Como a história deve contar, e depois tu hás de ver toda a verdade, a marcha para Angicos foi enfadonha demais. Era um arrastar de tralhas sem necessidade, armamentos e apetrechos por cima dos uniformes quentes que nem boca de forno, além do sol brabo, que parecia não se por nunca, a nos deixar louco por água pra banhar a carcaça e pra beber. Tudo lá para aquele outro inferno de lugar era condenatório a nós. O castigo tava mais longo do que se merecia; as maldades dos nossos comandantes não tinham parança. Eram suadouros todos os dias, no meio do poeiral, que enchia nossas gargantas de secura. As nossas línguas, pelo menos a minha era assim: formava uma esponja que não tivesse nada a sugar. A gente cuspia tijolinhos por não termos mais saliva. Que agonia... Só foi mesmo quebrada com os primeiros lances do foguetório brabo que partia de todos os lados sem que a gente pudesse ver os condenados. De pronto, derrearam-se muitos dos nossos já que não se esperava um assalto tão cedo. A gente havia visto sinais de passagem de cabras pelos caminhos: fogueiras aqui e acolá já apagadas, mas algumas saindo ainda fumaceira fraca, azulada, e restos de ossada de bicho como ouriço e tamanduá. Os generais sabiam que estávamos no meio do inimigo, mas, porém, todavia nunca se ia descobrir de onde partiriam os primeiros tiros. Eles caíram em cima de nós como chusma de aloprados portando clavinotes, nossos já conhecidos, bacamartes, fuzis assenhoreados de nossas tropas em fuga, adagas, lanças, foices e ancinhos numa ferocidade de congelar pelo repente do causo qualquer nossa iniciativa de combate ou de defesa. Atiravam, cortavam, desmembravam, espetavam e desapareciam como mágica. E os nossos tiros pegavam mais os nossos próprios companheiros do que os deles. Foi nesse emboscada – e não foi só esta não – que o padre, coitado, se finou depois de uma foiçada que lhe abriu do ombro até quase à barriga um lanho que nem pá de porco. Coisa feia de se ver. Pelo menos dois descansaram: ele e eu. Ele porque, tendo carência de sua ferramenta de fazer filho, sofria muito um sofrer sem trégua. Iria sofrer pra sempre. E eu porque já não carecia de tanta atenção nos movimentos dele, nem os meus amigos que me resguardavam de um seu ato covarde. Mas acreditava, quando me disse pretender me ver por terra sem vida, não acreditando, por outro lado, que fosse atentar contra a minha vida em momentos em que não se podiam vislumbrar quem atirava em quem.
Mas essa batalha foi a mais cruel no meu modo de ver do que as demais anteriores em que fugimos por necessidade estratégica de sobrevivência. Os chãos duros e poentos a um só tempo se encheram de sangue demais dos nossos companheiros mais chegados, menos o do padre, infeliz, que em meio à fumaceira foi abatido que nem carneiro, e nem pode se finar com a glória dos soldados, que é à bala. Quem poderia imaginar um jagunço magricelo com tal força para abrir um homem do alto a baixo? Pois foi assim mesmo. Fiquei livre do velho perigo. E assim se findou a caminhada do padre, moço ainda, longe das mãos do doutor Damasceno e de seus filhos.
Depois de tudo findado, fiquei a remexer em minha cabeça os dias, poucos, passados lá na fazenda do doutor, a resolução do homem e as chamas que subia na direção dos urubus que, avoando em derredor, pressentiam algum acontecido no qual sobraria carniça pra eles. Por pouco aconteceu. Aí fomos contar os mortos e, se possível, enterrar todos porque alguns morreram bem afastados da linha de fogo, por valentia deles lá. Os pobres ficaram ao sol, esturricando devagar e secando que nem múmia do Egito. Quem se atrevesse a se chegar perto deles, era sapecado de balas. O padre quis a Providência Divina, que não abandona seus filhos, que tivesse cova cristã. Pois teve sim, e eu fiz questão de eu mesmo abrir a cova fendendo a terra seca e dura pra botar ele lá dentro. Foi horrível, mas fiz com as tripas embrulhadas.
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DESPESAS COM REFORMAS ESTÁDIOS PARA COPA 2014
Chegou ao meu conhecimento, e muitos devem saber igualmente, que para sediar a Copa de Futebol de 2014 o país gastou verdadeira fortuna em publicidade apelativa. Agora, um PPS recebido de amigos esclarece o montante que se irá gastar para a reconstrução - reformas em estádios já existentes - e construções de novas arenas para a prática futebolística.
O dinheiro não virá dos clubes, pois que a maioria deles anda na "corda bamba", financeiramente falando; muitos agremiações esportivas se acham mesmo no "vermelho": salários atrasados, encargos sociais nas mesmas condições e outros problemas inerentes ao mundo de negócios do futebol. Pois pasmem: o montante dessa despesas com estádios para a Copa de 2014 atingirá, de saída, R$ 5.713 bi. É uma "bagatela", para um país que nada em dinheiro, que distribui entre os países irmãos vultosas somas, que perdoa dívidas elevadíssimas aos países africanos e ainda financia não sei que obras ou situações na Grécia. Melhor é lacrar os cofres da Previdência, a fim de se evitar futuros transtornos àquela instituição e aos seus beneficiários.
O dinheiro não virá dos clubes, pois que a maioria deles anda na "corda bamba", financeiramente falando; muitos agremiações esportivas se acham mesmo no "vermelho": salários atrasados, encargos sociais nas mesmas condições e outros problemas inerentes ao mundo de negócios do futebol. Pois pasmem: o montante dessa despesas com estádios para a Copa de 2014 atingirá, de saída, R$ 5.713 bi. É uma "bagatela", para um país que nada em dinheiro, que distribui entre os países irmãos vultosas somas, que perdoa dívidas elevadíssimas aos países africanos e ainda financia não sei que obras ou situações na Grécia. Melhor é lacrar os cofres da Previdência, a fim de se evitar futuros transtornos àquela instituição e aos seus beneficiários.
terça-feira, 29 de junho de 2010
QUEIMADAS EM JOSÉ BONIFÁCIO - SP
José Bonifácio é um município do Estado de São Paulo. Pequeno, acolhedor, ordeiro e com uma população que prima por manter sua cidade natal isenta de poluições, que é o que mais vemos na maioria das cidades brasileiras. Mal do século? Pode ser. Acho, no entanto, que é um mal de caráter generalizado, uma indiferença às coisas corretas e saudáveis. O homem deste nosso século parece se dar bem vivendo entre os mais diversos tipos de poluição. A preocupação das autoridades, conquanto pareçam estar voltadas exclusivamente ao combate de agentes poluidores, estão focadas apenas em números e em estatísticas economicas; em o crescimento do PIB, em o montante das reservas do superavit primário e às suas relações comerciais aos governos alienígenas e, ainda, mais focados aos problemas políticos de países como Irã, Venezuela e outros que vivem em brigas de cachorros doidos entre si.
Pois em José Bonifácio alguns desejam o continuismo da prática condenável das queimadas de seus canaviais, sem lembrar a vida da fauna animal que permeia não só as plantações de cana como as matas ciliares que cercam o município. E o povo? o povo, que vive no munícipio, concorrendo para o progresso da cidade e para a conservação de uma atmosfera limpa e respirável, esse vem sofrendo igualmente a essas queimadas criminosas. Agôsto ai está batendo às nossas portas; é nessa época, em geral, que aumenta o fogo nessas plantações. A fuligem se espalha por todos os cantos; crianças, e idosos principalmente, sofrem mais com a fumaça, que sobe como um cogumelo atômico e por isso nefasto.
No entanto, um cidadão se bate contra a muralha das autoridades indiferentes em seu município. Dizem, essas autoridades, que sem uma Lei Municipal não se pode efetuar fiscalizações corretivas ou punitivas aos que infringem o código natural de respeito à Natureza que engloba, num todo, pessoas, plantas e animais domésticos ou não.
Esse cidadão, de elevada religiosidade e espírito cívico, tem nome: Rivaldo R. Ribeiro. Luta com as suas armas, com a sua capacidade intelectiva, com o seu amor pela cidade que o tem como morador: seu www.aldeia.mundus.zip.net é uma dessas armas. Agora, ele prepara um novo, para abranger de maneira mais positiva seus longos e angustiantes gritos a favor de seu município e munícipes. Esse jovem, sem apoio de autoridades locais e sem quaisquer financiamentos, vem mantendo na net um verdadeiro painel de verdades e de pedidos de socorro, não só à sua cidade de José Bonifácio como a muitas outras que sofrem dos mesmos disturbios criminosos.
Será demais solicitar, rogar, invocar às autoridades que desviem seus olhares a esses absurdos e aprovem uma Lei Municipal proibindo as queimadas de canaviais?
A Luta do jovem Rivaldo R. Ribeiro precisa de coadjuvantes, e urgentemente.
Pois em José Bonifácio alguns desejam o continuismo da prática condenável das queimadas de seus canaviais, sem lembrar a vida da fauna animal que permeia não só as plantações de cana como as matas ciliares que cercam o município. E o povo? o povo, que vive no munícipio, concorrendo para o progresso da cidade e para a conservação de uma atmosfera limpa e respirável, esse vem sofrendo igualmente a essas queimadas criminosas. Agôsto ai está batendo às nossas portas; é nessa época, em geral, que aumenta o fogo nessas plantações. A fuligem se espalha por todos os cantos; crianças, e idosos principalmente, sofrem mais com a fumaça, que sobe como um cogumelo atômico e por isso nefasto.
No entanto, um cidadão se bate contra a muralha das autoridades indiferentes em seu município. Dizem, essas autoridades, que sem uma Lei Municipal não se pode efetuar fiscalizações corretivas ou punitivas aos que infringem o código natural de respeito à Natureza que engloba, num todo, pessoas, plantas e animais domésticos ou não.
Esse cidadão, de elevada religiosidade e espírito cívico, tem nome: Rivaldo R. Ribeiro. Luta com as suas armas, com a sua capacidade intelectiva, com o seu amor pela cidade que o tem como morador: seu www.aldeia.mundus.zip.net é uma dessas armas. Agora, ele prepara um novo, para abranger de maneira mais positiva seus longos e angustiantes gritos a favor de seu município e munícipes. Esse jovem, sem apoio de autoridades locais e sem quaisquer financiamentos, vem mantendo na net um verdadeiro painel de verdades e de pedidos de socorro, não só à sua cidade de José Bonifácio como a muitas outras que sofrem dos mesmos disturbios criminosos.
Será demais solicitar, rogar, invocar às autoridades que desviem seus olhares a esses absurdos e aprovem uma Lei Municipal proibindo as queimadas de canaviais?
A Luta do jovem Rivaldo R. Ribeiro precisa de coadjuvantes, e urgentemente.
domingo, 27 de junho de 2010
ARREMEDO DE GUERRA
Ponha-se aí agora meu senhor, com sua letra limpa e bem desenhada, o que foi uma das muitas batalhas encarniçadas da moléstia, que só falando assim mesmo neste linguajar peçonhento, tantas foram às malvadezas de todos os lados: do deles, parecendo leões famintos, atacavam de peitos abertos na maior doideira que já se tinha visto alguma vez na vida, e dos nossos, com fúria igual e na mesma loucura do desarranjo: quero dizer que era cada qual por si. Juntos eu, Antonio Quelé – valente que nem touro de vaquejada – seu mano José, baixinho, amarelo de cor, mas, porém valente igualmente ao irmão, Chico Danado, e muito mais do que isso, e Geraldo Quintão, o moço do queixo fino e da cabeça larga de fazer inveja a muitos dos sertões onde se dormia em rede desde pequerrucho, dando nelas uma conformidade esquisita – verdadeiras “cabeças chatas” nordestinos. Isso mesmo: coloca em destaque a cabeça chata do Geraldo que, naquele, era de verdade. O que tinha de cabeção tinha de miúdo raciocínio, pois nunca vi tanta energia e ódio ajuntado como num casamento de vontades usadas pro modo matar sem pena, sem piedade mesmo, e sorrindo de alegria vendo tombar o inimigo sob sua bala e sob sua baioneta que não parava de furar. O cabra era um corisco, o mais valente de nós quatro e o mais doido também, mas no empate de valentia com o Chico. Eles nem atentavam pro perigo. Ou eles não tinham cérebros ou queriam se matar logo de uma vez por todas e acabar com aqueles sofreres que empanzinavam os peitos nervosos. O cabra foi chamado à atenção pelo comandante do grupamento pra que tivesse mais acautelamento na hora de investir contra a jagunçada, mas não tinha jeito. E o cabra Geraldo, quanto mais lutava mais matava e menos se machucava. Ô cabra danado, e ainda chamavam o Chico de Danado. Danado era o Geraldo. A estória dele vinha de longe. O cabra nunca que teve medo de outro. Uma vez atentou tanto a mulher de um soldado de polícia, que tirou ela dele e de debaixo de sua responsabilidade. Andou mais ela por dias e largou pra lá como um par de botinas sem uso. Aí a amaldiçoada da quenga tentou voltar pro soldado, que não a quis mais. Geraldo foi na casa do pobre e impôs a presença da prostituta de luxo dentro da casa deles. Se ela ficou lá? Pena Geraldo não gostar de tocar mais nesse assunto, que o bicho é bom, mas é esquisitão de maneiras. Ficou. E tinha outro jeito? Sempre foi muito abusado, o cabra. Pois é.
Assim é que ele resolvia as pendengas entre os casais casados ou amancebados, com ou sem filhos. Também..., foi criado dentro de um colégio interno. Apanhou todos aqueles dengos e aquelas diplomacias dos padres Maristas; não se nega que foi bem criado. Só saiu por que não dava mesmo pra padre, que era o sonho de sua mãe viúva. E não que fosse só esta pendenga da mulher do soldado de polícia não. Houve outras, pelo que eu soube, mas não pela boca dele não, que às vezes Geraldo era taciturno como um daqueles monges. Sabes essas coisas de se estudar em colégio de padres? A, pois ficou assim cheio de cismares, de observações e, não se sabe donde, cheio de valentia. Essa valentia parece que foi pra encobrir os anos de bestagem, lá dentro dos muros do colégio. Agora é essa loucura que te acabei de contar. Acho até que ele deseja a morte de uma vez. O cabra é destemido e não toma tento dos perigos que corre. Pena que tu não estivesses lá com a gente. Pena mesmo, mas tu vais ficar sabendo de tudo pela minha boca.
Quero só o teu cuidado nas anotações e se eu errar alguma coisa me avises, por favor.
Então, tem sido assim a vida dessa cabra macho de Pão de Açúcar que não abre mão de sua valentia disposta que parece, como disse em antes, a morrer numa batalha do que em riba de uma cama de luxo, que não tem, de um catre ou de uma enxerga, também ausentes, pois que dorme em rede como quase todos nós.
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Assim é que ele resolvia as pendengas entre os casais casados ou amancebados, com ou sem filhos. Também..., foi criado dentro de um colégio interno. Apanhou todos aqueles dengos e aquelas diplomacias dos padres Maristas; não se nega que foi bem criado. Só saiu por que não dava mesmo pra padre, que era o sonho de sua mãe viúva. E não que fosse só esta pendenga da mulher do soldado de polícia não. Houve outras, pelo que eu soube, mas não pela boca dele não, que às vezes Geraldo era taciturno como um daqueles monges. Sabes essas coisas de se estudar em colégio de padres? A, pois ficou assim cheio de cismares, de observações e, não se sabe donde, cheio de valentia. Essa valentia parece que foi pra encobrir os anos de bestagem, lá dentro dos muros do colégio. Agora é essa loucura que te acabei de contar. Acho até que ele deseja a morte de uma vez. O cabra é destemido e não toma tento dos perigos que corre. Pena que tu não estivesses lá com a gente. Pena mesmo, mas tu vais ficar sabendo de tudo pela minha boca.
Quero só o teu cuidado nas anotações e se eu errar alguma coisa me avises, por favor.
Então, tem sido assim a vida dessa cabra macho de Pão de Açúcar que não abre mão de sua valentia disposta que parece, como disse em antes, a morrer numa batalha do que em riba de uma cama de luxo, que não tem, de um catre ou de uma enxerga, também ausentes, pois que dorme em rede como quase todos nós.
