foi por um estádio em que eu me encontrava à toa sem nada pra fazer e o bucho reclamando comer. Queria ele por que queria ser ocupado de bom comer. Tinham muitas mangas cajus mangabas, mas eu necessitava era de comer pesado assim como uma buchada de bode uma cabeça de porco uma feijoada ou até mesmo peixe-voador com farinha branca pra farofa dágua, com salsinha cebolinha e mais coentro. São tudo de se estalar os beiços! Ora se! E se tendo uma branquinha fogosa, daquelas de queimar garganta, mais melhor da conta. Eu tava no perrengue mesmo.
Sem que me esperasse, lá me vi metido com dois sujeitos representantes de um fazendeiro na procura de gente de labuta. Era pegar ou largar, disseram os tais sujeitos; por questões que eu desconhecia os dois eram mal encarados. Gentes de costumes grosseiros. A qualquer desavisado metia medo sim senhor. A mim não. Encarei os cabritos de igual: fuça nas fuças, olhos pra riba e ora nos chãos, nas maiores das indiferenças e ouvidos moucos. Não tava nem ai pra eles. Se foram chegando, pois que os demais nem quiseram conversas com eles. Os outros, de medo, sumiram no pedaço. Restou só este aqui que te fala. Me imprensaram, mas dei um chega pra lá nos dois sujeitos. Um falava grosso, e o outro fino. Tinham os mesmos traços de maus nos rostos. Um era claro nas propostas, o outro enrolado. Vão-se ver coisas assim desse jeito! O de fala grave:
– Cabrito ai ta querendo trabalho? O sol vai alto e tu ai no bem bom.
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terça-feira, 25 de maio de 2010

ARREMEDO DE GUERRA

E longe se pareciam mais cocos secos retirados das cascas. Coisa muito da feia de se ver e que eu não tenho intenção de ver jamais, outra vez, nunquinha. E houvesse sol pra castigar nós naqueles fardamentos azuis atochados até o pescoço. A gente parecia celebridade. Só parecia, mas se houvesse ao menos luta a gente ficava de atenção nela e esquecia o calor. Os sonhos de uns praças era morrer logo na chegada nos campos de batalhas para assim se livrarem de tanto sofrimento, e não espiar mais aquelas misérias e covardias, mais o medo, que era como uma sombra sobre muitos. Eu não. Eu, Mariano Bé, queria era viver muito pra retornar pra minha terrinha, ver minha gente feliz de novo em me vendo plantar a roça. Teve um cabra que tava por trás de mim municiando a sua Manlicher e me confessando que queria voltar pra sua casa modo casar com uma menina de nome Esmeralda. Nós nesse dia estávamos entrincheirados numa curva do Vaza-Barrís tomada por nossas tropas. Depois de municiar o seu fuzil iniciou o enrolar de seu cigarro de palha pra pitar em antes de atirar no inimigo. Eu tava de olho só pra frente modo ver se os jagunços estavam lá pelos esquisitos de seu lugar prontos a cair em cima de nós. Aí me voltei pra trás. O tal companheiro de momento tava com um buraco na testa e o sangue golfando como cascata. Os sonhos dele se acabaram ali mesmo no tal Bendegó de Baixo, e nem pitou o seu cigarro. O fumo se espalhou todo pelo chão e o sangue na farda como mancha escura. Se finou de olhos abertos. Nunca que ia mais voltar pra sua casa e pra sua Esmeralda. Aí quem endoideceu foi eu. Comecei a atirar como um atarantado e sem saber em quem. Os demais praças esparramados por ali me olharam sérios. Não havia ordens para puxar os gatilhos. Mas, que ordens se ali nunca havia ordens pra nada? Aí mostrei o colega embarrancado mortinho da silva. Quando os outros praças viram o defunto tiraram os quepes e foi aí que o tiroteio começou. Tiroteava-se daqui pra acolá e de acolá pras nossas bandas. Vi Antonio Quelé e Chico Danado pegados nos paus de fogo atirando sem parar. Mas foi só aquilo. O vento afugentou a fumaceira e o tiroteio se calou. Esperou-se um tempo. Nada de tiros. Então veio ordem de deixar as trincheiras e reiniciar marcha. Largamos Bendegó de Baixo rumo pro Morro do Mário. O calor era tanto, e a fome mais ainda, que muitos dos nossos homens foram pro chão. Que ninguém tocasse num só eram as ordens. Passavam as ambulâncias e pegavam eles e pronto.
Aqueles novatos que se iam com nós sabiam antemão que não iam ter bravatas na hora do fogo brabo. Valentia tinha hora de se ter. Aí, então, nós quatro, os amigos de sempre, procuramos se juntar naquela marcha, mas, porém, o sargento separou a gente com dois na frente, um no meio e outro no fim da fila indiana. Mas não tinha nada não; lá no destino a gente se juntava de novo pra tudo. Que se lixassem as ordens do oficial. Ora se! Então, pra aumentar a nossa estima, o capitão mandou nós soltar os peitos no hino da República. Nem um só podia ficar de boca fechada soubesse ou não o tal hino. E a poeirada nos cobrindo como uma colcha branca que só. Lá no Morro do Mário nós íamos ficar na frente da linha de fogo, lá onde os Demônios gostavam de ver a gente, e donde as balas chegavam quentinhas e serelepes. Seria a continuação do castigo? Era, sim, lógico. E tudo só por causo da fuga em Cambaio. Em são consciência, me digas: tu ficarias parado atirando em quem não via numa noite escura de breu? A maioria arribou de lá, mas todos, incluindo os oficiais graduados. Tomei abrigo atrás do canhão gigante, o tal de Krupp. Um monstrengo o tal canhão feito pelos gringos. Havia muitos ali comigo, sim senhor. Gente bocó não vinga não. Não mesmo. E todos nós tínhamos direito de fuga, não só os graduados. Eles mandavam e nós éramos paus mandados, porém na hora do mal, mal, os direitos eram iguais e ninguém ouvia graduado. Se ouvissem estavam mortos. Se!