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Prontinho, meu senhor. Já me alarguei nos buchos com as minhas pamonhas, que não como só uma não. To pronto a recomeçar de onde nós paramos. Sabes senhor, esses meus cabelos brancos são prova de tantos sofrimentos, de tantos sustos e alguns medinhos de nada, nadinha. Na época das batalhas de Rancho do Vigário eu era um moço de meus 20 anos. Veja bem e imagine: eu, um cabra acostumado a trabalhar no pesado com meu velho pai na roça tinha músculos até nos dedos. É prosa não; é toda a verdade. Depois, fui prestar serviço a um tio, irmão de minha mãe, numa vendinha. Ali o trabalho não era tão afanado não. Perdi meus músculos, e depois fui dar com os costados numa pequena tipografia. Foi ali que me acendeu o desejo de escrever qualquer besteira porque ficar parado, sem muito movimento, põe coisas na nossa cabeça. Foi então que vi pela vez primeira esses livretinhos cheios de imagens dos heróis das estórias. Desses que se vendem nas feiras-livres. Agora, com cinqüenta e cinco no lombo é que resolvi contar tudo sobre Canudos. Tudo não, que muita coisa me escapou da lembrança. Se me embranqueceram os cabelos é porque tenho muitas aventuras que passarei a te contar. Mas já tem por aí o livro daquele jornalista que tinha aspecto de gente muito educada, mas, porém sendo muito sério demais da conta, sem se rir muito. Mas é que ele não tava em tantos lugares quanto eu estive mais meus amigos e o tal padre. Tudo no combate aos cabras do tal Antonio Conselheiro, que pra bem da verdade, eu jamais que vi. Só se sabia que ele fundou um arraial – o primeiro, em antes do de Canudos – que levou o nome de Bom Jesus. E olhe que as Forças Republicanas não tiveram só esses revoltosos não. Em Lençóis, uma turba invadiu aquilo lá passando depois pelas Lavras de Diamantinas. Beira dos Mendes foi outro lugarejo que caiu nas mãos de outros briguentos e Jequié também foi assolado por outro grupo. Foi à época das revoluções, dos levantes, pois que ninguém tava satisfeito com a derrubada da Monarquia. Mas, porém esses revoltosos não se organizaram como os de Canudos. Lá havia os seus comandantes também. Sei de alguns, que vou dar os nomes: Tonio Vila Nova, Tonio Beato, o “Beatinho”, que de beato nada tinha, Bernabé, Macambira, João Abade, o mais valente e brabo, Pedrão, defensor raivoso de Cocorobó, e outros lá. Todos com casas bonitas – as Casas Vermelhas – nos altos do morro.
Lá por em cima, tudo era harmonioso; todas bem arrumadinha que nem pareciam fazer parte daquela montoeira de taperas escuras; mais na parte baixa do lugar. Mas era nessa parte baixa que a cabralhada de jagunços mostrava sua valentia; ali era o lugar onde a cobra fumava, pitava o Demo e a Morte acampava sorrateira, como um ladrão de galinha faz nas noites.
E houvesse coragem pra uma empreitada de baionetas caladas, de uma luta corpo a corpo com aqueles fanáticos que morriam se rindo, com aquelas gengivas sem dentes, quando não um ali e outro acolá, como num sorriso falho. Eles faziam questão de se mostrar assim: quando sentiam a morte em riba deles, abriam as bocas num sorriso visionário. Eita fanatismo bobo!
Mas assim eles eram sempre que davam a vida pela causa de Canudos. Eram que eram fiéis ao monge barbudo. Podiam morrer todos eles, mas o tal de Antonio Conselheiro havéra de viver pra sempre, até a volta do Rei de Portugal que se finou na batalha de Alcacerquebir. Aquele moço-rei foi um valente, um verdadeiro herói. Assim eram muitas das crianças que por trás das trincheiras de Canudos se finavam em luta de heróis.
Eu atirava com dó nos pequeninos. Eram como formigas, pois em cada tapera desconjuntada daquelas tinha um magote grande de fedelhos valentes como o Rei de Portugal, sim senhor. Foi uma guerra mista, aquela. Não foi só de machos crescidos como havéra de ser.
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Lá por em cima, tudo era harmonioso; todas bem arrumadinha que nem pareciam fazer parte daquela montoeira de taperas escuras; mais na parte baixa do lugar. Mas era nessa parte baixa que a cabralhada de jagunços mostrava sua valentia; ali era o lugar onde a cobra fumava, pitava o Demo e a Morte acampava sorrateira, como um ladrão de galinha faz nas noites.
E houvesse coragem pra uma empreitada de baionetas caladas, de uma luta corpo a corpo com aqueles fanáticos que morriam se rindo, com aquelas gengivas sem dentes, quando não um ali e outro acolá, como num sorriso falho. Eles faziam questão de se mostrar assim: quando sentiam a morte em riba deles, abriam as bocas num sorriso visionário. Eita fanatismo bobo!
Mas assim eles eram sempre que davam a vida pela causa de Canudos. Eram que eram fiéis ao monge barbudo. Podiam morrer todos eles, mas o tal de Antonio Conselheiro havéra de viver pra sempre, até a volta do Rei de Portugal que se finou na batalha de Alcacerquebir. Aquele moço-rei foi um valente, um verdadeiro herói. Assim eram muitas das crianças que por trás das trincheiras de Canudos se finavam em luta de heróis.
Eu atirava com dó nos pequeninos. Eram como formigas, pois em cada tapera desconjuntada daquelas tinha um magote grande de fedelhos valentes como o Rei de Portugal, sim senhor. Foi uma guerra mista, aquela. Não foi só de machos crescidos como havéra de ser.
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E enquanto nós tínhamos folga de guerra, eu ficava pensando na filha moça que aquele padreco sem vergonha fez virar mulher em antes da hora. A menina do doutor Damasceno bem me dizia... Mas em vez daqueles olhos grandes e bonitos, e daqueles cabelos encaracolados e grandes, eu topava com os olhos dos jagunços com os gibões de suas roupas fedorentas e com seus cabelos grandes cheios de pastas gordurosas fedidas. Em vez do fogo dos olhos da moça eu via eram os fogos das bocas de fuzis, clavinotes e pica-paus.
E pro modo que estava eu ali? Pra fugir do padre, e a besta estava no meu encalço e sendo agora vizinho nos campos de guerra. Difícil explicar o fato né? Mas, porém era ele prum lado e eu pro outro. Eu, desconfiado que só, atirava nos jagunços com os olhos no tal padre. Confiava sim nos amigos. José, o mano de Antonio Quelelé, me jurou varar o cabra todinho de chumbo se ele virasse a cabeça pro meu lado na hora do tiroteio. Fiquei tranqüilizado sim senhor. E não era pra menos. Tava que tava resguardada de seguranças a minha vida. Foi a melhor coisa que me aconteceu ao me inscrever no exército da República. Ah, se! Olhe a volta que eu dei até viajar a Salvador! Quem me diria que em chegando lá eu iria topar com eles? Pois foi assim mesmo e foi uma festa de muita alegria. Agradeço, hoje, ao padre velho que tentou me vender o pangaré e a chanche de sair de acolá daquele lugar esquisito. Sai sem gastar um vintém. Dizendo assim muitos podem nem crer na verdade, mas convido algum que queira ir dar um pinote por lá mais eu. Vão ver um cemitério de gente viva! Vixe, cruzes três vezes! Lá só volto acompanhado. Deixei inimigos, não senhor, muito pelo contrário; deixei amigos: o padre e o dono de uma bodega que me vendia pão e café. Aflitos... Nunca mais. Sabes que até me deu vontade de comer? Vamos parar por um pouco? Tu esticas as pernas e eu mato a minha fome. É servido? Não? Ora meu, por causo de quê? Ta bem: aceito a negativa. Não serei eu que vou forçar um cabra bom de escrever comer quando não deseja. Mas, se desejar, venha cá comigo, que eu vou lá dentro passar café fresco e assar um pão velho na brasa. Estejas servido, sem a vergonha dos estranhos. Não mesmo? Então me dês licença que a fome é braba, e quando se faz assim tenho que atender a reclamação do meu estômago. Ainda é tempo de aceitar. To me indo. Com tua licença. Enquanto me enrolo com as coisas da cozinha, vou ditando de lá mesmo. Assim o meu amigo não rompe com a escrita, enquanto eu passo um café. Escreve tudinho sim, até essa nossa conversa boba de cabra faminto. Ta servido, ao menos, de um caneco de café fresco? Ah, sim, pensei que se fosse negar a beber a gororoba. Quer pamonha não? Tem, e muita. Judite deixou pronta, é só botar perto do fogo pra esquentar.
Sabes que essas paradas são até de bom alvitre que aconteça? Por mim não paro pra nadinha; sigo em frente ditando pro amigo, que deve ter muitas outras coisas a fazer. Depois o amigo vê lá com as suas contas o quanto eu irei ficar devendo, mas faço questão de que meu livro saia, que a minha estória seja lida e conhecida seja toda a desgraça que desceu sobre os campos de batalhas lá pelo norte da Bahia. Canudos... Eita lugarzinho esquisito! De tão esquisito era aquele trecho, bem ao norte da Bahia, que a cidade Canudos passou pras bandas leste do estado. E ainda tem outro povoado bom ali perto, progressivo e de gente de paz.
Já lá me vou com a sua caneca de café e uma pamonha. Se lhe apetecer, comas, se não, largues de lado no prato, mas duvido que tu te negues a descascar a pamonha morna e mandar ela pro bucho. Pronto, te sirvas fazendo o favor. Assim eu não como sozinho, que melhor é comer acompanhado. Se tu estivesses lá em Canudos, onde faltava o comer, tu agora não te negavas a comer nem as palmas que se dão aos bois. Sim senhor.
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E pro modo que estava eu ali? Pra fugir do padre, e a besta estava no meu encalço e sendo agora vizinho nos campos de guerra. Difícil explicar o fato né? Mas, porém era ele prum lado e eu pro outro. Eu, desconfiado que só, atirava nos jagunços com os olhos no tal padre. Confiava sim nos amigos. José, o mano de Antonio Quelelé, me jurou varar o cabra todinho de chumbo se ele virasse a cabeça pro meu lado na hora do tiroteio. Fiquei tranqüilizado sim senhor. E não era pra menos. Tava que tava resguardada de seguranças a minha vida. Foi a melhor coisa que me aconteceu ao me inscrever no exército da República. Ah, se! Olhe a volta que eu dei até viajar a Salvador! Quem me diria que em chegando lá eu iria topar com eles? Pois foi assim mesmo e foi uma festa de muita alegria. Agradeço, hoje, ao padre velho que tentou me vender o pangaré e a chanche de sair de acolá daquele lugar esquisito. Sai sem gastar um vintém. Dizendo assim muitos podem nem crer na verdade, mas convido algum que queira ir dar um pinote por lá mais eu. Vão ver um cemitério de gente viva! Vixe, cruzes três vezes! Lá só volto acompanhado. Deixei inimigos, não senhor, muito pelo contrário; deixei amigos: o padre e o dono de uma bodega que me vendia pão e café. Aflitos... Nunca mais. Sabes que até me deu vontade de comer? Vamos parar por um pouco? Tu esticas as pernas e eu mato a minha fome. É servido? Não? Ora meu, por causo de quê? Ta bem: aceito a negativa. Não serei eu que vou forçar um cabra bom de escrever comer quando não deseja. Mas, se desejar, venha cá comigo, que eu vou lá dentro passar café fresco e assar um pão velho na brasa. Estejas servido, sem a vergonha dos estranhos. Não mesmo? Então me dês licença que a fome é braba, e quando se faz assim tenho que atender a reclamação do meu estômago. Ainda é tempo de aceitar. To me indo. Com tua licença. Enquanto me enrolo com as coisas da cozinha, vou ditando de lá mesmo. Assim o meu amigo não rompe com a escrita, enquanto eu passo um café. Escreve tudinho sim, até essa nossa conversa boba de cabra faminto. Ta servido, ao menos, de um caneco de café fresco? Ah, sim, pensei que se fosse negar a beber a gororoba. Quer pamonha não? Tem, e muita. Judite deixou pronta, é só botar perto do fogo pra esquentar.
Sabes que essas paradas são até de bom alvitre que aconteça? Por mim não paro pra nadinha; sigo em frente ditando pro amigo, que deve ter muitas outras coisas a fazer. Depois o amigo vê lá com as suas contas o quanto eu irei ficar devendo, mas faço questão de que meu livro saia, que a minha estória seja lida e conhecida seja toda a desgraça que desceu sobre os campos de batalhas lá pelo norte da Bahia. Canudos... Eita lugarzinho esquisito! De tão esquisito era aquele trecho, bem ao norte da Bahia, que a cidade Canudos passou pras bandas leste do estado. E ainda tem outro povoado bom ali perto, progressivo e de gente de paz.
Já lá me vou com a sua caneca de café e uma pamonha. Se lhe apetecer, comas, se não, largues de lado no prato, mas duvido que tu te negues a descascar a pamonha morna e mandar ela pro bucho. Pronto, te sirvas fazendo o favor. Assim eu não como sozinho, que melhor é comer acompanhado. Se tu estivesses lá em Canudos, onde faltava o comer, tu agora não te negavas a comer nem as palmas que se dão aos bois. Sim senhor.
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Em meio a tiroteios, com possibilidade de você se tornar um defunto, longe de casa e dos parentes, o que mais se pode pensar pra aliviar as tensões dos cuidados que devíamos ter todos os momentos? Dormir? Se desse, seria com um olho fechado e o outro aberto. Bobear naqueles campos dos infernos seria o mesmo que colocar o pescoço na tal guilhotina ou no laço da forca. Pelo menos a lembrança da menina-mulher me dava forças de continuar a pelejar não pela República, que não me merecia por já não vermos pro tempo um prato de comer quentinho, mas por eu mesmo e pelos meus patrícios que se aventuravam nas fileiras do exército.
A tortura de cada qual era de se sangrar por dentro, pois que não se sabia quando poderia se dar outra investida dos jagunços em riba de nossa tropa. Todos os cabras tinham os olhos embutucados pelo receio de balas perdidas. As águas nos cantis esquentavam de quase se poder coar um café. Cacimbas por ali não havia uma só pra salvar a sede de nossa tropa.
Mas, porém o nosso maior entrave era o receio de um combate de baionetas caladas, corpo-a-corpo, sentindo o suor do inimigo nas fuças, sua saliva, suas babas e seus cheiros piores que gambá. Aquelas figuras, só elas, eram o bastante pra amedrontar o mais valente dos cabras.
Eram como fantasmas saídos das bocas de sepulturas apodrecidas. O assombro de todos não tinha medidas meu senhor. Tu queres piores inimigas nossas que a sede e a fome? Eu já nem pensava naqueles malditos esfarrapados, sujos e cadavéricos combatentes do arraial. Pensava era num prato de comer e no beber água fresca. Até que se achou uma cacimba, mas, porém a água tava coberta por uma toalha verde. Era água salobra. Fria, mas venenosa.
Cansou de escrever? A, pois amigo vai ter muito mais ainda. Por causo de que estou falando sobre essa guerra guerrinha dos infernos depois de alguns anos? Ô vote! E precisa de motivação? É que tinha um engenheiro-jornalista por lá cobrindo todos os acontecidos prum jornal de São Paulo. Tu pensas que ele iria contar tudo nos conformes dos detalhes? Ele ficava a meia distância, só de olho, e se escondendo das balas sim senhor. E acabou que morreu duma delas, porém não naquela guerra, mas na casa de um seu inimigo amancebado à sua esposa, às escondidas. Nos descansos das lutas, ele ficava sentado num carroção, ou debaixo de um pé de pau frondoso, fazendo o que tu ta fazendo pra mim agora: escrevendo, escrevendo e escrevendo.
Um dia eu e os meus amigos nos achegamos a ele. Nos sorriu e baixou a cabeça de novo pra não querer conversa mole. As gentes eram cabras matadores. Ele era um desses doutores bem aprumados e arrumados. Educado que só vendo. Era do sul. Era do Rio de Janeiro, mas a educação dele tinha limites. Continuou escrevendo sem mais olhar pra nós. De longe, lá tava o padre ainda de soslaio comigo. E eu de olho nele, eu e os meus amigos. Aquele padre bem podia se finar, mas o tal tinha parte com o demônio; ah, se tinha! Acenou com a mão pra eu. Não careço de acenos nem de mostras de amizade falsas. Quero não. Depois, como eu já disse em antes, cheguei mesmo a me afeiçoar dele com aquela cara de mal amado e mal vivido e sem poder se casar e por filhos no mundo, que agora só essa podia ser a sua missão, se pudesse, mas você já sabe que ele não via como encher uma casa de rebentos. Até que o meu coração é mole demais da conta. Ele acolá, tão só, com seus pensamentos talvez em Alísia, como eu pensava por cá, comigo mesmo. Ele tava ali só pra morrer, que se matar ele não tinha coragem mesmo. Foi o diabo ele entender que se não se castrasse o seu fim era o de virar um churrasco dos grandes, e só fez por não agüentar o calorão que fazia naquele inferno de cabana. Vou guardar pra sempre, pro restante de minha vida, aquela cena dos infernos, sem esquecer que partiu de minhas mãos a sua infelicidade, mas, particularmente, partiu primeiro dele mesmo.
35
A tortura de cada qual era de se sangrar por dentro, pois que não se sabia quando poderia se dar outra investida dos jagunços em riba de nossa tropa. Todos os cabras tinham os olhos embutucados pelo receio de balas perdidas. As águas nos cantis esquentavam de quase se poder coar um café. Cacimbas por ali não havia uma só pra salvar a sede de nossa tropa.
Mas, porém o nosso maior entrave era o receio de um combate de baionetas caladas, corpo-a-corpo, sentindo o suor do inimigo nas fuças, sua saliva, suas babas e seus cheiros piores que gambá. Aquelas figuras, só elas, eram o bastante pra amedrontar o mais valente dos cabras.
Eram como fantasmas saídos das bocas de sepulturas apodrecidas. O assombro de todos não tinha medidas meu senhor. Tu queres piores inimigas nossas que a sede e a fome? Eu já nem pensava naqueles malditos esfarrapados, sujos e cadavéricos combatentes do arraial. Pensava era num prato de comer e no beber água fresca. Até que se achou uma cacimba, mas, porém a água tava coberta por uma toalha verde. Era água salobra. Fria, mas venenosa.
Cansou de escrever? A, pois amigo vai ter muito mais ainda. Por causo de que estou falando sobre essa guerra guerrinha dos infernos depois de alguns anos? Ô vote! E precisa de motivação? É que tinha um engenheiro-jornalista por lá cobrindo todos os acontecidos prum jornal de São Paulo. Tu pensas que ele iria contar tudo nos conformes dos detalhes? Ele ficava a meia distância, só de olho, e se escondendo das balas sim senhor. E acabou que morreu duma delas, porém não naquela guerra, mas na casa de um seu inimigo amancebado à sua esposa, às escondidas. Nos descansos das lutas, ele ficava sentado num carroção, ou debaixo de um pé de pau frondoso, fazendo o que tu ta fazendo pra mim agora: escrevendo, escrevendo e escrevendo.
Um dia eu e os meus amigos nos achegamos a ele. Nos sorriu e baixou a cabeça de novo pra não querer conversa mole. As gentes eram cabras matadores. Ele era um desses doutores bem aprumados e arrumados. Educado que só vendo. Era do sul. Era do Rio de Janeiro, mas a educação dele tinha limites. Continuou escrevendo sem mais olhar pra nós. De longe, lá tava o padre ainda de soslaio comigo. E eu de olho nele, eu e os meus amigos. Aquele padre bem podia se finar, mas o tal tinha parte com o demônio; ah, se tinha! Acenou com a mão pra eu. Não careço de acenos nem de mostras de amizade falsas. Quero não. Depois, como eu já disse em antes, cheguei mesmo a me afeiçoar dele com aquela cara de mal amado e mal vivido e sem poder se casar e por filhos no mundo, que agora só essa podia ser a sua missão, se pudesse, mas você já sabe que ele não via como encher uma casa de rebentos. Até que o meu coração é mole demais da conta. Ele acolá, tão só, com seus pensamentos talvez em Alísia, como eu pensava por cá, comigo mesmo. Ele tava ali só pra morrer, que se matar ele não tinha coragem mesmo. Foi o diabo ele entender que se não se castrasse o seu fim era o de virar um churrasco dos grandes, e só fez por não agüentar o calorão que fazia naquele inferno de cabana. Vou guardar pra sempre, pro restante de minha vida, aquela cena dos infernos, sem esquecer que partiu de minhas mãos a sua infelicidade, mas, particularmente, partiu primeiro dele mesmo.
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sexta-feira, 25 de junho de 2010
TUCANOS PERDIDOS
sexta-feira, 25 de junho de 2010
A novela sobre quem será – e, a essa altura, quem não será – o vice de José Serra ultrapassou os limites da analise política e se transformou em comédia. Afinal alguma coisa está muita errada na cabeça de José Serra e seus companheiros.
Senão vejamos.
Achar que Patrícia Amorim agregará votos porque é presidente do Flamengo ou Valéria Pires Franco porque, pasmem, conta com 12% da preferência dos eleitores no Pará, é coisa de quem pouco entende de estratégia política; de quem está desesperado; de quem não tem discurso; de quem não tem projeto; de quem não conhece o Brasil; de quem não sabe a que veio ou o que fará da campanha. Ou seja, todo esse imbróglio em torno de quem será ou não o vice – ou a vice – de Serra é bem o retrato do atual estágio da campanha tucana.
Aqui em Minas costumamos usar um ditado, talvez até pouco politicamente correto, mas a campanha tucana está mais perdida que ”cego em tiroteio”.
Não fosse a grande força que Serra recebe do Partido do Capital (mídia oligopolizada e mazombeira), sua candidatura estaria derretendo de forma ainda mais rápida.
O desespero a caça de um nome para compor a chapa apenas transparece a falta de sintonia entre um candidato sem ter o que dizer, propor ou mostrar, para uma nação satisfeita com o grupo político que ora governa o país.
Peguemos um exemplo claro da falta de sintonia dos tucanos e da oposição farisaica como um todo com a realidade. Ultimamente deram pra atacar com unhas e dentes a política externa do governo Lula. Pois bem. Política externa nunca rendeu mais 0,0001% dos votos no Brasil, mas a oposição de direita na sua completa falta de criatividade imaginou que pudesse empolgar os eleitores desancando o Itamaraty. Infelizmente, para a oposição, o povo brasileiro – e quando falo povo me refiro ao povão, a gente simples, que, por exemplo, trabalha de dia e à noite cursa o EJA (Educação para Jovens e Adultos) – está orgulhoso pela forma como o Presidente Lula é tratado no exterior e enxergam nele, com razão, o responsável pelo respeito que o Brasil adquiriu junto à comunidade internacional nos últimos anos. Mais que isso, Lula elevou a autoestima dos brasileiros em todos os segmentos e a política internacional não é diferente.
Esse é apenas e tão somente um exemplo da falta de sintonia da oposição farisaica com quem realmente importa, o povão. Para o infortúnio dessa oposição o país está crescendo a taxas que há muito não se via, o desemprego cai vertiginosamente, o acesso à moradia digna, a educação e a saúde melhoraram de forma significativa e o trabalhador a cada dia se vê mais inserido no mundo do consumo – com todos os aspectos positivos e negativos que isso acarreta.
As bandeiras neoliberais empunhadas pelo PSDB/DEMO ou foram confinadas a página virada da historia – flexibilização da CLT, desmanche do setor público etc. – ou surrupiadas pelo PT que as pôs em prática de forma mais eficiente – superávit primário, acumulo das reservas internas etc.
O único fato que poderia dar um alento novo a candidatura Serra seria nesse momento Aécio Neves aceitar a condição de vice. Todavia o governador mineiro, além de vaidoso demais para aceitar o papel de coadjuvante, tem seus próprios planos.
Não que Aécio seja uma sumidade, longe disso, Aécio é na verdade o grande rei da publicidade, pai da mentira e fã do autoritarismo que ele mesmo implantou em Minas. Mas seria um sinal que o PSDB está unido e quer retomar o poder.
Sem Aécio, para usar outro ditado mineiro, Serra ficará na chuva sem pai nem mãe.
Postado por Hudson Luiz Vilas Boas
A novela sobre quem será – e, a essa altura, quem não será – o vice de José Serra ultrapassou os limites da analise política e se transformou em comédia. Afinal alguma coisa está muita errada na cabeça de José Serra e seus companheiros.
Senão vejamos.
Achar que Patrícia Amorim agregará votos porque é presidente do Flamengo ou Valéria Pires Franco porque, pasmem, conta com 12% da preferência dos eleitores no Pará, é coisa de quem pouco entende de estratégia política; de quem está desesperado; de quem não tem discurso; de quem não tem projeto; de quem não conhece o Brasil; de quem não sabe a que veio ou o que fará da campanha. Ou seja, todo esse imbróglio em torno de quem será ou não o vice – ou a vice – de Serra é bem o retrato do atual estágio da campanha tucana.
Aqui em Minas costumamos usar um ditado, talvez até pouco politicamente correto, mas a campanha tucana está mais perdida que ”cego em tiroteio”.
Não fosse a grande força que Serra recebe do Partido do Capital (mídia oligopolizada e mazombeira), sua candidatura estaria derretendo de forma ainda mais rápida.
O desespero a caça de um nome para compor a chapa apenas transparece a falta de sintonia entre um candidato sem ter o que dizer, propor ou mostrar, para uma nação satisfeita com o grupo político que ora governa o país.
Peguemos um exemplo claro da falta de sintonia dos tucanos e da oposição farisaica como um todo com a realidade. Ultimamente deram pra atacar com unhas e dentes a política externa do governo Lula. Pois bem. Política externa nunca rendeu mais 0,0001% dos votos no Brasil, mas a oposição de direita na sua completa falta de criatividade imaginou que pudesse empolgar os eleitores desancando o Itamaraty. Infelizmente, para a oposição, o povo brasileiro – e quando falo povo me refiro ao povão, a gente simples, que, por exemplo, trabalha de dia e à noite cursa o EJA (Educação para Jovens e Adultos) – está orgulhoso pela forma como o Presidente Lula é tratado no exterior e enxergam nele, com razão, o responsável pelo respeito que o Brasil adquiriu junto à comunidade internacional nos últimos anos. Mais que isso, Lula elevou a autoestima dos brasileiros em todos os segmentos e a política internacional não é diferente.
Esse é apenas e tão somente um exemplo da falta de sintonia da oposição farisaica com quem realmente importa, o povão. Para o infortúnio dessa oposição o país está crescendo a taxas que há muito não se via, o desemprego cai vertiginosamente, o acesso à moradia digna, a educação e a saúde melhoraram de forma significativa e o trabalhador a cada dia se vê mais inserido no mundo do consumo – com todos os aspectos positivos e negativos que isso acarreta.
As bandeiras neoliberais empunhadas pelo PSDB/DEMO ou foram confinadas a página virada da historia – flexibilização da CLT, desmanche do setor público etc. – ou surrupiadas pelo PT que as pôs em prática de forma mais eficiente – superávit primário, acumulo das reservas internas etc.
O único fato que poderia dar um alento novo a candidatura Serra seria nesse momento Aécio Neves aceitar a condição de vice. Todavia o governador mineiro, além de vaidoso demais para aceitar o papel de coadjuvante, tem seus próprios planos.
Não que Aécio seja uma sumidade, longe disso, Aécio é na verdade o grande rei da publicidade, pai da mentira e fã do autoritarismo que ele mesmo implantou em Minas. Mas seria um sinal que o PSDB está unido e quer retomar o poder.
Sem Aécio, para usar outro ditado mineiro, Serra ficará na chuva sem pai nem mãe.
Postado por Hudson Luiz Vilas Boas
quinta-feira, 24 de junho de 2010
ARREMEDO DE GUERRA
Sei, sei, mas às vezes me chega ao miolo algumas passagensinhas já por mim deixadas de contar que penso já ter contado em antes, mas é sempre bom alvitre isso que o senhor teve o favor e cuidado de registrar em seu caderno escolar. Mas, porém estou só arrelembrando. Nós já vamos, já e já, retornar a esse capítulo ingrato, mas já em outro lugar, que em Uauá e em Cambaio, em janeiro já falado, se soube que também fomos batidos pelo fogo amaldiçoado dos jagunços. Foi mais uma carreira vergonhosa. Pra que a tal República se era fraca já nas fileiras do exército? E sendo até aquela segunda vez, como se iria consertar o que não tinha conserto até àquelas datas? Razões não me têm de sobra de me fazer estas perguntas modo minhas dúvidas da valentia dos nossos soldados? A, pois, que fiz na época aos gritos, no calor das refregas (talvez pra eu mesmo), no triscar das balas que tracejavam o ar, abrasadas como pontas de charutos, modo me darem coragem bastante pra agüentar aquele tiroteio dos infernos; e quando as fumaças de ambos os lados, que acompanhavam as bocas de fogo de clavinotes, canhões e de metralhadoras se adensavam, igual a uma cortina de filó de uma casa de prostitutas, era sinal de que a refrega chegava ao ponto alto. Tombavam centenas do nosso lado, que os dos lados de lá não se viam e nem eles se deixavam ver. Era sangueira pra todos os cantos, gemedeiras de fazer tremer um carvalho de mais de quinhentos anos meu senhor. A caatinga gemia de choro fúnebre, se derreava de luto, se enegreciam de pólvora as pitombeiras e as mangabeiras, tão saborosas, mas que naquelas horas tinham o sabor da morte ingrata, do abandono nos campos de luta e o fim tão perto nos fios das foiçadas e dos porretes da jagunçada sem piedade. Vixe que foi coisa assombrosa essa batalha do Campo do Vigário do dia 18 de janeiro de 1897. Diz-se que matamos 115 jagunços. Dia seguinte, tu anotes ai, por favor, pra não perder um mínimo detalhe, saímos em marcha para Canudos dispostos a acabar de vez com aquele ninho de revoltosos. Cabras brabos demais da conta, aqueles. Mais mortes, mais feridos, mais perdidos sem se saber vivos ou finados. Trezentos jagunços mortos, dizem. Não sei se pra alevantar a moral da tropa. Em Bendegó de Baixo, se dá mais uma batalha sangrenta. Aí caiu o número de jagunços finados. Os canhões Krupps, pesados como elefantes, afundavam nos terrenos arredios; já contei isso. Os corações das tropas batiam nas gargantas. O padre tava só de longe de soslaio, me mirando. Tinha escapado ao foguetório, assim como eu e todas as minhas amizades que cresceu ali nas fileiras do exército republicano, que eu sou de fazer boas amizades por me achar um amigo de verdade, sem dengos e arremedos de sincero. Por fim, com o passar das refregas, fui me afeiçoando ao padre castrado por si próprio por ter, até ali, cumprido com a sua palavra empenhada a mim de que não iria atentar contra a minha vida, mesmo porque se pegasse ele nessa injúria ordinária e covarde passava pela Corte Marcial e seria ali mesmo, a frente de toda tropa, fuzilado ou enforcado. Queria não esse fim pra ele, que no fundo, duplico a afirmativa, ele não foi o único culpado não; bem que a menina-mulher Alísia teve sua parcela grande de culpa, pois que com aqueles olhos de azeviche e olhares oferecidos endoidava qualquer cabra. Eu gosto de ficar pensando naquela desgramenta, nos momento de nossos altos no fogo à bala.
Já que eu não pude andar ao lado dela pro resto dos meus dias, trago ela aqui pra dentro da cabeça, que assim ela não tem a força da tentação sobre Mariano Bé. Mas até que me arrependi de não ter me engalfinhado com aquelazinha em numa soca de mato alto, modo fazer ela mais mulher do que já era. Coisa de endoidar qualquer bispo, arcebispo, capelão ou Papa. Nunca que tinha visto menina jambo tão jambo e tão assanhada só nos olhares por debaixo da cabeleira encaracolada sobre os ombros bem feitos. Naquelas curvas eu me derreava. Se!
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Já que eu não pude andar ao lado dela pro resto dos meus dias, trago ela aqui pra dentro da cabeça, que assim ela não tem a força da tentação sobre Mariano Bé. Mas até que me arrependi de não ter me engalfinhado com aquelazinha em numa soca de mato alto, modo fazer ela mais mulher do que já era. Coisa de endoidar qualquer bispo, arcebispo, capelão ou Papa. Nunca que tinha visto menina jambo tão jambo e tão assanhada só nos olhares por debaixo da cabeleira encaracolada sobre os ombros bem feitos. Naquelas curvas eu me derreava. Se!
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ARREMEDO DE GUERRA
E eu que tava com boa parte de minha pequena fortuna por dentro do cós da calça do uniforme? Sem o meu velho paletó axadrezado, onde eu botaria aquelas notas graúda? Se ferido eu fosse à primeira coisa que fariam era folgar o cós da calça modo respirar melhor. De que me serviria aquele montão de notas se a vítima que me fez ganhar aquilo tudo tava ali mesmo na minha pegada? E se eu morresse, pra quem iriam mandar todo aquele montão de dinheiro? Sei que tava ali pra viver ou pra morrer. Eu e todos os demais. Então como bom amigo chamei os meus iguais de minha terra e dividi com eles a minha fortuna. Resolveu-se, ali mesmo, que se um de nós tombasse os outros, se estivessem por perto, deviam recolher a parte do extinto e dividir mais uma vez com os vivos e assim até o último.