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ARREMEDO DE GUERRA

A gente, homens feitos, barbados, pensa duas vezes em antes de abrir fogo contra os moleques. A matutada trisca a moçada, modo disparar contra as Forças. E eles obedecem, direitinhos, sim senhor. Tudo escondidinho como não querendo nada, mas, porém brabos que nem cachorros doidos. Nunca que vi tanta valentia nem num cabra macho lá das Paraíba. A, pois, vou contar e tu não vais crer. Pois não foi um desses miúdos que acertou Antonio Quelé meu amigão de farda? Pois foi sim, na certeira da mira. E que mira! Olhinhos bons estavam lá. Só vi Antonio bater com as fuças no pó do chão e ficar quieto. Morreu? Pensei me perguntando. Buli nele daqui pra ali e de lá pra cá e nada. Teria se finado o meu amigo Antonio Quelé? O irmão dele, José, chorava que nem bezerro desmamado em antes da hora aprazada. Mas Antonio, depois de algum tempo caído e quieto, deu sinal de vida. Se mexeu gemendo. Tava todo... Posso dizer palavrão ou palavrinha? Palavrão pode não? Por acauso, por quê? Ah... Só por isso? Os leitores? Vá lá! A, pois, Antonio Quelé tava todo breado meu compadre. Todinho. Do cós da calça até às bocas das pernas. Deve de ter sido uma dor espinhosa, dessas de mexer com os buchos de um cabra. É que a maldita da bala passou fininha na testa do homem, que bambeou, triscou e caiu durinho. Mas tava vivo, vivinho. Tava com a sua alma sim senhor. Só tava com um sorriso amarelo e bocó. Tava groguinho. Deu sorte, o desgramado. Nunca que vi tanta naquele fim de mundo. Quando uma bala trisca o ar rasgando tudo é vem com o teu nome marcado nela é pegar pra valer. Por isso cismei: meu amigão deve ter parte com o Demo, só pode.
O pequerrucho? Sabe não? Contei ainda não? Anote ai que nós éramos em quatro: eu Mariano Bé, Antonio Quelé, José, seu mano, Geraldo Quintão e Chico Danado. A gente tava junto pra tudo. Pois Geraldo e Chico miraram o moleque com seus rifles Comblen na direção mesma do moleque que acertou Antonio Quelé. Foram dois tiros a um só tempo. Pou! Fumaça que só na nossa cara. Teriam acertado o coitadinho?
Uma das balas deu pra gente ver: bateu na pedra esfumaçou e zuniu ao largo, mas a outra, coitadinho dele, acertou em cheio quando ele estava dando nas pernas pra correr dali. Foi até engraçado o causo, mesmo não tendo graça. A desinfeliz criaturinha deu um pulinho pra riba se virou nos ares de ponta cabeça e se estirou durinho no chão já cheio de defuntos. Era mais um pros vermes comerem. Tu podes crer numa coisa assim? Podes não? Xente! É a guerra! E se eu te disser que uns deles retalharam o sargento Estevaldo todinho? Pois sim. Desmembrou o homem, chefe de família, um sargento de valor. Ficou uma coisa horrível, ele se debatendo até se finar. A foice comeu em riba dele, do coitado do sargento que levando um balaço na perna falseou e caiu. Foi à desgraça dele. Sem saber, tava no meio do inimigo. E quem adivinha onde estavam aqueles excomungadinhos? No meio de uma fumaceira infernal... Muitos se perderam e depois de dias é que fomos descobrir onde que foram parar os coitados. Todos estaqueados nas varas das cercas, pertinho dos pés de mangaba, e que davam voltas no arraial. Era uma cerca de gente defunta sem cabeças, que essas ficavam aos pés, no chão.
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segunda-feira, 24 de maio de 2010

ARREMEDO DE GUERRA

Ainda bem que faz anos que tal se sucedeu. Sim senhor, faz. Ninguém jamais que desconfie que fosse eu que revelei esses sofrimentos em segredo da honra militar dos combatentes. Se fosse contigo tu farias o quê? Carregar uma vergonha, eu hein? Me respondas: o que tu farias? Eu o que faria? Eu tomaria uma carraspana todos os santos dias da semana do mês e do ano. Me finar pelas minhas mãos próprias? Nunca!
Atente bem para a situação deles perante as famílias as mulheres e as quengas... Essas amaldiçoadas mangariam demais da conta dos coitados. Por quê? Se aconteceu foi pelos seus descuidos não. Foi à fatalidade. Os assaltos por lá eram diferentes, ora bolas, pois que vinha sempre rasteirinho como que não quisessem judiar a ninguém.
Estavam todos entrincheirados nas covas rasas do Vaza-Barrís. Nenhuns deles miravam pelos altos – peito ou cabeça. Já devera ser por maldades. Eram todas elas, as miras, nos ventres pra baixo da soldadesca. Aquelas malditas abelhinhas quando não feriam ou matavam aleijavam.
Prestes toda a atenção meu compadre que eu tenho muitas outras aventuras ligadas ao mesmo assunto, mas, porém, um tanto desviado e que depois vai se encontrar lá adiante pra tu escreveres aí em meu livro pro futuro. Fiquemos nessa mesma expedição, pois que passamos as mesmas vergonheiras. Eu me perguntava, nos momentos de parada do tiroteio, se ia ser sempre daqueles jeitos: eles atrás de nós e as gentes só correndo deles. Eram que a coisas feitas assim, assim, sem planejamento de batalha, só podiam acabar do jeito que acabavam. Era cada qual por si. Quando se corria pra retaguarda era sem voz de comando. Era a maior das confusões, com os cabras outra vez se atirando uns nos outros. Numa dessas é eu se feriu Antonio Quelé, um de meus companheiros. E ele, uma fera, tava doidinho pra descobrir quem mandou bala em nele, porém, exagerado como era ele a gente nem deu tratos à bola. Foi uma coisinha a toa mesmo: uma bala de raspão, que por pouco não lhe arrancou a orelha esquerda. Passou na ambulância e resolveu o causo do ferimento dizendo que tava com zumbido na cabeça o tempo todo. Era pra menos? Se pega no lado da testa... Ai ele não reclamava mais nunca.
Fomos pra Queimados, na Bahia, com muitos praças bem armados, com muita disposição, como sempre, mas com pouca coragem, como era também de se esperar. Explico por quê: simplesinho mesmo. Tua já viste gato escaldado sem medo de água fria? Pois éramos nós assim, igualzinho, que o batizado em Uauá e Cambaio foram o bastante pra nós. Agora a gente ia topar com a jagunçada em Bendegó de Baixo. Lugarzinho esquisito como os demais ali. Depois de algum tempo de troca de tiros a tropa saiu de pernas frouxas os corações a galope as gargantas secas os olhos arregalados e os mesmos tiros varando de todos os lados. Fracasso novo, mas repetido no jeito de se livrar das balas vagabundas. Eu já me cansava de tantos e bem meus quatro companheiros. Pensamos até em arribar pra longe dali abandonando tudo, que a vergonha já não cabia mais em nós.
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ARREMEDO DE GUERRA

Pra tu me entenderes melhor, devo dizer que naquela debandada em Cambaio não tinha mais outro jeito. Ou ia ou morria. Olhei para trás pros lados e pra riba. Tava eu só. Um cabra só faz alguma coisa que preste? Nunquinha! Tava só; só não, tava com Deus Nosso Senhor que devia estar muito ocupado com outros, mas não se esqueceu deste aqui me cochichando: “-Corre filho meu de pressinha pra tu te salvares inteiro”. Isso eu fiz, obediente que sou na religião. E fazia tudo de novo, novamente. Vivo eu podia combater mais e ajudar meus companheiros Antonio Quelé, seu irmão José, Geraldo Quintão e Chico Danado. Certo me fiz, com toda a certeza.
Agora, na nova marcha, haja castigo duro até o destino mais longínquo. Ó sina, meu! Ela se deu de manhãzinha; uma manhãzinha chuvisquenta e fria. Marchamos até de noitinha e o céu se encherem de estrelas, que era mesmo estrelas só em boniteza total e alargada nos altos. Precisavas ver aquilo tudo coriscante de acende e apaga. Lindeza pura os brilhos delas. Ah, quantas saudades senti eu de minha ruela lá em Montes Altos, pra onde se mudou a família inteirinha. A gente se assentava debaixo de um pé de goiaba, os olhos fitos no céu escuro cheinho daqueles vaga-lumes pisca-piscando – as estrelas, to falando. A gente queria contar quantas eram apontando com os dedos modo não perder o rumo, mas era proibido, pois que nasciam verrugas neles.
Esses pensamentos de lembranças me faziam esquecer que a gente marchava pra um destino cruel. Nem um homem que eu saiba marchou pra uma guerra ancho de felicidade. Todos nós tínhamos os semblantes nublados por umas sombras esquisitas e acabrunhados como um condenado à morte, pois essa era a verdade. Uns, de tão pálidos de medo - porque tinha uns novatos no nosso meio pra encher os vazios que deixaram os finados - urinavam nas calças das fardas sem a menor vergonha a qualquer estalinho no meio do cipoal das matas. Mas era de arrepiar mesmo e eu tirava a razão deles não que a coisa era de assustar. Só quem passou por isso pode bem avaliar sua intimidade valente ou covarde. Eu? Sei lá. Eu ia indiferente como um bêbado que não sabe o que faz. Ia pra onde me mandavam ir. Os demais? Sei não senhor; sei de mim. Eu não tava nos miolos deles pra saber o que se ia lá a suas cabeças. Cada qual seria por si, mormente na hora do foguetório da pega pra capar. Não é pra se rir não. Tu não sabes, mas muito voltaram capados mesmo. A, pois, foi assim mesmo na beligerância e nessa triste sina de ficar inutilizados pros restos das vidas. Alguns que se diziam machos acabaram com as próprias vidas, por causo disso. E seria pra menos? Não pretendo julgar meus companheiros de farda e de fados por não ter passado pelos mesmos desacertos. O cidadão escapa das balas dos jagunços e vai acabar os seus dias com a sua própria? Triste e enfadonho ter que falar disto, mas desnudei um segredo pra tu há muito tempo escondido. Agora vai deixar de ser segredo posto ser uma verdade dorida.
Os lamentos eram que doíam mais na alma da gente. Cabras moços ainda e estragados pra todo o sempre. Viver pra quê? Sei se faria o mesmo não. Isto é coisa de momento de agonia. Condeno nenhum não. Qual o quê!
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ARREMEDO DE GUERRA

A, pois pior foi o retorno em quando chegamos na Bahia. Já lá nos esperava o Ministro o Exército. Veja bem como se deram as coisas: ele enfileirou todos nós no pátio do regimento em posição de sentido, e com os portões abertos ao povaréu só pra que fosse ouvida a desmoralização que ele ia nos meter goela abaixo. Desancou a falação de tal maneira tão alta que eu e todos os expedicionários pensamos que ele fosse esticar as canelas ali mesmo no palanque de tão vermelhas que ficaram suas bochechas. Tava quase roxa a cara do homem. E o garbo dele? Tava todo enfatuado num uniforme cheio de galões dourados, medalhas espalhadas por todo o peito desufanado, que não havia lugar pra outra condecoração. E o Sol comburente torrando nossas cabeças descobertas? Que solão! Calorão de secar um homem só fazendo ele suar. Me deu vontade de estar nos campos de luta de Uauá ou de Cambaio, palavra! Deitou falação por quase duas horas, e aos berros. Que perrengue! E sabes tu qual seria o nosso castigo? Ora que ora, mas tu nem calculas? A, pois, era o de voltar pros campos de batalha, numa marcha que só terminaria em Monte Santo, que era de frente mesmo ao casario daquela vila que subiu dos infernos pra Terra, a nossa Terra, esta aqui mesmo em que nós pisamos e que se chama de planeta. Pois... Coisa feia de se ver a tal Canudos. Pelos altos dela não, até que agradava a visagem olhar pro casario de alvenaria e encilhamento vermelho que só. Diziam que lá eram as moradas dos comandantes da vila e do chefe maior – o tal profeta barbudo da família Maciel. Sim senhor. Travei conhecimento com uns dos Maciel que são gente danada, mas que não são covardes, não senhor. Daquele diz-se que vagou por vinte anos pelos sertões brabos. Pelos sertões brabos palmeou durante esse tempão todo terras esturricadas das caatingas esquecidas por Deus Nosso Senhor, sim, do cerrados e dos desertos, e pra quê? Pra depois desse tempo chegar ali naquela fazenda abandonada pra montar uma verdadeira favela, como uma cidade de verdadeira, lotadinha de gentes? Aqueles que ele arrastou por aqueles caminhos nada tinham a fazer a não ser um monte de filhos. A criançada, a gente via de lá do alto do Monte Santo, era multidão muita da conta. Pequerruchinhos sim, mas se batiam como gente grande, adulta, de responsabilidade. Davam nos gatilhos com vontade mesmo. Enfrentavam nós de igual. Tinha isso de ser menininho e menininha não. Tinha não, não mesmo. Eram que eram obedientezinhos que só eles, aqueles excomungadinhos. Gritavam por lá uma ordem e eram os primeiros a formar fila dupla carregando nos ombros armas maiores que eles. Levavam aquilo anchos de orgulho, sapecando balas em nós sem dó nem piedade, e sem tremerem as mãozinhas. Coisa de enlouquecer um fraco. Não se lembra do doutor que eu já falei que endoideceu bem no meio do tiroteio? Criançada desinfeliz aquela. Carinhas de anjos sujinhas de pólvora. De anjos, disse eu? Qual o quê! Eram carinhas de demoniozinhos, magricelos, sem carnes nos rostos engelhados, como todo o resto dos corpinhos. Cabra medroso corria deles de assustados se topassem com uns no meio do breu da noite. E eu? Só modo vendo na hora exata. Ô vote! Por causo de que tu me perguntas isto? Hein? Só por ter debandado?
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sábado, 22 de maio de 2010