Quanta boba preocupação. No final, se todos tivessem se finado, algum dos outro, estranhos ia encontrar a fortuna. E se fosse o tal padre, aí ele estaria pago de tanta desgraceira que lhe haviam feito? Me acalmei, depois de raciocinar assim. Pro céu ou pro inferno eu não iria mesmo levar aquilo; nem eu nem os colegas e nem o padre. Aquilo era coisa do chão da terra das maldades feitas. Aceitei pensar desse modo. Fiz certo? Fiz, a, pois? A morte se ali chegasse pra qualquer de nós ia botar tudo num mesmo buraco e deitar todos no mesmo chão poento. Que diferença haveria? A gente só se acalma depois de pensar bem pensado com filosofia de gente letrada. Foi o que fiz? Foi né? Pois é. Me senti forte e pronto pra tudo. Pena que ia ter que matar muita gente, mas era eu ou os outros que eu nem conhecia nem carecia conhecer. Ensinavam pra gente que todos lá no tal arraial eram revolucionários que queriam derrubar a República e etecetera e tal. Se eles, os militares que proclamaram a República na marra já haviam derrubado o nosso monarca... Que custava os jagunços derrubarem a República? Cada qual briga pelo que acredita certo a, pois é não? Ninguém devia reclamar de nadinha. Bico calado boca cerrada e cabeça fresca. Mas não. Teimaram em marchar sobre Canudos. Coisa feia de se ver aquilo. Monturo de casebres de pau a pique, feios que nem a fome de dias. Se ainda fosse um fortim uma fortaleza de verdade... Mas não, uns casarios modestos de gente magra escaveirada, como puderam ver pelos os que matamos na primeira arremetida em Uauá. Matamos, mas corremos do fogo, que tava um inferno. Retirada fizemos. E íamos fazer outras. E o que tem isso? Alguém gostaria de levar um balaço nos peitos ou nas coisas, e cair durinho sem mais respiração que o sangue enche tudo por dentro arrochando os órgãos que dão vida ao corpo? Pensei muito em nisso enquanto havia folga de tiroteio lá no campo de batalha. Eu olhava praquele mundéu de terras e pensava: por que, logo ali, iria o velho homem santo levantar uma cidadela? Tanto lugar pra se ir embiocar... Mas, porém não, havéra de ser logo ali defronte ao Monte Santo e ao Morro do Mário. Ou então que se calasse sem afrontar os soldados da República; ficasse de moita, só vivendo nos bens bons das plantações da igreja que estavam erguendo dos dízimos de seus fiéis, etc.
Mas, a bem da verdade, não foram eles que começaram aquilo tudo não. Foi não. Foi a tal República. Acho que eles nada tinham a fazer e inventaram essa guerra dos Canudos pro modo de dar razões pelo dinheiro do soldo que recebiam. Ou, então, diziam a boca pequena, pra esconder outras vergonhas tidas e havidas na Monarquia. Ora, vem tudo a dar no mesmo: pouca vergonha de lá ou pouca de cá. Eles são os donos do país até que venha um outro e dê o seu grito de “quem manda cá é eu!” “-Cesse tudo de como está neste momento de parceria com o errado”.
“-Mando e ninguém me desmanda” Ah, vai, sim, há de surgir um valente. E não é que surgiu?
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Quanta boba preocupação. No final, se todos tivessem se finado, algum dos outro, estranhos ia encontrar a fortuna. E se fosse o tal padre, aí ele estaria pago de tanta desgraceira que lhe haviam feito? Me acalmei, depois de raciocinar assim. Pro céu ou pro inferno eu não iria mesmo levar aquilo; nem eu nem os colegas e nem o padre. Aquilo era coisa do chão da terra das maldades feitas. Aceitei pensar desse modo. Fiz certo? Fiz, a, pois? A morte se ali chegasse pra qualquer de nós ia botar tudo num mesmo buraco e deitar todos no mesmo chão poento. Que diferença haveria? A gente só se acalma depois de pensar bem pensado com filosofia de gente letrada. Foi o que fiz? Foi né? Pois é. Me senti forte e pronto pra tudo. Pena que ia ter que matar muita gente, mas era eu ou os outros que eu nem conhecia nem carecia conhecer. Ensinavam pra gente que todos lá no tal arraial eram revolucionários que queriam derrubar a República e etecetera e tal. Se eles, os militares que proclamaram a República na marra já haviam derrubado o nosso monarca... Que custava os jagunços derrubarem a República? Cada qual briga pelo que acredita certo a, pois é não? Ninguém devia reclamar de nadinha. Bico calado boca cerrada e cabeça fresca. Mas não. Teimaram em marchar sobre Canudos. Coisa feia de se ver aquilo. Monturo de casebres de pau a pique, feios que nem a fome de dias. Se ainda fosse um fortim uma fortaleza de verdade... Mas não, uns casarios modestos de gente magra escaveirada, como puderam ver pelos os que matamos na primeira arremetida em Uauá. Matamos, mas corremos do fogo, que tava um inferno. Retirada fizemos. E íamos fazer outras. E o que tem isso? Alguém gostaria de levar um balaço nos peitos ou nas coisas, e cair durinho sem mais respiração que o sangue enche tudo por dentro arrochando os órgãos que dão vida ao corpo? Pensei muito em nisso enquanto havia folga de tiroteio lá no campo de batalha. Eu olhava praquele mundéu de terras e pensava: por que, logo ali, iria o velho homem santo levantar uma cidadela? Tanto lugar pra se ir embiocar... Mas, porém não, havéra de ser logo ali defronte ao Monte Santo e ao Morro do Mário. Ou então que se calasse sem afrontar os soldados da República; ficasse de moita, só vivendo nos bens bons das plantações da igreja que estavam erguendo dos dízimos de seus fiéis, etc.
Mas, a bem da verdade, não foram eles que começaram aquilo tudo não. Foi não. Foi a tal República. Acho que eles nada tinham a fazer e inventaram essa guerra dos Canudos pro modo de dar razões pelo dinheiro do soldo que recebiam. Ou, então, diziam a boca pequena, pra esconder outras vergonhas tidas e havidas na Monarquia. Ora, vem tudo a dar no mesmo: pouca vergonha de lá ou pouca de cá. Eles são os donos do país até que venha um outro e dê o seu grito de “quem manda cá é eu!” “-Cesse tudo de como está neste momento de parceria com o errado”.
“-Mando e ninguém me desmanda” Ah, vai, sim, há de surgir um valente. E não é que surgiu?
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JORGE MEDAUAR
Jorge Medauar – Água Preta do Mocambo, BA.
15 de abril de 1918
03 de junho de 2003
Eis um eleito nascido e criado em um município pouquíssimo conhecido pela maioria dos brasileiros. Nascer na Bahia costuma ser prodigioso ao rebento que lá vem à luz. Parece não se encaixar essa assertiva à vida de um poeta e contista que, pelos idos de 40 , já homem feito, de barba e vestido a caráter – terno de alpaca ou linho –, ainda se demorava ao referido lugar. Essa sua possível estada no torrão natal é desmentida justamente por fotos em que ele surge em todo o esplendor de sua mocidade aparamentado de terno, completo. O interiorano nordestino, que jamais tivesse pisado terras de alguma “capital”, não envergaria um tão bem talhado terno como não recorreria a um alfaiate apenas, vestindo a régia indumentária, no intuito de se deixar fotografar em meio a um rio aos fundos de sua casa.
Jorge Medauar. Esse é o nome do homem de Água Preta do Mocambo, BA – seu cabelo glostorado revela-o um autêntico nordestino –, que a mim, leitor assíduo de quantos escritores contistas e poetas vicejassem em regiões similares, era, até a data de ontem, um desconhecido homem de letras.
O novo me atrai, mas o velho, o escondido, o anônimo, me atrai ainda mais. Foi envolvido nesse sentimento que eu li os contos “A Maçonaria” e o “O Filho do Gringo” e o espaço não seria outro se não no Cronópios, onde o passado se torna presente e o velho se reveste do novo.
Jorge Medauar, filho de Água Preta do Mocambo, BA, quem o imaginaria trazê-lo à luz justamente a um município cujo nome lembrasse escuridão? Contudo, seria lá o seu rincão, o seu berço natal, a sua infância, livre, junto a outros como você até se transferir a uma verdadeira capital.
Água Preta do Mocambo de rio de correnteza perigosa entre escolhos escorregadios, onde as mucamas iam lavar suas trouxas de roupas, dando-se aos moleques em meio aos cacaueiros, iniciando-os na vida das safadezas deliciosas e sempre tentadoras. Mas não foram essas fugas às sombras dos pés de cacau e os primeiros atos de amores juvenis que me levaram a escrever sobre você Jorge Medauar. Foi o seu anonimato em mim, o seu modo singelo de textualizar os acontecidos em um povoado cujo dia a dia não tinha quase atrativo algum, mas que, magistralmente, você acrescentou essa magia de deixar ver o que se imagina, pois só quem conheceu lugares como essa Água Preta do Mocambo pode, com facilidade, construir um edifício de sensações gostosas, simples e regionais, sem igual. O nordeste é rico em situações como as que você descreve em seus contos acima referidos: o medo das crianças em cujas cabecinhas se plantavam os limites entre as suas casas e o Templo Maçônico. Tabu. O Inferno, sobre o chão da pequena Água Preta; o Demo, sob os esconsos dos interiores esquisitos, entre bodes empalhados e lanternas de luzes vermelhas a dar boas vindas ao Chifrudo e os amores secretos de um garoto.
E a sua obra? E o seu anonimato sem motivo? Acho-o um injustiçado pelos literatos de sua época. Se você não se encontra ainda ao mesmo patamar, onde muitos outros foram colocados justamente – seus colegas de ofício –, já merecia lá estar e até mesmo postular o seu lugar, se vivo estivesse. Mas nem sempre a voz do artista ecoa aos ouvidos do mundo, e ele se queda como inútil. Vivi o seu nordeste, a sua gente, o seu modo regional de se expressar: Ô vote! Ó xente! Desafasta! Sai do meio! Visse? Carece não, meu bichinho... Deliciosos termos como: “gelé” de coco, sorvete sabor mangaba, odores de castanha assadas sob frondosas mangueiras, relembranças e saudades de coisa irrecuperáveis, banhos no Rio Potengi, viagens em batelões ao sabor dos ventos enfunando velas remendadas, águas se rasgando sob o impacto das quilhas e esteiras quais espumas de alvas rendas ficando à ré e se perdendo, se perdendo...
Tem razão o Pipol: semeie-se a web de Jorge Medauar, e que tão cheia fique a web como uma pequena cacimba que se esgota a força de um olho dágua.
15 de abril de 1918
03 de junho de 2003
Eis um eleito nascido e criado em um município pouquíssimo conhecido pela maioria dos brasileiros. Nascer na Bahia costuma ser prodigioso ao rebento que lá vem à luz. Parece não se encaixar essa assertiva à vida de um poeta e contista que, pelos idos de 40 , já homem feito, de barba e vestido a caráter – terno de alpaca ou linho –, ainda se demorava ao referido lugar. Essa sua possível estada no torrão natal é desmentida justamente por fotos em que ele surge em todo o esplendor de sua mocidade aparamentado de terno, completo. O interiorano nordestino, que jamais tivesse pisado terras de alguma “capital”, não envergaria um tão bem talhado terno como não recorreria a um alfaiate apenas, vestindo a régia indumentária, no intuito de se deixar fotografar em meio a um rio aos fundos de sua casa.
Jorge Medauar. Esse é o nome do homem de Água Preta do Mocambo, BA – seu cabelo glostorado revela-o um autêntico nordestino –, que a mim, leitor assíduo de quantos escritores contistas e poetas vicejassem em regiões similares, era, até a data de ontem, um desconhecido homem de letras.
O novo me atrai, mas o velho, o escondido, o anônimo, me atrai ainda mais. Foi envolvido nesse sentimento que eu li os contos “A Maçonaria” e o “O Filho do Gringo” e o espaço não seria outro se não no Cronópios, onde o passado se torna presente e o velho se reveste do novo.
Jorge Medauar, filho de Água Preta do Mocambo, BA, quem o imaginaria trazê-lo à luz justamente a um município cujo nome lembrasse escuridão? Contudo, seria lá o seu rincão, o seu berço natal, a sua infância, livre, junto a outros como você até se transferir a uma verdadeira capital.
Água Preta do Mocambo de rio de correnteza perigosa entre escolhos escorregadios, onde as mucamas iam lavar suas trouxas de roupas, dando-se aos moleques em meio aos cacaueiros, iniciando-os na vida das safadezas deliciosas e sempre tentadoras. Mas não foram essas fugas às sombras dos pés de cacau e os primeiros atos de amores juvenis que me levaram a escrever sobre você Jorge Medauar. Foi o seu anonimato em mim, o seu modo singelo de textualizar os acontecidos em um povoado cujo dia a dia não tinha quase atrativo algum, mas que, magistralmente, você acrescentou essa magia de deixar ver o que se imagina, pois só quem conheceu lugares como essa Água Preta do Mocambo pode, com facilidade, construir um edifício de sensações gostosas, simples e regionais, sem igual. O nordeste é rico em situações como as que você descreve em seus contos acima referidos: o medo das crianças em cujas cabecinhas se plantavam os limites entre as suas casas e o Templo Maçônico. Tabu. O Inferno, sobre o chão da pequena Água Preta; o Demo, sob os esconsos dos interiores esquisitos, entre bodes empalhados e lanternas de luzes vermelhas a dar boas vindas ao Chifrudo e os amores secretos de um garoto.
E a sua obra? E o seu anonimato sem motivo? Acho-o um injustiçado pelos literatos de sua época. Se você não se encontra ainda ao mesmo patamar, onde muitos outros foram colocados justamente – seus colegas de ofício –, já merecia lá estar e até mesmo postular o seu lugar, se vivo estivesse. Mas nem sempre a voz do artista ecoa aos ouvidos do mundo, e ele se queda como inútil. Vivi o seu nordeste, a sua gente, o seu modo regional de se expressar: Ô vote! Ó xente! Desafasta! Sai do meio! Visse? Carece não, meu bichinho... Deliciosos termos como: “gelé” de coco, sorvete sabor mangaba, odores de castanha assadas sob frondosas mangueiras, relembranças e saudades de coisa irrecuperáveis, banhos no Rio Potengi, viagens em batelões ao sabor dos ventos enfunando velas remendadas, águas se rasgando sob o impacto das quilhas e esteiras quais espumas de alvas rendas ficando à ré e se perdendo, se perdendo...
Tem razão o Pipol: semeie-se a web de Jorge Medauar, e que tão cheia fique a web como uma pequena cacimba que se esgota a força de um olho dágua.
terça-feira, 22 de junho de 2010
ARREMEDO DE GUERRA
Mas e não foi que o tal padre sem a batina e sem o sacerdócio porque expulsaram o religioso da congregação foi dar com os costados no exército da República? Nada a fazer se incorporou sim senhor. Desgostoso estava o cabra e pronto a morrer por uma boa causa. De tanto que caminhou em atrás de mim, das minhas pegadas, cansou e esqueceu o dia em que eu botei fogo na cabana.
Talvez - me confessou o dito cujo - pudesse ter a alegria de me ver tomar um tiro nas fuças e de me ver esticar as canelas sem que ele carecesse de fazer isto com as próprias mãos. Ficamos os dois sentados à sombra de uma pitombeira como se velhos amigos a gente fosse. Confiança total um no outro. Gozado... Tanta raiva que ele teve de mim não se podia acabar do jeito que acabou, mas, no fundo, ele ainda se sentia padre por inteiro e uma metade de homem. Me consolou: “-Tu fiques certo seu cabra que eu quero é te ver estrebuchando no pó, em antes de tu me veres com um balaço nos peitos.” Falou abertamente, assim mesmo, pra mim, com a maior das tranqüilidades, se sorrindo, cheio de graça. Aí continuou ele: “-De minha parte, tu não esperes nadinha que eu me renego a virar bandido assassino. Sossegue a tua preocupação, se tens.”