ARREMEDO DE GUERRA

Foi na horazinha a minha queda, pois uma chuvarada de balas passou por em cima de nós: de mim e dos que estavam já estirados. Todos batiam em estratégica retirada, até os meus quatro companheiros valentes, que os tiros vinham de todos os lados sem que a gente pusesse os olhos num só daqueles jagunços. Foi feio. Umas carreiras confusas onde morreram mais praças por causo mesmo da doideira de cada qual. Cadê as vozes de comando? Cadê o capitão Pires Ferreira? Qualquer povo gosta de ser orientado conduzido e posto em segurança, a, pois, não é?
Pois foi a segunda batida em retirada. Depois, mais tarde, na calma da noitinha daquele mesmo dia com todos espalhados, como se fosse pra dormir, mas com as atenções voltadas pro breu da noite e com os dedos nos gatilhos, bateu uma vergonheira geral em nós... Foi. E o tal capitão que ninguém viu no meio da fumaceira, desandou um palavrório tempestuoso em riba de todos. Só faltou maltratar nossas mães, que nada tinham com aquilo. Bem lá pra noitinha mesmo, no breu total num céu sem lua, os revoltosos tiveram o cinismo de jogar uma farda pra nossa banda; quer dizer: eles tiveram bem pertinho de nós e se sumiram como fantasmas. O casaco atirado era o do capitão. Todo furado de bala. Se ele estivesse dentro... Tava lá ele esticado no pó sem vida. Merecia e bem merecido. E a gente deitada ainda só no silêncio. Aí ouvimos a zoada que vinha do lado deles. E era muito maior que os tiros. Mangaram de nós muita coisa os patifes! Parecia festança de estrumação.
O que fizemos depois? Ora, o quê? Voltemos de lá mesmo e tudo com os rabos de entre as pernas como cachorros estrumados. Mas vivos. Vivinhos. Nem todos claro. A gente se vingava, ora se! Viemos embora. Topei os meus companheiros. Tudo de cabeça baixa enfronhados nas suas vergonhas sem ufanos carregando feridos, que alguns se finaram na caminhada de retorno. Cambaio excomungado! Os arreliados estavam em todos os lugares. Foi em Uauá e logo, logo em Cambaio. Os amaldiçoados sabiam de tudo. Aqueles pareciam pragas: estavam em todos os lugares ao mesmo tempo. Pode? E cismes com isto: eles tinham comandos. Nunca, jamais, tinha vistas em gente tão braba e tão valente. Os cabras morrem se rindo, parecem que vendo já o céu dos anjos.
Escrevas isto sim que eu comento apenas não; é pra ser registrado no caderno seu aí. Quero perder nadinha não. Tudo o que eu falar tu escrevas, não salte nada. Esta foi uma quadra da nossa história que é modo não perder nunquinha as recordações das durezas e das memórias das praças combatentes, que os povos só se lembram dos generais, marechais, coronéis e majores. Marechal Deodoro da Fonseca, Marechal Floriano Peixoto, General Villagran Cabrita, Marechal Sampaio todos se lembram né? A, pois, a soldadesca nunca que é lembrada. E são os que mais morrem. Se finam os marechais? Não! Se finam os generais? Sim que daí pra baixo todos se finam. Nas tropas nossas tivemos generais coronéis majores capitães e tenentes que perderam suas vidas lá naqueles cafundós do Judas, e muitos nem tiveram cova cristã. Ninguém nunca nem viu alguns dos graduados abatidos pela jagunçada. Coisa de lamentar lamentosamente.

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ARREMEDO DE GUERRA

Então agora estás pronto? Eu renovei as energias e removi os cansaços. To fiel e pronto modo continuar minhas aventuras marcadas por tua pena ai nesse caderno teu. Se assim for mesmo, vamos lá. Continuemos, pois, nos mesmos andares de ontem por que as coisas me demoram a subir na cabeça. Posso começar a ditar? Anote que lá vai:
A, pois, como eu dizia, a tal marcha renovada de castigo deu alta só lá em Juazeiro, repetindo tudinho da primeira vez. Não me lembra o dia não, mas pelo calorão que fazia foi lá por volta de novembro em seu final, ou no comecinho de dezembro. Essa estação por lá é a dos calorões infernais! E cinco dias depois olhe o batalhão em marcha de novo, outra vez, como fâmulos episcopais estropiados e quase que desmembrados por tantas tralhas. O comandante era o capitão Pires Ferreira sem muita fama, mas obediente demais da conta dos princípios e exigências do exército. Hominho endiabrado aquele lá do Crato. A soldadesca? Eram em quantos? Sei assim de precisão não, mas devia ser de umas duzentas almas entupidas de medos e escoltadas por canhões gigantes, metralhadoras pipoqueiras e o diabo a quatro. Duzentas, nem mais nem menos. Aí então largamos aquela praga de lugar quente e marchamos pros lados de Cambaio. Em lá chegamos pelos altos de janeiro; sei até o dia. Parece mentira né? Dia 18 de janeiro de 1897 e a gente estavam lá. Gravei. Não houve combate, nem nós encontramos tocaia não senhor durante a travessia, mas é vem coisa por aí. Anote. Tu ainda tens bastante papel? Só ao desencargo de consciência me deixe ver. Tem..., tem de sobra. O caderninho é mesmo grandioso hein? Pois então: eu falei que nós não encontramos tocaia não foi? Pois foi não. Coisa num instantezinho que não se esperava e se deu o diabo. Tu precisavas estar lá, pra ver a cara deles. Bala é vem, é vem, e se tem teu nome não tem escapatória. É tua mesmo. Uma fumaceira das profundas dos infernos tapou tudinho. Atravancou tudo com abelhinhas em brasa zunindo por cima por baixo e pelos meios. E tome chumbo em riba de nós, seu! Foi tanta miséria que o médico que seguiu com nós enlouqueceu. Sim senhor: perdeu todo o tino. Arriou o traseiro no chão chorando que nem criança desmamada. Era de ver o tal em meio do tiroteio sem pensar nada. Tava desnorteado, sem rumo mesmo. Muitos derrearam nos chãos, de bunda, que as balas encontravam seus donos. Pode bunda não? Por ser feio? Que feio? Todos têm isso. Agora fique que eu não quero tirar não. Só aleijão ta desprovido disso. Pois só os matutos te viam dos escondidos seus, mas tu em troca não divisavas eles não. Atirava-se a torto e a direito, pra qualquer lado, de nossa banda, digo. E o palavrório baixo calão se ouvia no meio da barulheira. Da banda deles, informo eu. Zoavam e atiravam ao mesmo tempo. Quando dei por mim tava quase que só. A raia miúda deu nos pés. Ia lá eu ficar ali parado a espera de fantasmas? Nunquinha que não, claro! Mais me valia eu vivo que morto pro regimento. Morto eu seria um de menos na defesa do regimento e da bandeira da República que tremulava. Agora se eu lobrigasse qualquer sombra se mexendo no meio do breu atiçava bala nela sim, se! Tropiquei em muitos companheiros feridos pelos chãos. Num desses me arriei no pó. Foi a minha salvação.

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sexta-feira, 21 de maio de 2010

ARREMEDO DE GUERRA

Lembro que tinha uma que vivia batendo com a folha do facão na roda da saia, dando uns pulinhos pros lados, como a querer se safar de alguma coisa, talvez do Capeta. Chiste..., quem sabia lá?
Era desmiolada, a coitada. Mas não vamos perder o impulso: a, pois eu te falava que passei por boa. Acreditas? Se não eu paro e descontinuo. Só não quero perder minha saliva discorrendo sobre fato consumado e não ficar acreditado pelo senhor que escreve estas minhas memórias. Fato consumado! Eita beleza, hein? Posso continuar? Pois é: vai então. Foram aí pela leva do primeiro contingente de praças da Nova República em dura marcha com a luz soalheira mais ardente que os fogos do inferno todos juntos e abrasadores sobre os nossos quepes na direção de Uauá. A gente ia indo pro modo desalojar alguns sertanejos revolucionários em Canudos. Já ouvistes falar dele? Do arraial de Canudos, ora, de que mais? Onde mais poderia ser? A, pois, foi esse mesmo. Vixe, minha santa mãe, que marcha! A gente parecia mais que ia se indo pros infernos mesmo do que pr´uma batalha. Dureza pura meu compadre. Digo e não desdigo e ainda afirmo. Não sou de imbróglios. Ou o cabra tem ou não tem crédito. É... Eu disse, porém, em antes que nunca tinha estado numa guerra não foi? Foi não. Estive sim, mas, porém numa guerrinha à toa Em Canudos. Chinfrim, chinfrim... Era de ver, como não? Sim lá mesmo no norte do estado da Bahia. Já lá fostes? Bom... Conheces, então.
Anotou estas últimas palavras minhas? Ah, não anotou não? O senhor teve um jeito de que ta com sono. Piscou os olhos e teve um repelão na cabeça pra frente. Ta firme mesmo? Não pares de escrever. Anote tudo direitinho que eu já disse: não repito estórias. Certo? Na vida minha velha mãe me ensinou e meu pai insinuava: não se pode perder tempo. Uns minutos são os bastantes pra se morrer, de sede ou de bala. Podes crer mais uma vez. Eu só falo verdade nua e crua. A, pois não é, e não tem sido assim? Vale a mentira? O Diabo anda por aí mesmo atrás desses desavergonhados que mentem é muita coisa. Eu dou respeito a um cidadão sério. Pra mim, tu és um deles né?
Ô! Tu pareces que dormes de olhos abertos. Ta cansado? Estejas desperto pro modo anotar todos os acontecidos. Queres parar? Xente! Queres mesmo? Que seja! Chega por então? Seja, pois, assim. Corre a descansar. Te emboques nesta rede aí.

oo00oo

Tu passaste bem toda a noite meu compadre? Passaste né? Dá pra se notar. Estás por te veres bem disposto. Agora, indagorinha mesmo tu ainda tinhas a cara amassada de sono. Dormiu o bastante não? Se não, voltes pra rede estica o corpo e deixes o sono se achegar. Depois nós continuamos sem pressa, que um serviço dessa natureza não pode ter erros nem dúvidas. Te cuides. Até mesmo eu to com vontade de esticar os ossos. Não parece, mas cansa né? Vamos fazer, então, assim? Tu pra lá e eu pra cá, no balanço bom das redes em nesta fresca da manhã. Prontinho. Se me deixarem, eu embalo na sonolência. Judite! Coe um café fresco pra gente e nos chame na prontidão da mesa. Bom que só. Êta, que eu nem apercebi o meu cansaço.
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ARREMEDO DE GUERRA