Veja o senhor, que anota essas minhas falas, como que o mundo é pequeno; então não? Mas o que mais me alegrou não foi saber que o pobre cabra pela metade não iria me fazer nenhum mal. Foi o de ter encontrado meus amigos de moço de meu lugar. As amizades afastadas não têm distâncias no mundo que não ajuntem elas de novo. Por lá encontrei Chico Danado, Geraldo Quintão, Antonio Quelé e o seu mano José. Foi uma farra tão danada de algazarras que o sargento nos chamou nas falas. Coisa muito de a boa topar com os colegas que não se vê há muito. Foi o que me aconteceu e a eles. Juramos ficar sempre perto pra defender um ao outro. E embora o padre me prometesse não fazer nada a mim abri os olhos dos companheiros no sentido de botarem as botucas nele modo me prevenir de alguma traiçoagem de sua banda quando o inferno dos tiroteios começasse pra todos. Quem iria saber de qual fuzil sairia à bala que poderia me alcançar? Entendestes meu senhor? A gente tem de ficar de guarda, de prontidão para uma coisa dessa natureza. Muitos crêem em padre, mas eu não. A menina-moça do doutor acreditou e se deu mal, a, pois. Pode? Pode não, pode nada.
Pelo que eu já contei e sendo registrado pelo meu amigo escrevente de um cartório, que me ofereceu sua ajuda nessa narrativa, alguns cabras invejosos chamaram de estória aleivosa, mas que em nada me incomoda não senhor. Sou obrigado pela honra de minhas palavras aqui registradas a confirmar tudo como de verdadeiro, e que em não sendo assim que o Demo me leve pras profundas dos Infernos, que lá, sim, são o lugar de contador de estórias de Trancoso.
Essas estórias de Trancoso pegam bem numa roda de brincadeiras como, por exemplo, as narrativas de pescadores ou de caçadores, ou as que saem da boca de um fedelho, desses mentirosinhos. Cabra como eu, Mariano Bé, paraibano de sangue e carne, e de antepassados de valia, não pode não usar de estremunho. Tem que ter tino pra contar coisas. E eu vou até a estremadura dos esquisitos dos inimigos gritando pra todos que tudo aqui escrito neste caderno merece fé, ou então morra eu seco no meio da caatinga de sede e de fome ou de um balaço dos jagunços do apóstolo dos sertões. Morro, mas não volto atrás no confirmar o que eu digo ao meu amigo aqui do Cartório pagado bem por mim, que não usuro no reconhecimento do valor das pessoas que me cercam e me cerco só de boa gente. Do padre, o tal, não me acercou nem a mim permiti me acercasse a ele modo fazer amizades. Sou exigente demais da conta nessas de relações, palavra. Se for ignorante, por pouco estudos, por outro lado sou de muita experiência arregimentada pela vida em fora. Escuto bem os outros, pra falar de igual. Se não...
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Talvez - me confessou o dito cujo - pudesse ter a alegria de me ver tomar um tiro nas fuças e de me ver esticar as canelas sem que ele carecesse de fazer isto com as próprias mãos. Ficamos os dois sentados à sombra de uma pitombeira como se velhos amigos a gente fosse. Confiança total um no outro. Gozado... Tanta raiva que ele teve de mim não se podia acabar do jeito que acabou, mas, no fundo, ele ainda se sentia padre por inteiro e uma metade de homem. Me consolou: “-Tu fiques certo seu cabra que eu quero é te ver estrebuchando no pó, em antes de tu me veres com um balaço nos peitos.” Falou abertamente, assim mesmo, pra mim, com a maior das tranqüilidades, se sorrindo, cheio de graça. Aí continuou ele: “-De minha parte, tu não esperes nadinha que eu me renego a virar bandido assassino. Sossegue a tua preocupação, se tens.”
Veja o senhor, que anota essas minhas falas, como que o mundo é pequeno; então não? Mas o que mais me alegrou não foi saber que o pobre cabra pela metade não iria me fazer nenhum mal. Foi o de ter encontrado meus amigos de moço de meu lugar. As amizades afastadas não têm distâncias no mundo que não ajuntem elas de novo. Por lá encontrei Chico Danado, Geraldo Quintão, Antonio Quelé e o seu mano José. Foi uma farra tão danada de algazarras que o sargento nos chamou nas falas. Coisa muito de a boa topar com os colegas que não se vê há muito. Foi o que me aconteceu e a eles. Juramos ficar sempre perto pra defender um ao outro. E embora o padre me prometesse não fazer nada a mim abri os olhos dos companheiros no sentido de botarem as botucas nele modo me prevenir de alguma traiçoagem de sua banda quando o inferno dos tiroteios começasse pra todos. Quem iria saber de qual fuzil sairia à bala que poderia me alcançar? Entendestes meu senhor? A gente tem de ficar de guarda, de prontidão para uma coisa dessa natureza. Muitos crêem em padre, mas eu não. A menina-moça do doutor acreditou e se deu mal, a, pois. Pode? Pode não, pode nada.
Pelo que eu já contei e sendo registrado pelo meu amigo escrevente de um cartório, que me ofereceu sua ajuda nessa narrativa, alguns cabras invejosos chamaram de estória aleivosa, mas que em nada me incomoda não senhor. Sou obrigado pela honra de minhas palavras aqui registradas a confirmar tudo como de verdadeiro, e que em não sendo assim que o Demo me leve pras profundas dos Infernos, que lá, sim, são o lugar de contador de estórias de Trancoso.
Essas estórias de Trancoso pegam bem numa roda de brincadeiras como, por exemplo, as narrativas de pescadores ou de caçadores, ou as que saem da boca de um fedelho, desses mentirosinhos. Cabra como eu, Mariano Bé, paraibano de sangue e carne, e de antepassados de valia, não pode não usar de estremunho. Tem que ter tino pra contar coisas. E eu vou até a estremadura dos esquisitos dos inimigos gritando pra todos que tudo aqui escrito neste caderno merece fé, ou então morra eu seco no meio da caatinga de sede e de fome ou de um balaço dos jagunços do apóstolo dos sertões. Morro, mas não volto atrás no confirmar o que eu digo ao meu amigo aqui do Cartório pagado bem por mim, que não usuro no reconhecimento do valor das pessoas que me cercam e me cerco só de boa gente. Do padre, o tal, não me acercou nem a mim permiti me acercasse a ele modo fazer amizades. Sou exigente demais da conta nessas de relações, palavra. Se for ignorante, por pouco estudos, por outro lado sou de muita experiência arregimentada pela vida em fora. Escuto bem os outros, pra falar de igual. Se não...
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ARREMEDO DE GUERRA
segunda-feira, 21 de junho de 2010
ARREMEDO DE GUERRA
Mas como as coisas comigo se dão de difícil, ouve bem o que se passou quando eu fui atrás do meu pangaré.
Cheio de apreensões fui à noitinha pegar meu pangaré. Tinha muita pressa em sair de Aflitos. O bicho lá se encontrava. Pensei que tinha caído num conto de vigário, que é a coisa mais antiga que há na face da terra, mas não. O velho padre se chegou logo depois. Muito vivo, aumentou o valor da venda. Me disse ele que estava cobrando a sela, que havia esquecido de incluir no preço do animal e que ela estava segura onde estava. Cheio de rancor por um padre em fase de se aposentar regateei no pagamento. O padre, assustado, queria o dinheiro em sua mão naquele instante mesmo. Ele pediu sem nem uma vergonha. O bom era me arrancar dali logo, logo. O padre trouxe a tal sela que tinha aparência de gasta. Depois é que eu fui ver que eu tinha razão. O bicho estava mal calçado de ferraduras também. Desisti do negócio. Preferia esperar o comboio. Já me armara de um facão e uma foice, pra segurança. O padre, meio sem jeito e não querendo mostrar toda a raiva que estava, porque um padre em vias de se aposentar não deve se mostrar raivoso, que não pegava bem, saiu apressado me pedindo que deixasse a sela velha ali mesmo na porta da sacristia, e que amarrasse o pangaré. Que nada. Ele, o coitado que era osso puro se derreou ao chão de novo. Então, de longe, o padre me alertou: “-Olha que tem gente de olho em você moço, aqui no povoado. Um conselho então, já que regateia comprar o meu pangaré. Vá à direção da estrada de ferro seguindo os terrenos das macaxeiras. Garanto que você chegará à estação. É mais sensato esperar pelo comboio lá nela do que ficar em Aflitos. Me demorei a resolver. Fui por aquele caminho indicado portando em cada mão uma das ferramentas pra minha defesa. Aonde iria dar eu não sabia, mas eu tinha ido até o povoado sem saber pra onde ia. Voltar pra trás seria o mesmo. E não errei não senhor. Fui parar num entroncamento ferroviário. Me achei cheio de sorte. Procurei o agente da estação. Dali partiam trens para Salvador, mas não direto. Eu iria ficar a bem umas três ou quatro horas de caminhada. Na parede da estação tinha um cartaz conclamando os cidadãos a se alinharem no exército da República. Coisa que eu já sabia. Numa das paredes de fora da igreja, em Aflitos, tinha um igual àquele. Tava confirmada a recrutagem. Era a minha chanche. Ofereci o valor da passagem ao agente que disse desconhecer o valor, que havia aumentado o preço. Preço por preço, eu não havia gasto um só vintém com o pangaré. Não tinha jeito. Paguei o que ele pediu e ainda me deixou passar as duas noites no depósito de cargas da estação mediante mais dinheiro. Disse que era arriscado pra ele deixar um estranho dentro do depósito cheio de mercadorias. Convenci ele que eu era cabra de responsabilidade Me aventurei como pude. Nada saiu ao contrário. A, pois depois de muito do tempo passado chegou, afinal, o esperado comboio. Embarquei e viajei muito tempo. Num entroncamento desci e caminhei por umas três horas ou mais. Cheguei esfalfado em Salvador. Até que o lugar era bem apinhado de gentes, de comércio em mercados e poucos outros isolados. Vendinha tinha eram muitas. Os negros por lá andavam à toa pelas ruas pegando qualquer serviço e gastando tudinho em cachaça da braba. Havia movimentação de deixar qualquer cabra do interior de cabeça inchada. De moço então era demais da conta. Todos atrás do regimento para se inscrever. Peguei carona numa daquelas levas e fui atrás. Tava pro que desse ou viesse, desde que me safasse do padre sem aquelas suas coisas que ele achava importante em um homem; e era mesmo. Eu vivia de orelhas em pé na mira do tal padre, mas acho que ele se me perdeu naquele trânsito de lá pra cá e daqui pra lá. Tava certo de me ter safado dele. E quase que acertei. Quase. Pouco me faltou. Arre que não!
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Cheio de apreensões fui à noitinha pegar meu pangaré. Tinha muita pressa em sair de Aflitos. O bicho lá se encontrava. Pensei que tinha caído num conto de vigário, que é a coisa mais antiga que há na face da terra, mas não. O velho padre se chegou logo depois. Muito vivo, aumentou o valor da venda. Me disse ele que estava cobrando a sela, que havia esquecido de incluir no preço do animal e que ela estava segura onde estava. Cheio de rancor por um padre em fase de se aposentar regateei no pagamento. O padre, assustado, queria o dinheiro em sua mão naquele instante mesmo. Ele pediu sem nem uma vergonha. O bom era me arrancar dali logo, logo. O padre trouxe a tal sela que tinha aparência de gasta. Depois é que eu fui ver que eu tinha razão. O bicho estava mal calçado de ferraduras também. Desisti do negócio. Preferia esperar o comboio. Já me armara de um facão e uma foice, pra segurança. O padre, meio sem jeito e não querendo mostrar toda a raiva que estava, porque um padre em vias de se aposentar não deve se mostrar raivoso, que não pegava bem, saiu apressado me pedindo que deixasse a sela velha ali mesmo na porta da sacristia, e que amarrasse o pangaré. Que nada. Ele, o coitado que era osso puro se derreou ao chão de novo. Então, de longe, o padre me alertou: “-Olha que tem gente de olho em você moço, aqui no povoado. Um conselho então, já que regateia comprar o meu pangaré. Vá à direção da estrada de ferro seguindo os terrenos das macaxeiras. Garanto que você chegará à estação. É mais sensato esperar pelo comboio lá nela do que ficar em Aflitos. Me demorei a resolver. Fui por aquele caminho indicado portando em cada mão uma das ferramentas pra minha defesa. Aonde iria dar eu não sabia, mas eu tinha ido até o povoado sem saber pra onde ia. Voltar pra trás seria o mesmo. E não errei não senhor. Fui parar num entroncamento ferroviário. Me achei cheio de sorte. Procurei o agente da estação. Dali partiam trens para Salvador, mas não direto. Eu iria ficar a bem umas três ou quatro horas de caminhada. Na parede da estação tinha um cartaz conclamando os cidadãos a se alinharem no exército da República. Coisa que eu já sabia. Numa das paredes de fora da igreja, em Aflitos, tinha um igual àquele. Tava confirmada a recrutagem. Era a minha chanche. Ofereci o valor da passagem ao agente que disse desconhecer o valor, que havia aumentado o preço. Preço por preço, eu não havia gasto um só vintém com o pangaré. Não tinha jeito. Paguei o que ele pediu e ainda me deixou passar as duas noites no depósito de cargas da estação mediante mais dinheiro. Disse que era arriscado pra ele deixar um estranho dentro do depósito cheio de mercadorias. Convenci ele que eu era cabra de responsabilidade Me aventurei como pude. Nada saiu ao contrário. A, pois depois de muito do tempo passado chegou, afinal, o esperado comboio. Embarquei e viajei muito tempo. Num entroncamento desci e caminhei por umas três horas ou mais. Cheguei esfalfado em Salvador. Até que o lugar era bem apinhado de gentes, de comércio em mercados e poucos outros isolados. Vendinha tinha eram muitas. Os negros por lá andavam à toa pelas ruas pegando qualquer serviço e gastando tudinho em cachaça da braba. Havia movimentação de deixar qualquer cabra do interior de cabeça inchada. De moço então era demais da conta. Todos atrás do regimento para se inscrever. Peguei carona numa daquelas levas e fui atrás. Tava pro que desse ou viesse, desde que me safasse do padre sem aquelas suas coisas que ele achava importante em um homem; e era mesmo. Eu vivia de orelhas em pé na mira do tal padre, mas acho que ele se me perdeu naquele trânsito de lá pra cá e daqui pra lá. Tava certo de me ter safado dele. E quase que acertei. Quase. Pouco me faltou. Arre que não!
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domingo, 20 de junho de 2010
ARREMEDO DE GUERRA
Em muito antes de sair arreneguei a oferta. Contarei o sucedido, que não havéra necessidade de ter. Não carecia daquilo não. Disse ao major que eu era boiadeiro e agricultor de profissões, mas ele veio em cima dizendo que por ali na região tinha gado não. Só roçado de milho e de mandioca. Que eu aceitasse a sua oferta. Aí retruquei, mas com certo medo depois, mas não medo dele: medo de que andassem na minha cola, atrás do dinheiro que eu disse ter nos bolsos pelo serviço ao doutor Damasceno. Não dormi mais direito. Era um olho fechado e outro aberto. O padre sabedor de minha pequena fortuna me chamou pra igreja oferecendo seu favor de guardar ele pra mim. Respondi que não carecia não. Ele tava melhor guardado comigo. Ele me abriu os olhos pras pessoas malvadas do lugar, que não eram poucas.
–Boto a sua fortuna debaixo da pedra do altar onde ficam as hóstias bem guardadas que ninguém lá mexe não. Falou ele com doçura nos olhos que boiavam num líquido amarelento das pálpebras vermelhas.
Botei os meus olhos nos dele e vi que até mesmo o velho padre tinha intenção de se sumir no mundo com a pequena fortuna. A minha fortuna recebida das mãos do doutor Damasceno. Ô vote, nem em padre se pode mais confiar?
–Quero não senhor meu padre. Carece nada disso.
–Tu não vai ter sossego não. Avia-te então de se mandar que aqui o perigo é grande demais pra você meu filho.
–Padre meu bom padre: comboio só daqui a três dias. Vou comprar um facão na mercearia modo me defender de algum safado. Sou incauto não.
Então o bom e velho padre me ofereceu um pangaré que já não lhe servia mais nas viagens que fazia para mais dentro do povoado a fim de dar as extremas unções aos seus fiéis de longes. Achei uma coisa de ocasião. Negócio honesto. Perguntei quanto ele queria no pangaré. O que ele me pedia era coisa de usurário. O que tinha na aparência de santo tinha de demônio, mas concordei. Era melhor sair logo dali de Aflitos que esperar o comboio. Perguntei se o pangaré tinha sela. “-Tem sim”. Respondeu o padre. “-Ele ta atrás da sacristia. Pode pegar que é mansinho. Come pouco, ele, e a sela ta dependurada no oitão.”