O que eu não tenho da cintura pra riba me sobra dela pra embaixo: duas boas pernas que me levam pra distante, bem longe, de confusão. Aprecio mesmo não. Sou de paz e de silêncio e de um bom papo em mesa de bodega cercada de gente boa de conversa. Conversas boas são com este cá mesmo. Ta aí uma coisa boa da vida. Queres melhor? A, pois, não eu. É só ver três reunidos em torno de uma mesa e eu não passo em branco não senhor. Encosto, como a não querer nada, tomando porém liberdade vigiada de dar um dichote uma piadinha aqui outra acolá, um apontamento assim e outro também... E me entorno em meio da conversação. Ai então pro resto é coisa fácil, fácil. Vergonha? Tenho não. Não é desse modo que deve agir um cabra macho? Ficar só de olho encompridado na direção do grupo e não se achegar pode dar sentido de covardia ou sei lá o quê. Não sou valente nem de briga, mas também não sou de medrar. Quanto mais medo você sente das coisas mais covarde fica. Onde já se viu macho covarde? Ou é ou não é macho, to certo? Eita coisa de corar o rosto de um cabra. Fico assim não. Se não desejo me defender de uma ofensa viro as costas e saio de fininho. Brigo não. Qual a vantagem de dois cabras se engalfinharem e rolar no chão poento? Só em o último causo. Se fosse medroso não marcharia pra Canudos. Lá é que foi o verdadeiro inferno de homens de mulheres e de crianças. E como! Se! Lugar excomungado aquele, seu. Cabra covarde não se apruma não. A mulheraça se ri na tua cara. Quero isto pra mim não. Quero não. Não mesmo. Se tiver que lutar morro, mas largo a briga não. Seja onde seja. Um dia todos nós n ao vai se finar? Então..., mais dia menos dia...
Pois então, te sentes mal? Teu bucho é assim tão fraco ó meu compadre? Se tu tivesses que ir pra guerra... Tu não serves pra guerrear, me desculpe a franqueza.
E por falar de guerra, passei por boa. Pela tua cara vejo mais uma vez que tu me não dás crédito hein? Mas podes crer que seja fato consumado ou mais. Essas palavras bonitas eu escutei da boca de um desses homens que escrevem em jornais. Como é que é? Ah, sim: jornalista. Muito bem; a, pois, foi de um desse jornalista que eu ouvi: “fato consumado” disse o tal prum general. Jornalista... Se puderem inventam fatos e outros.
Olhe que eu nunca, jamais, estive em guerra alguma de vulto, para ser verdadeiro como sempre. Disse e repito: não gosto de lorotas. Isto são coisas pras mulheres pras velhas enxeridas e mexeriqueiras. Arre diacho que são muitas delas dessa natureza. É o que mais se vê por essas cidadezinhas por aí de uma só rua e de casas germinadas. Errei? E donde? Não é casas germinadas? Como é que é? Geminadas. Geminadas? Ta certo isto? Agradecido. Passo vergonha nada. A gente nunca pára de aprender. A, pois, ,essas cidades de casas geminadas..., é certo mesmo, de verdade? Ta..., estão cheias de velhas assim: feiosas banguelas de bocas chupadas, mas, porém, línguas ferinas destravadas e ativas. Como falam! Quem fala muito, se diz por aí, fala pelos cotovelos. As velhinhas então tomaram emprestadas de outras, pois os delas tão muxibas de tão enrugados; murchinhos..., quais suas bocas moles nos fundos dos queixos. Não dão pra tanto falar. Se eu falo tanto é só por precisão. Se não conto, vais escrever o quê? Né?
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quarta-feira, 19 de maio de 2010

ARREMEDO DE GUERRA

Menino – me desculpe pelo menino que o senhor me merece respeito –, meu senhor venha de lá com teu cumprimento e se junte à minha confissão de que é tudo verdadeiro. Tu soubesses de um coronel que estaquearam num pé de pau de umbu sem a devida sua cabeça? Hein? Como é que é? Não foi em um umbuzeiro não? Então, em que foi? Num pé de angico? Que seja ou que fosse tava lá ele. Pois que tal essa? Tu não me crês? Tu estivesses lá? Ó chiste, e então como é que é? Ah... Lesses? E por que não? Só por ter saído de minha boca seu excomungado? É? Contes tu aí então uma verdade. A gente racha as duas e divide a crença. Tem nada a sobrar, não senhor.
Pro modo ser acreditado caminho até sobre braseiro vivo e nem carece esperar a festança do santo dos fogos. Arme uma agora lá no terreiro, neste instantezinho, e vamos lá. Pimba! Atravesso que nem o Diabo me pára. Queres testemunhos? Seu Dadinho ta lá mesmo pra confirmar tudo. O Seu Dadinho da birosca da moenda de caldo de cana caiana. Ta aí coisinha boa docezinho da alma. A, pois vai daí que provo não ter medo de nada não senhor. Esta tua cara é de dúvida? Eu? Medo de assombração e vá lá o que possa ser? É de se me vendo correr, eu desembestado e descamembado por causo de fantasmas? Ó xente! Isto tudo é estória de Trancoso, daquelas que as crianças gostam de escutar. Vocês ainda dão veracidade a essas estórias sem pé e nem cabeça? Preste à atenção: fantasmas nem nos cemitérios se encontram mais hoje em dia não. Duvida? Encontra não senhor, te garanto. Quem vai pra ali se enfurna de debaixo a sete palmos de chã adentro, com terra por riba e uma cruz marcando o lugar de descanso do dito cujo finado. Tem jeito? Se tu descobrires um jeito do finado defunto se levantar e sair a dar umas voltinhas pelas alas dos campos santos, me avise não. Não quero nem tomar tenta de modo arrepiante como esse. Mas, sim, to de brincadeira. Jocosidade minha. É bom pro relaxo. Carece de medo não. Eu?
To garantindo que não temo nada, nadinha, e tu ainda duvidas? Te acomodes ao lado de uma campa e passe a noite acolá. Pensas que vais ver alguma coisa? Engano meu senhor. Tu te enganas. Todos acolá tão quietinhos, quietinhos. Já vivi perto dum local desse e jamais meus olhos, estes dois aqui mesmos, sim, estes dois bem abertos agora, agorinha, viram qualquer coisa diferente se mexendo dentro dos muros. Os que tão lá querem é mais descanso porque as batalhas da vida já esgotaram as paciências deles. Passar longos tempos no eito dos secos das caatingas ou nos cerrados esturricados de Sol não é pra qualquer. Tem que ser macho, macho-cho, meu senhor. Se o cabra não tiver essa valentia, melhor é se vestir de mulher-dama e dá seus pinotes por ai que nem quenga desavergonhada. Falo e sustento. Ainda não topei com um que me desdissesse. Por medo? Creio não. Estás me vendo? Então podes reparar que sou de paz. A natureza não me deu roupagem de valente não. Sou quieto de gestos, mas inquieto de boca. Falo que só. Mas não se diz: quem não fala nada sabe?
Hoje tu vês esses molequezinhos todos enfunados porque são dotados de peitoral saliente braços fortes e valentia à flor da pele? Pois eu não.
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terça-feira, 18 de maio de 2010