Fiquei de apanhar o pangaré ao escurecer. Senti uma grande alegria em poder me safar daquele povoado esquisito em antes de ser assaltado pelos mortos de fome. Mas, em chegando perto do pangaré vi que ele era mesmo um pangaré safado de velho e que não ia muito longe não senhor. Talvez nem chegasse na saída do povoado maldito. Ainda bem que não paguei nem um só tostão ao “santo” do padre. Deixei o pangaré lá mesmo onde estava: deitado, na maior das preguiças, só espantando as moscas com os cabelos da cauda e me olhando de través com aqueles olhos de espanto, pois imaginou que já ia trabalhar o preguiçoso. Seco que nem um bicho-de-pau. Já vistes um? Bicho grande e comprido que nem uma vareta de pau, quatro pernas a se mexerem pra frente e pra trás. É ele se encostar num pé de pau pra você nem notar a presença do desgramado. Pois o pangaré era escrito o bicho que acabo de mencionar. Coisa ruim de se ver. Não... Cheguei num acordo mais o major e tudo ficou na mais santa das pazes. Nem ele me incomodou mais nem eu deixei de ajudar o padre nas chamadas da missa. Amuado ficou o padreco. Esse não se ia pros céus nem pro inferno.
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–Boto a sua fortuna debaixo da pedra do altar onde ficam as hóstias bem guardadas que ninguém lá mexe não. Falou ele com doçura nos olhos que boiavam num líquido amarelento das pálpebras vermelhas.
Botei os meus olhos nos dele e vi que até mesmo o velho padre tinha intenção de se sumir no mundo com a pequena fortuna. A minha fortuna recebida das mãos do doutor Damasceno. Ô vote, nem em padre se pode mais confiar?
–Quero não senhor meu padre. Carece nada disso.
–Tu não vai ter sossego não. Avia-te então de se mandar que aqui o perigo é grande demais pra você meu filho.
–Padre meu bom padre: comboio só daqui a três dias. Vou comprar um facão na mercearia modo me defender de algum safado. Sou incauto não.
Então o bom e velho padre me ofereceu um pangaré que já não lhe servia mais nas viagens que fazia para mais dentro do povoado a fim de dar as extremas unções aos seus fiéis de longes. Achei uma coisa de ocasião. Negócio honesto. Perguntei quanto ele queria no pangaré. O que ele me pedia era coisa de usurário. O que tinha na aparência de santo tinha de demônio, mas concordei. Era melhor sair logo dali de Aflitos que esperar o comboio. Perguntei se o pangaré tinha sela. “-Tem sim”. Respondeu o padre. “-Ele ta atrás da sacristia. Pode pegar que é mansinho. Come pouco, ele, e a sela ta dependurada no oitão.”
Fiquei de apanhar o pangaré ao escurecer. Senti uma grande alegria em poder me safar daquele povoado esquisito em antes de ser assaltado pelos mortos de fome. Mas, em chegando perto do pangaré vi que ele era mesmo um pangaré safado de velho e que não ia muito longe não senhor. Talvez nem chegasse na saída do povoado maldito. Ainda bem que não paguei nem um só tostão ao “santo” do padre. Deixei o pangaré lá mesmo onde estava: deitado, na maior das preguiças, só espantando as moscas com os cabelos da cauda e me olhando de través com aqueles olhos de espanto, pois imaginou que já ia trabalhar o preguiçoso. Seco que nem um bicho-de-pau. Já vistes um? Bicho grande e comprido que nem uma vareta de pau, quatro pernas a se mexerem pra frente e pra trás. É ele se encostar num pé de pau pra você nem notar a presença do desgramado. Pois o pangaré era escrito o bicho que acabo de mencionar. Coisa ruim de se ver. Não... Cheguei num acordo mais o major e tudo ficou na mais santa das pazes. Nem ele me incomodou mais nem eu deixei de ajudar o padre nas chamadas da missa. Amuado ficou o padreco. Esse não se ia pros céus nem pro inferno.
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terça-feira, 15 de junho de 2010
ARREMEDO DE GUERRA
Ai então tu vejas só como as coisas se sucedem a toazinha: não é que o tal major de nome Bobadilha se enciumou de eu tocar o sino aos domingos chamando pras missas? A besta do cabra começou a me provocar e eu me fingindo de inocente, de nada entender, quietinho nas minhas horas de ir pra igreja. Soube que ele tinha outro garoto por ordenança, filho de um antigo soldado seu de corporação a quem queria entregar a tarefa. E por que carga dágua não procurou o velho e bom padre pra solicitar a vaga pro outro?
O outrozinho, coitado, se borrava de medo de subir lá nos altos da torre da igreja pra tocar o sino. Tudo por causo das estórias de má-assombração de que o que se enforcou andava por ali de alma penada puxando a corda do sino como uma tarefa eterna por castigo, e por causo dos morcegos que voejavam pelo campanário. Mas não fosse lá se o tal major arranjasse tudo. Aham... Queria era ver o coitado se negar. A, pois o coitadinho se negou sim senhor. Batia os pés no chão nas escadas de entrada, na praça, nas calçadas mambembes cheias de altos e baixos e dentro de sua casa. O pai prometia passar-lhe a cinta no lombo se negasse o favor do major que com tão boa vontade e em boa hora daria a ele a honra de badalar o sino. O garoto chegou a fugir, mas não foi muito longe não, que era outrozinho covardão que nem Zévedo. Cheio de frescurinhas, de vontades, desses amarrados á barra da saia da mãe. Aquele seria bom motivo e de bom proveito pra eu me mandar dali. Se! Contei que resolvessem aquela questão besta.
Ai, pois então o major, cheio de autoridade, me veio falar. Falou foi muita besteira – bobageiras dessas de cabra metido, de que eu não sendo dali não podia me arvorar de tocador de sino, que aquilo era mais coisa pra menino adolescente e nunca prum marmanjo que nem eu.
Aí tive que concordar e botei a função nas vontades do major, não por medo não senhor, que o que eu queria era virar as costas pra Aflitos e me ir. Mas comboio só dali a uns três dias. Assim mesmo deixei por conta dele a decisão e ele me disse que eu era um cabra inteligente e de boa paz, e não fosse! Me falou assim mesmo: “-E não fosse!” Quero dizer que tanto fazia eu querer como não querer tinha que largar de imediato a função. Larguei. Nem falei ao padre. Deixei por conta do major e eles lá que se entendessem. Ele me prometeu: “-Cê vai ser minha ordenança, cabra.” Me fazendo de mal entendedor joguei minha pergunta: Quem? Eu? Este aqui seu major? Se for comigo a promessa é um chiste seu, pois que eu já sou esperado pra sentar praça no exército da República. Vou combater lá em Canudos.
Sendo a República muito maior e mais poderosa do que um major aposentado da polícia, e muito mais que Aflitos e sua igreja, e todo o restante mundaréu de lá, o homem calou aquela sua boca, baixou o facho, se encolheu e só faltou mesmo se perfilar em continência.
–Então falou ta falado, respondeu ele coçando um dos lados do seu traseiro. Então é de se crer que vais embora de Aflitos? Comboio só daqui a três dias; pois enquanto isso tu podes continuar na tarefa de badalar as chamadas das missas sim senhor.
Aí então me empanzinou o bucho, me cresceu os beiços, os olhos embodocaram e enfeou-me o semblante. Fiz cara de desagrado total. Nunca que vi um major sair de banda e de rabos entre as pernas. Aquilo me causou espécie. Eu um simples candidato a soldado do exército republicano assustando um oficial de polícia metido a valente! Não consigo entender a natureza dos cabras que não sejam da Paraíba. Acolá homem é homem, cabra se preza muito da conta às calças que veste. Três dias depois de muita vagabundagem deixei o povoado de Aflitos, mas confesso: por dó ao velho e bom padre toquei o sino até o último momento. Senti alívio, quando o comboio me levou devagar, mas de certeza, pra longe de lá.
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O outrozinho, coitado, se borrava de medo de subir lá nos altos da torre da igreja pra tocar o sino. Tudo por causo das estórias de má-assombração de que o que se enforcou andava por ali de alma penada puxando a corda do sino como uma tarefa eterna por castigo, e por causo dos morcegos que voejavam pelo campanário. Mas não fosse lá se o tal major arranjasse tudo. Aham... Queria era ver o coitado se negar. A, pois o coitadinho se negou sim senhor. Batia os pés no chão nas escadas de entrada, na praça, nas calçadas mambembes cheias de altos e baixos e dentro de sua casa. O pai prometia passar-lhe a cinta no lombo se negasse o favor do major que com tão boa vontade e em boa hora daria a ele a honra de badalar o sino. O garoto chegou a fugir, mas não foi muito longe não, que era outrozinho covardão que nem Zévedo. Cheio de frescurinhas, de vontades, desses amarrados á barra da saia da mãe. Aquele seria bom motivo e de bom proveito pra eu me mandar dali. Se! Contei que resolvessem aquela questão besta.
Ai, pois então o major, cheio de autoridade, me veio falar. Falou foi muita besteira – bobageiras dessas de cabra metido, de que eu não sendo dali não podia me arvorar de tocador de sino, que aquilo era mais coisa pra menino adolescente e nunca prum marmanjo que nem eu.
Aí tive que concordar e botei a função nas vontades do major, não por medo não senhor, que o que eu queria era virar as costas pra Aflitos e me ir. Mas comboio só dali a uns três dias. Assim mesmo deixei por conta dele a decisão e ele me disse que eu era um cabra inteligente e de boa paz, e não fosse! Me falou assim mesmo: “-E não fosse!” Quero dizer que tanto fazia eu querer como não querer tinha que largar de imediato a função. Larguei. Nem falei ao padre. Deixei por conta do major e eles lá que se entendessem. Ele me prometeu: “-Cê vai ser minha ordenança, cabra.” Me fazendo de mal entendedor joguei minha pergunta: Quem? Eu? Este aqui seu major? Se for comigo a promessa é um chiste seu, pois que eu já sou esperado pra sentar praça no exército da República. Vou combater lá em Canudos.
Sendo a República muito maior e mais poderosa do que um major aposentado da polícia, e muito mais que Aflitos e sua igreja, e todo o restante mundaréu de lá, o homem calou aquela sua boca, baixou o facho, se encolheu e só faltou mesmo se perfilar em continência.
–Então falou ta falado, respondeu ele coçando um dos lados do seu traseiro. Então é de se crer que vais embora de Aflitos? Comboio só daqui a três dias; pois enquanto isso tu podes continuar na tarefa de badalar as chamadas das missas sim senhor.
Aí então me empanzinou o bucho, me cresceu os beiços, os olhos embodocaram e enfeou-me o semblante. Fiz cara de desagrado total. Nunca que vi um major sair de banda e de rabos entre as pernas. Aquilo me causou espécie. Eu um simples candidato a soldado do exército republicano assustando um oficial de polícia metido a valente! Não consigo entender a natureza dos cabras que não sejam da Paraíba. Acolá homem é homem, cabra se preza muito da conta às calças que veste. Três dias depois de muita vagabundagem deixei o povoado de Aflitos, mas confesso: por dó ao velho e bom padre toquei o sino até o último momento. Senti alívio, quando o comboio me levou devagar, mas de certeza, pra longe de lá.
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quinta-feira, 10 de junho de 2010
ARREMEDO DE GUERRA
Se ele se finou? Não... Ta lá até o dia de hoje badalando o sino. Ora, pois... Claro! Evidente, seu! Querias o quê? O pobrezinho se enforcou no campanário mesmo. E tu pensas que o tal major se abalou por isso? Não tava nem aí pro fato. Mas todos do povoado sabiam que o garoto era arreliado pelo major que de tudo reclamava de seus préstimos; que não lhe tinha obrigação alguma de servir. Aí foi tal e qual estória de má-assombração... Que o sino tocava nas madrugadas, nos Finados e em outras ocasiões. Nunca que se ouviu mais, desde esse fato, o sino tocando. Nem nunca outro não quis não. O padre já velho, ossos, nervos e músculos em idade avançada, cabelos ralos e prestes a bater as botas largou de lado. Não tinha forças nenhuma mais o coitado. Tava pra se ir pro céu se merecesse; pro inferno se alguma coisa devesse aos homens e a Deus.
Mas foi aí então que eu fui me confessar ao padre. Muito bondoso aquele de batina branca. Era preta a batina não senhor. Era branca mesmo de brancura encardida, mas branca. A, pois me confessei à toa contando o causo do padre que se envolveu com a moça menina do doutor Damasceno. E o que fiz na troca de dinheiro pago de trabalho honesto; achei eu assim na horinha. Depois, pensando melhor não me dei razão não. Mas fazer? Se eu não toco fogo nas palhas corria o risco de morrer nas mãos do doutor Damasceno ou de na mão de Mirante porque o outrozinho era molezinho demais, cagãozinho demais da conta, sabes, o tal Zévedo?
Pois o bom velho padre me ouvia com toda a atenção, mas quase a pegar no sono por dentro do confessionário. Pudera..., com o calorzinho bom que fazia às duas da tarde... Todo mundo tirava a sesta e o padreco velho, coitado, não era menos precisado. Bateu duas vezes o queixo nos peitos. “-To a ouvir, to a ouvir meu filho, continue”. Depois de acabada a minha confissão ele me deu, pro modo me perdoar, a tarefa de tocar o sino da igreja nos Ângelus e aos domingos. Esperto ele. Queria aquilo não. Eu não tinha planos de ficar ali naquele povoado. Eu ia era pra Bahia me alistar na Força da República. Lá eu estaria seguro. O padre que andava como minha sombra atrás de mim lá não iria me achar não senhor, pois que Deus é Grande e Nossa Senhora não é menor. Já se viu uma senhora mãe menor do que o filho? A, pois assim eu pensava e penso ainda agora. Mas, porém aceitei tocar o sino até me ir. Ninguém dali precisava saber que eu me iria pra outros fundos do mundo. Me fui assim que surgiu a ocasião, sem delongas e sem receios ou arrependimentos. Ficar ali era o mesmo que esperar a morte chegar com a figura dum padre adoidado que não mais fazia além de me catar pelos sertões. O raio do padre pareceu-me ter faro de cão farejador, desses cheiozinhos de manchas grandes, pequenas e miudinhas... De se fazer gosto ver. Pois se parecia a um desses, o tal sem as coisas. E não lhe vou esconder, pois não é que o peste me topou lá na Bahia e no mesmo lugar que fui pro modo me alistar nas Forças da República? Assenti de ele estar por próximo de mim, mas sempre com os olhos bem abertos. Dormir? De que modo? Ressonava e acordava assustado que nem garoto vendo fantasmas de cemitério sabe? Desses de gente finada... E não fizesse eu. Não me tomasse essas miradas pros lados e todos os cuidados iam ser poucos. Que canseira me deu o desgraçado. Assuntei um modo de me livrar de vez do excomungado, mas nem foi preciso. Por lá encontrei meus quatro amigos de minha terra: Antonio Quelé, José, seu irmão, Geraldo Quintão e Chico Danado. Senti um alivio tão grande como se tivessem tirado de cima de meus ombros todos os fuzis que eu via ensarilhados nos pátios e mais os quatro canhões gigantes e brutos, estacionados lá. Foi uma festança de minha parte, lógico. Contei pra eles tudo o que se passou em minhas caminhadas: a estória da cabana queimada com o padre dentro, a dinheirama que ainda guardava cozido no meu paletó xadrez, pois que ainda tinha muito da conta pra que eu gastasse assim, assim, à toazinha. Qual nada! Só gastava o necessário. Era muito. Muito!
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Mas foi aí então que eu fui me confessar ao padre. Muito bondoso aquele de batina branca. Era preta a batina não senhor. Era branca mesmo de brancura encardida, mas branca. A, pois me confessei à toa contando o causo do padre que se envolveu com a moça menina do doutor Damasceno. E o que fiz na troca de dinheiro pago de trabalho honesto; achei eu assim na horinha. Depois, pensando melhor não me dei razão não. Mas fazer? Se eu não toco fogo nas palhas corria o risco de morrer nas mãos do doutor Damasceno ou de na mão de Mirante porque o outrozinho era molezinho demais, cagãozinho demais da conta, sabes, o tal Zévedo?