ARREMEDO DE GUERRA

Meu embornal ta vazio e anda assim por dias. Nada vejo no horizonte que é uma linha, diz imaginária. Será ou em antes não será? Neste mundão de terras secas, aflitas e esgotadas por falta de chuvas, o que se esperar delas, coitadas? Nada não se dá se não plantar se não se regar – aí precisa dágua, a, pois; e cadê ela – para o gênero alimentício se mostrar cheio de sorrisos... Não carece mágica não senhor. Mágica só nos circos mambembes e chinfrins, e bobas que só. To indo pro meu destino. Qual que é? Sei não. Aonde será sei também não. Caminhos são muitos pras minhas pernas comerem. Há um magote deles na minha frente, mas, porém uns, acho eu com meus botões, me carregam pro modo de muito sofrer. Quase todos ou todos levam pras caatingas que me são familiares sim senhores. Inda em um ano desses passei nos rumos do antigo arraial de Canudos. Em antes tava tudo derreado, liso aos chãos, soltando fumaceira com cheiro de pólvora. Tudo rasteiro, rasteiro que só. Nunca que eu tivesse visto coisa igual em antes. Jamais! Tudo sapecado de negridão, com carroças... Quero me explicar: carroças não, restos delas de pernas pros ares. Os ventos fortes batiam naqueles sobejos de rodas que giravam e giravam como numa canção dolente e dolorosa. De noitinha aqueles gemidos fúnebres espantavam as pessoas que se iam pra igreja reconstruída. Foi posta rasteira ao chão por um tiro de canhão, me lembra bem.
Que grande desgraceira se deu por ali. Sim, posso garantir, pois que eu lá estive de soldado mais uns amigos e um inimigo. Inimigo mas não muito. Hás de ver. Contei não? Haja que me deva ter esquecido, mas temos tempo.
Mas em lá chegando topei-me fuçando um cantinho do terreno cinéreo a um botão dourado jeitoso de conservado. Pelo jeito era de farda de algum combatente da República tocado praquelas bandas. Quem sabe não seria do fardamento de Chico Danado que se finou na última batalha já em seu finalzinho? Ele tão valente, corisco e tão destemido... Ninguém não contava com aquilo não. Luta encarniçada aquela. Conta-se até os dias atuais que se finou foi gente. Conta-se, mas careço não em saber. Vivi aquilo tudo com meus pés fincados nos campos de batalhas. Estes olhos já cansados viram gentes mortas, de todas as idades e tamanhas; bichinhos pequenos e graúdos foram todos à terra rasa. Tinha essa de guri não, que isso era coisa de gauchada que se misturaram a nós. As balas avoavam zunindo e assoviando, e se queimando e furando as cabecinhas inocentes. Era de tu veres meu senhor. Elazinhas morriam com os dedinhos nos garranchos dos gatilhos provando que deram neles até o fim. Judiação sem nome. Havia precisão não de se finarem com os dedinhos nos gatilhos. Aposto que não sabiam brincar de pique de esconde-e-esconde de corda e de escutar estórias de Trancoso, mas sabiam carregar arma-de-fogo, maior que elas, e de atirar também. E como! Possa me crer, meu senhor. Vou inventar pra quê? Um sujeito que nem eu se lorotas soltar, inventando estórias, perde a confiança dos demais. Já se viu coisa pior que não ser mais acreditado por outros iguais? Vixe que quero pensar não! Nunca que jamais se arriba. Nem com a reza mais braba e nem com o corpo fechado, que não fecha mais nunca! Ô vote!
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segunda-feira, 17 de maio de 2010

ARREMEDO DE GUERRA

A partir da presente data estarei publicando, por páginas, ao modo folhetim, o meu livro "Arremedo de Guerra" narrado pelo personagem Mariano Bello, chamado Bé, que por lá esteve metido até o pescoço em fuga a um padre com sede de vingança.

APRESENTAÇÃO

Oi gentes! To escrevendo uma estória verdadeira que o meu conhecido Paes e Puerta, um filho de espanhóis e de profissão escrevente de Cartório de Registro de Imóveis Históricos, passa pras folhas de meus cadernos comprados tão só para este fim.
Já tem por aí outro livro, oficial, como dizem, enchendo algumas prateleiras das casas de livreiros das cidades, mas não sei dizer se é tão completo e dorido como o meu, que é fruto da experiência vivida na frente das linhas de lutas, já que servi o exército republicano de armas nas mãos atirando e finando muito jagunço fosse esse tal homem mulher ou criança, em vez de uma caneta de pena de peru molhada num tinteiro e sentado a certa distância das refregas, só relatando como faz agora Paes e Puerta livre de perigos e por mim pago, muito bem, para tal oficio de momento na paz desses dias.
A minha vaidade, depois de tantos sofrimentos e perigos, me manda dar uma de escritor para que fique aos meus descendentes a estória de Canudos bem explicada como viram esses meus olhos que um dia a terra há de comer. Mas, enquanto a terra não comer os olhos, nem minha língua, melhor achei era ditar ao meu amigo escrevente, que tem mais jeito nesses causos, os fatos que serão narrados aqui.
Não sei ainda como vou fazer pra ver a estória virada em livro e se espalhar também por prateleiras dessas casas que vendem mapas, cadernos e livros escolares e de escritores. Vocês vão achar diferente a narração. É que por respeitar o modo de falar dos nordestinos paraibanos, e de outras plagas do nordeste, pedi que o escrevente nada mudasse na minha maneira de me expressar para ficar mais original e diferente do outro, que é cheio de salamaleques, de palavreado chique e difícil de entender, e também porque é o que eu sei de nossa língua. Mas haja que foi bem escrito o outro e que não ficaria melhor numa literatura de cordel, pois que nunca que eu vi um de cordel tão volumoso como o daquele cavalheiro gentil e jornalista, além de cientista, mas muito sério, daqui do Rio de Janeiro onde me encontro agora depois de voltear por grande parte das caatingas, dos cerrados e dos desertos do nordeste.
Então, faço a minha solicitação educada: não peço julgamento antecipado, mas gozem o prazer de uma leitura (o Paes e Puerta me ajudou no parágrafo) diferente, original, com a alma mesma do linguajar daquela minha gente boa e simples do nordeste do país. Essa obra, minha primeira, e espero seja a última (ele continua a me orientar), não teve revisão. Sai das páginas dos cadernos como saem os pães das bocas dos fornos das padarias: como são e prontos pra se comer. Se você leitor apanhou esse exemplar que está em suas mãos e abriu as primeiras folhas, é possível que se aventure a ler todo o resto (o escrevente ainda me ajuda). Tua vais rir, chorar, ficar indiferente em alguns trechos, mas não poderás dizer depois que não gostou de nem uma só linha do livro “Arremedo de Guerra”, porque Canudos foi mesmo uma mangação de guerra chinfrim. Saí de minha casa e me mandei pros campos de luta. Angicos era a minha terra, mas não foi de lá que eu fugi pras minhas muitas andanças. Contarei depois.
Bom, chega de conversas fiadas. Vamos aos finalmente que é o que interessa. Ta aí a obra de minha cabeça pra os teus olhos se fartarem nos dias de ócio. Obrigado presumido leitor.
Mariano Bello

PS. Se gostarem, muito bem. Desgostando fica assim mesmo
e de todo pronto. Não me zango; pelo contrário: fico grato.

terça-feira, 4 de maio de 2010

FUMANTES NÃO TÊM DEUS NO CORAÇÃO - J.Serra

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Serra declara: Fumantes não têm Deus no coração

“A pessoa que fuma sabe que o cigarro vai fazer mal, mas continua assim mesmo. Depois, adoece e mesmo assim continua fumando. Assim, é uma pessoa sem Deus. Sabe que Ele está ali, mas não o procura”.