Pois o bom velho padre me ouvia com toda a atenção, mas quase a pegar no sono por dentro do confessionário. Pudera..., com o calorzinho bom que fazia às duas da tarde... Todo mundo tirava a sesta e o padreco velho, coitado, não era menos precisado. Bateu duas vezes o queixo nos peitos. “-To a ouvir, to a ouvir meu filho, continue”. Depois de acabada a minha confissão ele me deu, pro modo me perdoar, a tarefa de tocar o sino da igreja nos Ângelus e aos domingos. Esperto ele. Queria aquilo não. Eu não tinha planos de ficar ali naquele povoado. Eu ia era pra Bahia me alistar na Força da República. Lá eu estaria seguro. O padre que andava como minha sombra atrás de mim lá não iria me achar não senhor, pois que Deus é Grande e Nossa Senhora não é menor. Já se viu uma senhora mãe menor do que o filho? A, pois assim eu pensava e penso ainda agora. Mas, porém aceitei tocar o sino até me ir. Ninguém dali precisava saber que eu me iria pra outros fundos do mundo. Me fui assim que surgiu a ocasião, sem delongas e sem receios ou arrependimentos. Ficar ali era o mesmo que esperar a morte chegar com a figura dum padre adoidado que não mais fazia além de me catar pelos sertões. O raio do padre pareceu-me ter faro de cão farejador, desses cheiozinhos de manchas grandes, pequenas e miudinhas... De se fazer gosto ver. Pois se parecia a um desses, o tal sem as coisas. E não lhe vou esconder, pois não é que o peste me topou lá na Bahia e no mesmo lugar que fui pro modo me alistar nas Forças da República? Assenti de ele estar por próximo de mim, mas sempre com os olhos bem abertos. Dormir? De que modo? Ressonava e acordava assustado que nem garoto vendo fantasmas de cemitério sabe? Desses de gente finada... E não fizesse eu. Não me tomasse essas miradas pros lados e todos os cuidados iam ser poucos. Que canseira me deu o desgraçado. Assuntei um modo de me livrar de vez do excomungado, mas nem foi preciso. Por lá encontrei meus quatro amigos de minha terra: Antonio Quelé, José, seu irmão, Geraldo Quintão e Chico Danado. Senti um alivio tão grande como se tivessem tirado de cima de meus ombros todos os fuzis que eu via ensarilhados nos pátios e mais os quatro canhões gigantes e brutos, estacionados lá. Foi uma festança de minha parte, lógico. Contei pra eles tudo o que se passou em minhas caminhadas: a estória da cabana queimada com o padre dentro, a dinheirama que ainda guardava cozido no meu paletó xadrez, pois que ainda tinha muito da conta pra que eu gastasse assim, assim, à toazinha. Qual nada! Só gastava o necessário. Era muito. Muito!
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quarta-feira, 9 de junho de 2010
ARREMEDO DE GUERRA
A gente fica de comentários e até se esquece do que tava se tratando né? Ah, sim: eu dizia que arribei do comboio no povoado de Aflitos. Sabes aqueles lugarezinhos chinfrins? A, pois era aquele acolá. Uma rua só comprida, e alguns becos aqui e acolá. Uma pracinha miúda com duas ou três casas boas de alvenaria e lá bem no fim a igreja. Ah, que esta não pode faltar mesmo né? Mas me arribei bem fora do povoado, pois o comboio quebrava para esquerda, modo continuar sua andança. Aflitos era mesmo povoado do alto sertão. Tinha nada não. Comerciozinho miúdo que só. Morava por ali um major de polícia afortunadamente aposentado. Era o mais rico de tudo e de todos. Mandava nos cabras que obedeciam de cabeças baixas, iguais aos bodes quando se preparam para a cornada. Já vistes? A, pois era em assim mesmo. Cheguei por volta das horas da Ave Maria e nem ouvi o sino bater na torre da igreja? Tu crês nisso? Pois não bateu não senhor. Algumas mulheres passavam me olhando com as cabeças cobertas por xales. Os cabritos, que estavam por ali, me olhavam de curiosos. No meio da pracinha, me sentei num toco de pau bem aparado. Veio um moleque me dizer que ali eu não poderia assentar. Disse encabuladinho o peralta, que ali era o toco do major Silvério que às tardinhas vinha pra tomar as frescas. Perguntei: por que não tocava o sino da igreja naquelas horas do ângelus? O moleque desabalou numa carreira apressadinha, se sumindo. Olhando pra igreja me lembrou o padre que se flagelou, se castrando pra não morrer assado. Pudera! E por aonde andaria o tal padre? Dizia-se que estava em me procurando pra acerto de contas. Desacertos, isso sim! Que contas? Observastes bem? Que contas? Quais dívidas me tinham com aquele da batina? Sai de banda! A, pois por meu lado eu saí. Tava em Aflitos, pois eu já não contei que o que faltava da cintura pra riba eu tinha de sobra dela pra baixo? Minhas pernas me levaram pra Aflitos. Mas vou te contar o porquê na igreja não tinham o sino badalado. Coisa esquisita. Vixe, e como era esquisito! Demorou-se, mas eu soube o motivo. Quem tocava o sino pro padre local era o próprio coroinha – molecote de seus 14 anos, se muito. Mas esse menino – vês que era uma criança – era judiado pelo tal major. Fazia do garoto sua ordenança. Tanto lhe fez de maldade que o pobre não agüentou mais. Passou a corda no pescoço e se jogou no vazio. Ficou dependurado se debatendo, pois a ponta da corda o desinfeliz atochou no badalo do tal sino que silenciou como coruja perdida. Desde então o sino se calou, mas não podia. As mulheres enxeridas, aqueles ratos das igrejas, falando pelos cotovelos (Vistes, já falei delas lá atrás) reclamavam ao padre alguém que tocasse de novo o sino.
O que é que se falava do tal major mais o menino defunto? É coisa de muita vergonheira. Pois corria a boca pequena que o tal garoto de catorze anos – moleque bem posto bonito e com trejeitos de moça – passava por mulher-dama na casa do major. Pode-se com tais negócios imorais? Pode-se com tais sem-vergonhices? O que eu estranhei foi que ninguém, mas nem unzinho só do povo dali mexeu uma palha pro modo acabar com a porquice atribuída ao tal militar reformado. Velho patife! Solteirão, porque a mulher o chifrou com o agente da Estrada de Ferro indo mais ele pro Cariri. Diz que fez um escândalo dos brabos e ficou nisso só. Aí escorregaram os olhos safados seus pro menino. A casa pobre, sem comer todos os dias, aceitou as promessas do manda-chuva do povoado. E foi-se aquela patifaria indigna de um sujeito major de polícia aposentado. Sem filhos, adotou o que se finou como tal, prometendo botar tudinho o que tinha em nome dele. Os olhos da mãe e do pai cresceram. Nenhum dos dois ia passar mais necessidades. Mas se sumiram do povoado. Foram dar com os costados num lugarejo distante dali muitas horas. Pra se ir lá era de trem que se fazia. Se sumiram, dando de bandeja o pobre garoto que foi espezinhado pelo major, até que ele resolveu morrer.
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O que é que se falava do tal major mais o menino defunto? É coisa de muita vergonheira. Pois corria a boca pequena que o tal garoto de catorze anos – moleque bem posto bonito e com trejeitos de moça – passava por mulher-dama na casa do major. Pode-se com tais negócios imorais? Pode-se com tais sem-vergonhices? O que eu estranhei foi que ninguém, mas nem unzinho só do povo dali mexeu uma palha pro modo acabar com a porquice atribuída ao tal militar reformado. Velho patife! Solteirão, porque a mulher o chifrou com o agente da Estrada de Ferro indo mais ele pro Cariri. Diz que fez um escândalo dos brabos e ficou nisso só. Aí escorregaram os olhos safados seus pro menino. A casa pobre, sem comer todos os dias, aceitou as promessas do manda-chuva do povoado. E foi-se aquela patifaria indigna de um sujeito major de polícia aposentado. Sem filhos, adotou o que se finou como tal, prometendo botar tudinho o que tinha em nome dele. Os olhos da mãe e do pai cresceram. Nenhum dos dois ia passar mais necessidades. Mas se sumiram do povoado. Foram dar com os costados num lugarejo distante dali muitas horas. Pra se ir lá era de trem que se fazia. Se sumiram, dando de bandeja o pobre garoto que foi espezinhado pelo major, até que ele resolveu morrer.
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segunda-feira, 7 de junho de 2010
ARREMEDO DE GUERRA
Tu vês senhor como a gente se mete em situações esquerdas? Eu nunca que pensava passar por situação tão desgastante. E eu só não participei de o padre se finar porque o raio do cabra, no desespero do calor, cortou tudo e se salvou; mas soube por terceiros que ele anda à minha procura pra acertar as nossas contas. Engraçado: ele come a sobremesa enfrenta a raiva do pai da moça ta com a consciência pesada e ainda aceita o convite do homem? Fosse ele, já tinha me arrancado de lá há tempo. Mas não; deve ter pensado que na sua condição de padre o pai da moça não teria coragem de fazer o que pretendeu e fez. O que é que eu, Mariano Bé tenho com toda essa celeuma? Ele que se vá atrás do doutor Damasceno, do Mirante o de Zévedo. Peguei um comboio e me despachei pra bem distante. Fui lá pra Serra dos Aflitos e pra uma cidade com o mesmo nome: Aflitos. Até que se casou com a minha situação de então. Aflição, pura aflição. E seria pra menos? Lógico que não né? Lá eu me sentia seguro e livre das mãos do padre. Não sei se teria coragem de levantar as mãos pra um. Não desejava ser excomungado. Ficou tudo bem até uma pequena confusão que deu por causo de se bater o sino da Matriz Depois eu relato o acontecido. E foi por lá que fiquei sabendo que o exército republicano tava recrutando voluntários para desalojar aquele povaréu do arraial Canudos. Daí que nós podemos recuar de novo até àquelas paragens com seus capítulos de trovejar de canhões, tiroteios, foiçadas, marretadas e muito sangue. Isto é: se tu tiveres disposto a escrever mais. Eu vou misturando as aventuras porque todas são boas de contar e me merecem a atenção devida. Concordas? A, pois que assim seja então. O que puder ser melhorado, por favor, faz aí das suas e enfeita: mete um floreio, aumenta, sem exagero, mas que fique uma coisa boa de ler ou de ser contada. Não são estórias de Trancoso não, são de verdade verdadeiras. Quem muito anda tem sempre muito que contar, e com Mariano Bé, este aqui, não podia ser diferente. Conto e reconto de voz viva pra que se guarde alguma coisa feita e não caia em esquecimento, mas que se torne uma espécie de lenda como foi a do recente extinto profeta Antonio Conselheiro. Quis em até fazer literatura de cordel, mas não é pra mim não. Nem sei como fazem aquelas garatujas bonitas que enfeitam os livrinhos. Aquelas figuras tronchas em preto e branco – em madeira retalhada de ponta de faca, em cuja face se passa tinta negra e se espreme por debaixo de uma prensa. Bota-se uma folha branca por debaixo e se força a tal prensa, rolando num eixo-sem-fim até deitar por sobre a folha-capa. E saem aquelas belezas de artes. Dou pra isso não. Isto são coisas pra profissionais das artes; coisa que fui nunca e não me foi agora, e que jamais serei. De verdade e de gosto, que te confesse eu isso. Dou pra coisa não. Minhas mãos são pesadas demais, meus dedos duros e minha cabeça funcionam assim não. Nunquinha, mas nem por isso vou deixar de ver a minha estória num livro bonito de capa dura, colorido e com o meu nome por riba dele. Vão me mirar com orgulho, as mulheres principalmente. Vão exclamar cheias de vaidades: “Olhem que é vem o moço escritor”; “Olhem o seu andar seguro e seu queixo pra riba ancho de orgulho!”
E eu vou ficar como? Abestalhado? Vou nada. Vou continuar o mesminho de agora. Só desejo deixar meu nome no Panteão dos nomes famosos. É assim que se diz mesmo? Vôte! Que foi o senhor mesmo que me falou quando contratei seus serviços. E eu irei pra lá? Meu nome vai ser falado muito? Nas ruas, vão me conhecer? Se for assim, to feliz. Se for ou não valer algum cruzado pra eu não me importa. Quero que saibam o que foi a guerra dos Canudos, a guerra do doutor Damasceno mais o padre, a infelicidade de Alísia e as bravuras de Mirante, por que no outro nada vi que lhe pudesse servir de sucesso. Zévedo. Zé-ve-do! É lá nome?
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E eu vou ficar como? Abestalhado? Vou nada. Vou continuar o mesminho de agora. Só desejo deixar meu nome no Panteão dos nomes famosos. É assim que se diz mesmo? Vôte! Que foi o senhor mesmo que me falou quando contratei seus serviços. E eu irei pra lá? Meu nome vai ser falado muito? Nas ruas, vão me conhecer? Se for assim, to feliz. Se for ou não valer algum cruzado pra eu não me importa. Quero que saibam o que foi a guerra dos Canudos, a guerra do doutor Damasceno mais o padre, a infelicidade de Alísia e as bravuras de Mirante, por que no outro nada vi que lhe pudesse servir de sucesso. Zévedo. Zé-ve-do! É lá nome?
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ARREMEDO DE GUERRA
Ai eu retruquei: -“Meu padre, se eles não virem à fumaceira e os clarões do fogo, eles voltam de onde deverão estar pra acabar com nós dois: com o padre e com este que te fala.” Conte que eu vou fazer o mandado, sim senhor. Ele me disse, cheio de nervoso, que não teria coragem suficiente pra se cortar as coisas. Morreria torrado, mas não cortaria a genitália. Achei ele um cabra de peito. Dei de ombros e fui pra fora jogar o querosene nas palhas. Feito o mandado, pela metade, gritei pro padre avisando:
–Senhor meu padre vou riscar o fósforo e tocar fogo. Se resolva de uma vez, loguinho, por favor, que não quero carregar essa culpa no coração. Faço não, por gosto. Corta isso de vez e cai fora. Me ajude a cumprir o mandado se não morro eu.
O padre urrava tentando arrancar tudo pela passagenzinha mesmo, e nem arrastara o baú por um milímetro. Aí declarei que tava demorando demais a minha parte. O primeiro fósforo se apagou queimando as pontas de meus dedos. Risquei o segundo e joguei às palhas, sem tremor nas mãos. Nada! Só no terceiro que a coisa se fez. E foram três de uma vez. O fogo foi se espalhando devagar; o vento ia ajudando a aumentar as línguas de fogo que tomavam conta de tudo. Gritei já em desespero e cuidando de não levar à pena o que eu tava fazendo.
–Corte excomungado! Quem te mandou comer a sobremesa que não era pra tua mesa? Vai, corte meu padre, corte pra não se assar mais a genitália e todo o resto!
Logo e logo o fogo tomava conta de tudo. Tava um braseiro do lado de fora, imagine-se do lado de dentro? Virei às costas e corri na direção da porteira da fazenda. Não havia por ali uma alma que pudesse ir dar ajuda ao padre. O drama dele não era de minha conta, não senhor. Dei chance a ele. Parado na porteira, ouvi um urro maior do que um urso poderia dar e logo a seguir o padre saia de dentro do inferno aos tropicões e se derreando ao chão. A borda da batina tava em fogo puro. Ele se rolava no chão batendo com as mãos, modo apagar aquilo. Isto tudinho eu já relatei, mas reforço a estória pra que não haja dúvidas de minhas boas intenções ao padre jovem boa pinta e de cabelos escovados pra trás, enfim moço pra morrer. Até que pra morrer não tem idade não senhor, mas o pior é ter de viver sem as ditas coisas importantes prum cabra macho fazedor de mulheres e, quem sabe, de quengas? A, pois foi assim, de repetido, bem entendido pelo senhor e que espero seja também pelos leitores se tiver algum que leia essa aventura e todo o restante da estória, que foi longe! Confesso que de prima não desejava contar tudo. Arre, como não mesmo! Não que eu fizesse gosto naquilo, naquela tragédia de morte de um representante de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Nossa Senhora. Vixe, que seria uma marca ruim em minha vida restante. Coisa de gente sem vísceras, malvada, covarde, mas o que fazer? Já tinha recebido a paga, já tinha empenhado a minha palavra e dado o meu obedecer sem titubear. O padre é que não queria entender. Mas veja o senhor que eu dei todas as chanches pra ele se sair dali, mas pensando que ele preferisse a Morte àquilo, àquele sofrer de aleijão. Vi, por fim, que não era um cabra macho, pois que não prezava as suas coisas que nasceram com ele, que vieram ao mundo juntinho a ele. Assuntei, num instantezinho, que o tal não merecia viver. Tinha razão o doutor Damasceno. A justiça tinha seu lugar ali naquelas escaramuças, e ele, pai ofendido, pois que a filha não se achava em nada ofendida, tinha todo o direito de fazer com as próprias mãos o que as autoridades não fariam. A igreja é forte demais da conta, e os padres têm proteção da padreada que não deixa de ir na igreja, mesmo sabendo das estripulias até de um coroinha. Mas, se tudo é comprovado, então a padreada se goza de ver o circo pegar fogo. Já disse isso em antes, mas repito.