José Serra em discurso proferido durante o 28º Congresso Internacional de Missões.

Sinceramente, custei a acreditar que José Serra tivesse de fato dado tal declaração. Não me assustaria se ela tivesse partido de uma Sara Palin ou de um George Bush. Ou então, em nossa política nativa, figuras exóticas como Heloísa Helena, Marina Silva, Marcelo Crivella ou qualquer outro político que não conheça a barreira entre religião e Estado (laico), entre políticas públicas e liberdade individual, eu acreditaria, mas partindo de José Serra, ex-presidente da UNE, ex-ministro da Saúde, cair nesse discurso infantil a fim de coletar votos entre os segmentos ligados a um fundamentalismo abjeto, sinceramente me causou certo espanto.

Até onde um homem pode chegar na ânsia pelo poder? Jogar na lata do lixo a própria biografia?

E mais, José Serra disse isso no 1° de maio, o ex-governador paulista preferiu o refugio religioso a comemorar o Dia dos Trabalhadores, num evento para o qual o governo de Santa Catarina e a Prefeitura de Camboriu, ambos administrados por correligionários de Serra, destinaram R$ 540 mil para a sua realização.

Lembrei-me dum ótimo artigo da Folha de São Paulo, assinado por João Pereira Coutinho e publicado em agosto de 2006. Eis o artigo:

A guerra acabou

George Steiner, um dos últimos casos de cultura e civilidade que interessa ler com atenção, escreveu recentemente um breve ensaio. Sobre a idéia da Europa, intitulado "A Idéia da Europa". Ambição estimável: mostrar como a Europa possui uma unidade cultural e até espiritual que a distingue dos outros cantos do globo. Para Steiner, a Europa, a sua Europa (que, de certa forma, é minha também), surge como herança maior de Atenas ou Jerusalém, ou seja, como herança maior do pensamento racional e das grandes teologias judaico-cristãs. É igualmente um espaço que é possível calcorrear a pé, permitindo um confronto permanente com praças ou pracetas, ruas ou avenidas, que transportam no nome um pedaço de história ou memória. Como se houvesse em cada esquina a sombra inapagável de um passado de mortos.

Mas a Europa é também a Europa dos "cafés": ao contrário do "pub" inglês ou do bar americano, os cafés da Europa não são apenas locais utilitários de bebida ou refeição. São espaços de encontro, romance, discussão ou criação. Espaços de fumo e bebida. Vadiagem, malandragem. E em cada café da Europa existe também a presença invisível dos que o habitaram: Kraus em Viena; Pessoa em Lisboa, Sartre em Paris; e porque a ficção se mistura tantas vezes com a realidade, os gangsters de Isaac Babel nos cafés de Odessa. Porque a Europa dos cafés estende-se da Lisboa de Pessoa à Odessa de Babel.

Leio o pequeno livro de Steiner e não posso deixar de sentir uma certa nostalgia. A descrição do autor talvez seja útil para entender a Europa. Mas que Europa? A Europa do passado? Sem dúvida. Mas sobre a Europa do presente, o sábio George está equivocado. Não apenas pelo declínio cultural que a Europa conheceu depois da Segunda Guerra Mundial, quando o "espírito do tempo" emigrou para Nova York, e não mais para Londres ou Paris. Mas porque na Europa, e sobretudo na Europa dos cafés, dificilmente encontramos o ambiente físico e espiritual que Steiner retrata. A vida intelectual é hoje essencialmente solitária e privada, onde os escribas vão cultivando os seus feudos, e os seus ódios, sob a luz triste da existência suburbana. E sobre beber ou fumar, a maioria dos cafés do continente já foi abolindo o último vício, esperando-se que se ocupe agora do primeiro. Os cafés da Europa serão, a prazo, jardins infantis.

O "espírito do tempo" não emigrou apenas para outras paragens. Ele foi destruindo uma cultura de adultos, entregando as rédeas do mundo à ideologia patética da juventude. Não admira, por isso, que o último passo tenha sido dado nos últimos dias: uma empresa irlandesa publicou um anúncio de emprego. E estabeleceu: fumantes escusam de se candidatar. De acordo com o diretor da empresa, pessoas que fumam não revelam a inteligência necessária para trabalhar no covil irlandês. E cheiram mal. E são insuportáveis para terceiros.

O gesto indignou algumas consciências políticas e uma eurodeputada britânica resolveu levar o caso à Comissão Européia, que pastoreia e vigia a vida do continente. Será legítimo excluir do trabalho alguém que fuma? A Comissão respondeu afirmativamente: a Europa proíbe a discriminação no emprego com base na raça ou etnia; na deficiência; na idade; na orientação sexual; na religião ou nas crenças. Mas não necessariamente quando uma empresa faz juízos objetivos sobre escolhas individuais. O problema já não está na mera possibilidade de proteger os não-fumantes do vício de terceiros, disponibilizando espaço próprio para os últimos. O problema está, tão só, na mera existência dos viciosos, que devem ser erradicados da paisagem comum.

Por favor, escusam de me enviar mensagens indignadas. A guerra acabou e, de certa forma, vocês, fanáticos, venceram. A luta contra o tabaco nunca foi uma luta pela saúde dos "passivos" (o que seria compreensível). Foi simplesmente uma luta contra a liberdade individual em nome de uma utopia sanitária: os fanáticos não desejam apenas que o fumo não os perturbe; desejam que a mera existência de um fumante também não. É a intolerância levada ao extremo e servida numa retórica simpática e humanista. E agora com cobertura legal.

A prazo, essa luta não irá ficar apenas pelo fumo: pessoas gordas; pessoas que bebem; pessoas que desenvolvem atividades sexuais promíscuas; pessoas inestéticas; pessoas que não se adaptam à cartilha higiênica das patrulhas serão enxotadas, como ratazanas da espécie, de qualquer presença visível numa sociedade crescentemente dominada pelo culto da saúde. Seremos como as tribos primitivas, elevando o corpo a um novo deus. Caprichosos e cruéis.

George Steiner, no mesmo ensaio, afirma que a Europa só não morrerá se souber preservar as suas "autonomias sociais": línguas, tradições, liberdades, excentricidades. E, citando o célebre dito de Aby Warburg, relembra que "Deus está nos detalhes".

Pobre George. Pobres de nós. De que vale o otimismo de um sábio quando os bárbaros são recebidos como heróis?
Postado por Hudson Luiz Vilas Boas