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–Senhor meu padre vou riscar o fósforo e tocar fogo. Se resolva de uma vez, loguinho, por favor, que não quero carregar essa culpa no coração. Faço não, por gosto. Corta isso de vez e cai fora. Me ajude a cumprir o mandado se não morro eu.
O padre urrava tentando arrancar tudo pela passagenzinha mesmo, e nem arrastara o baú por um milímetro. Aí declarei que tava demorando demais a minha parte. O primeiro fósforo se apagou queimando as pontas de meus dedos. Risquei o segundo e joguei às palhas, sem tremor nas mãos. Nada! Só no terceiro que a coisa se fez. E foram três de uma vez. O fogo foi se espalhando devagar; o vento ia ajudando a aumentar as línguas de fogo que tomavam conta de tudo. Gritei já em desespero e cuidando de não levar à pena o que eu tava fazendo.
–Corte excomungado! Quem te mandou comer a sobremesa que não era pra tua mesa? Vai, corte meu padre, corte pra não se assar mais a genitália e todo o resto!
Logo e logo o fogo tomava conta de tudo. Tava um braseiro do lado de fora, imagine-se do lado de dentro? Virei às costas e corri na direção da porteira da fazenda. Não havia por ali uma alma que pudesse ir dar ajuda ao padre. O drama dele não era de minha conta, não senhor. Dei chance a ele. Parado na porteira, ouvi um urro maior do que um urso poderia dar e logo a seguir o padre saia de dentro do inferno aos tropicões e se derreando ao chão. A borda da batina tava em fogo puro. Ele se rolava no chão batendo com as mãos, modo apagar aquilo. Isto tudinho eu já relatei, mas reforço a estória pra que não haja dúvidas de minhas boas intenções ao padre jovem boa pinta e de cabelos escovados pra trás, enfim moço pra morrer. Até que pra morrer não tem idade não senhor, mas o pior é ter de viver sem as ditas coisas importantes prum cabra macho fazedor de mulheres e, quem sabe, de quengas? A, pois foi assim, de repetido, bem entendido pelo senhor e que espero seja também pelos leitores se tiver algum que leia essa aventura e todo o restante da estória, que foi longe! Confesso que de prima não desejava contar tudo. Arre, como não mesmo! Não que eu fizesse gosto naquilo, naquela tragédia de morte de um representante de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Nossa Senhora. Vixe, que seria uma marca ruim em minha vida restante. Coisa de gente sem vísceras, malvada, covarde, mas o que fazer? Já tinha recebido a paga, já tinha empenhado a minha palavra e dado o meu obedecer sem titubear. O padre é que não queria entender. Mas veja o senhor que eu dei todas as chanches pra ele se sair dali, mas pensando que ele preferisse a Morte àquilo, àquele sofrer de aleijão. Vi, por fim, que não era um cabra macho, pois que não prezava as suas coisas que nasceram com ele, que vieram ao mundo juntinho a ele. Assuntei, num instantezinho, que o tal não merecia viver. Tinha razão o doutor Damasceno. A justiça tinha seu lugar ali naquelas escaramuças, e ele, pai ofendido, pois que a filha não se achava em nada ofendida, tinha todo o direito de fazer com as próprias mãos o que as autoridades não fariam. A igreja é forte demais da conta, e os padres têm proteção da padreada que não deixa de ir na igreja, mesmo sabendo das estripulias até de um coroinha. Mas, se tudo é comprovado, então a padreada se goza de ver o circo pegar fogo. Já disse isso em antes, mas repito.
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sábado, 5 de junho de 2010
ARREMEDO DE GUERRA
Em antes de relatar o restante dessa estória devo dizer que os quatro se sumiram tão depressa que me vi só, apalermado, sem iniciativa apressada como haveria de fazer e contar os demais acontecidos do dia. Olhei a casa abandonada pelos seus donos, ali também só como eu.
Para ser bastante fiel a toda essa estória de vingança boba do doutor Damasceno, coisa desnecessária por já ter a moça feita mulher, e que ninguém nem o Diabo dariam mais jeito na sua virgindade, que era coisa trás importante pras moças daquelas bandas, e de qualquer outra banda que não fosse acolá, me obriga a relatar tudo direitinho nos detalhes de toda a conversa minha mais o padre, que ia ser sacrificado bobamente. To contando por agora por já estar longe de qualquer alcance dos braços fortes de Mirante, do ódio gordo do pançudo doutor Damasceno e do bocó, porém malvado, Zévedo. Ouça bem em esta prosa minha e escreve, pode escrever sim, que quero entrante em minha memória.
Eu já tava com o dinheiro no bolso do meu velho paletó e, meio que descorçoado andei na direção da cabana. Chegando lá, fiz uma pergunta boba a toazinha, pois sabia que o cidadão tava lá dentro, mas fazendo o quê? Por que não saia de lá de dentro?
–O senhor meu bom padre ta ai dentro? Não pretende sair? Pois olhes, tenho ordens pra tocar fogo nessa obra. Depois que eu tocar fogo em tudo, posso me ir embora. Espero o padre vir pra cá pra fora.
Eu só ouvia um gemido abafado como se o padre estivesse enterrado a cabeça chã adentra. Arrisquei espiar e levei baita susto. Não é que o padre tava com uma mordaça enfiada na boca e agarrado ao baú parecia que pela batina? Por riba da tampa do baú deixaram uma peixeira de mais ou menos oito polegadas afiadinha que só navalha de barbeiro. Não tava entendendo mais nada, mas logo me deu uma pancada na cabeça. Pensei: “-Aí tem coisa desgramada.” Ah, então entrei modo ver o que se passava com o senhor meu padre, que eu guardo muito respeito por um. Ai foi que descobri tudinho meu senhor. As coisas do homem tava pra dentro do baú por aquela passagenzinha na tampa e na parte de baixo do malão. Ignorava toda a verdade. “-Tiro já o senhor daí meu padre”, Disse modo acalmar ele. Procurei um meio de abrir o baú, mas cadê a chave? Então resolvi livrar ele da mordaça. Foi ai que ele contou pra eu o que lhe havia feito o doutor Damasceno. Eu relatei pra ele o meu lado, a minha versão, e as ordens que tinha a fazer sob pena de ser caçado pelos três, pelo restante de minha vida. O homem tava agoniado, choroso de dar pena. O causo era o seguinte: uma vez tocado fogo na cabana de palha o padre só teria uma coisa a fazer: cortar ele próprio suas coisas (depois, mais detalhado, ele deu o nome das coisas: genitália), pra se salvar de morte horrível pelo fogaréu. Aí então entendi a maldade daquela gente. Melhor era sangrar o padre logo, mas ah, não...! Ele mesmo tinha que cortar a genitália, que ia se assar dentro do baú. Que coisa difícil de resolver por ele mesmo!
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Para ser bastante fiel a toda essa estória de vingança boba do doutor Damasceno, coisa desnecessária por já ter a moça feita mulher, e que ninguém nem o Diabo dariam mais jeito na sua virgindade, que era coisa trás importante pras moças daquelas bandas, e de qualquer outra banda que não fosse acolá, me obriga a relatar tudo direitinho nos detalhes de toda a conversa minha mais o padre, que ia ser sacrificado bobamente. To contando por agora por já estar longe de qualquer alcance dos braços fortes de Mirante, do ódio gordo do pançudo doutor Damasceno e do bocó, porém malvado, Zévedo. Ouça bem em esta prosa minha e escreve, pode escrever sim, que quero entrante em minha memória.
Eu já tava com o dinheiro no bolso do meu velho paletó e, meio que descorçoado andei na direção da cabana. Chegando lá, fiz uma pergunta boba a toazinha, pois sabia que o cidadão tava lá dentro, mas fazendo o quê? Por que não saia de lá de dentro?
–O senhor meu bom padre ta ai dentro? Não pretende sair? Pois olhes, tenho ordens pra tocar fogo nessa obra. Depois que eu tocar fogo em tudo, posso me ir embora. Espero o padre vir pra cá pra fora.
Eu só ouvia um gemido abafado como se o padre estivesse enterrado a cabeça chã adentra. Arrisquei espiar e levei baita susto. Não é que o padre tava com uma mordaça enfiada na boca e agarrado ao baú parecia que pela batina? Por riba da tampa do baú deixaram uma peixeira de mais ou menos oito polegadas afiadinha que só navalha de barbeiro. Não tava entendendo mais nada, mas logo me deu uma pancada na cabeça. Pensei: “-Aí tem coisa desgramada.” Ah, então entrei modo ver o que se passava com o senhor meu padre, que eu guardo muito respeito por um. Ai foi que descobri tudinho meu senhor. As coisas do homem tava pra dentro do baú por aquela passagenzinha na tampa e na parte de baixo do malão. Ignorava toda a verdade. “-Tiro já o senhor daí meu padre”, Disse modo acalmar ele. Procurei um meio de abrir o baú, mas cadê a chave? Então resolvi livrar ele da mordaça. Foi ai que ele contou pra eu o que lhe havia feito o doutor Damasceno. Eu relatei pra ele o meu lado, a minha versão, e as ordens que tinha a fazer sob pena de ser caçado pelos três, pelo restante de minha vida. O homem tava agoniado, choroso de dar pena. O causo era o seguinte: uma vez tocado fogo na cabana de palha o padre só teria uma coisa a fazer: cortar ele próprio suas coisas (depois, mais detalhado, ele deu o nome das coisas: genitália), pra se salvar de morte horrível pelo fogaréu. Aí então entendi a maldade daquela gente. Melhor era sangrar o padre logo, mas ah, não...! Ele mesmo tinha que cortar a genitália, que ia se assar dentro do baú. Que coisa difícil de resolver por ele mesmo!
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quinta-feira, 3 de junho de 2010
ARREMEDO DE GUERRA
Me botei pro lado de fora do terreno como se aquilo me fosse livrar do ato pecaminoso que tava fazendo por dinheiro, qual um Judas. As lembranças da conversas nossas – minha com o doutor Damasceno – ficaram me martelando a cabeça. Lembro bem minhas respostas firmes sem titubeio algum e me lembro de tudo em antes.
– “Em sim, to de ouvidos atentos às suas ordens.”
Na saída deles, dele me foi passado um envelope pesado. Já eu sabia que se tratava de moeda-papel. Quanto tinha ali eu não fazia tento de ver em quanto era ou seria o meu serviço que eu até já sabia qual foi. Tava era nervoso eu, pois nunca vi em minhas mãos calejadas um envelope tão grosso e pesadinho. Não devia ter moeda alguma. Era só de notas. Nunca que vira coisa assim em antes. Fiquei só no terreiro. Então nervoso de curiosidade abri o envelope pra ver a realidade que em minhas mãos se fazia. Espiei. Senhor meu senhor era muita coisa em notas. Um bolo apertadinho por ligas de borracha, mas dava pra ver que era muita. Ra! Nunca me foi tão fácil ganhar salário à toinha. Vixe que era muito dinheiro! Que causa me coube fazer não me fazia diferença. Eu Mariano Bé, tava era enricado! Sujeito bom aquele seu doutor Damasceno. Homem de muita justiça e reconhecimento. Foi então que Zévedo se chegou com quatro cavalos todos de uma boniteza só. Vi a menina ser auxiliada na montagem. Mirante, já em cima da sela, em sua montaria; Zévedo esperando só o “patrão-pai” pra montar, e ele ia se montar a sua, sem sela. Era o único alazão sem sela, o de Zévedo. O doutor cavalheiro passou por mim me cumprimentando com seu chapéu de aba larga, de feltro. Zévedo ajudou ele a montar. Ali parado da banda de fora do terreno da fazenda eu me lembrava da cada fato. De cima de sua sela me olhou dizendo muito sério:
–Ta lá a tua tarefa cabrito. Vai lá e lambuza todinha a palha com isto, deste galão, e toca fogo. Toca fogo e se vá e não contes a ninguém o sucedido se não Mirante mais eu vamos à sua cola onde tu estiveres. Ai tem o teu pago e bem pago neste envelope, e se não fizer como ordenado por mim irei te pagar mais ainda bem pago, pior até. Cá ta se fazendo justiça. Dou àquele cabra sem-vergonho a oportunidade de continuar vivo, mas, porém sem a sua ferramenta de maldades. Tu já sabes. Desejo ver a distância o fogaréu ardendo ou a fumaça, se não voltamos aqui pra acabar com ambos, tu e o outrozinho. Avia, já, vai lá e faz o mandado. Nem tu nem o outro vai perder nadinha, pois o que não presta não se perde. Eia! Vamos!
Eita recordaçõezinhas bobas aquelas minhas depois de ter feito o serviço bem feito. A fumaceira subia em rolos pros altos. Uns urubus que passavam por cima evitavam a direção da cabana comburente. O calor subia pros altos também. Tudo se estalava e eu não via o padre, coitado, sair lá de dentro. Fiz menção de retornar. Passei pro lado de dentro do terreno. De repente com um grito de maluco vi a figura do padre já de fogo na veste preta romper pelo meio do fogaréu cheio de gritos e se espojando no chão modo apagar as chamas que queria lamber ele sem dó nem piedade. As mãos estavam com sangue. Ele se rolava no chão e a poeira subindo, comadre da fumaça. A cabana se derreou de vez. O homem saiu de lá na horinha mesmo, mas capado sem dúvida. As coisas dele ficaram dentro do baú assando e iam virar carvão. Um homem de elegância e de cara de artista de cinema como ele era não iria aceitar sua castração. Se mataria ou morreria de infecção pustemosa? Com o pobre diabo (fiz o sinal da cruz) sem a sua ferramenta de cabra viril, mas vivo, preferi dar no pé. E foi o que eu fiz na mesminha hora sem esperar pra ver no que dava aquilo tudo. Tava pago. Ia embora.
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– “Em sim, to de ouvidos atentos às suas ordens.”
Na saída deles, dele me foi passado um envelope pesado. Já eu sabia que se tratava de moeda-papel. Quanto tinha ali eu não fazia tento de ver em quanto era ou seria o meu serviço que eu até já sabia qual foi. Tava era nervoso eu, pois nunca vi em minhas mãos calejadas um envelope tão grosso e pesadinho. Não devia ter moeda alguma. Era só de notas. Nunca que vira coisa assim em antes. Fiquei só no terreiro. Então nervoso de curiosidade abri o envelope pra ver a realidade que em minhas mãos se fazia. Espiei. Senhor meu senhor era muita coisa em notas. Um bolo apertadinho por ligas de borracha, mas dava pra ver que era muita. Ra! Nunca me foi tão fácil ganhar salário à toinha. Vixe que era muito dinheiro! Que causa me coube fazer não me fazia diferença. Eu Mariano Bé, tava era enricado! Sujeito bom aquele seu doutor Damasceno. Homem de muita justiça e reconhecimento. Foi então que Zévedo se chegou com quatro cavalos todos de uma boniteza só. Vi a menina ser auxiliada na montagem. Mirante, já em cima da sela, em sua montaria; Zévedo esperando só o “patrão-pai” pra montar, e ele ia se montar a sua, sem sela. Era o único alazão sem sela, o de Zévedo. O doutor cavalheiro passou por mim me cumprimentando com seu chapéu de aba larga, de feltro. Zévedo ajudou ele a montar. Ali parado da banda de fora do terreno da fazenda eu me lembrava da cada fato. De cima de sua sela me olhou dizendo muito sério:
–Ta lá a tua tarefa cabrito. Vai lá e lambuza todinha a palha com isto, deste galão, e toca fogo. Toca fogo e se vá e não contes a ninguém o sucedido se não Mirante mais eu vamos à sua cola onde tu estiveres. Ai tem o teu pago e bem pago neste envelope, e se não fizer como ordenado por mim irei te pagar mais ainda bem pago, pior até. Cá ta se fazendo justiça. Dou àquele cabra sem-vergonho a oportunidade de continuar vivo, mas, porém sem a sua ferramenta de maldades. Tu já sabes. Desejo ver a distância o fogaréu ardendo ou a fumaça, se não voltamos aqui pra acabar com ambos, tu e o outrozinho. Avia, já, vai lá e faz o mandado. Nem tu nem o outro vai perder nadinha, pois o que não presta não se perde. Eia! Vamos!
Eita recordaçõezinhas bobas aquelas minhas depois de ter feito o serviço bem feito. A fumaceira subia em rolos pros altos. Uns urubus que passavam por cima evitavam a direção da cabana comburente. O calor subia pros altos também. Tudo se estalava e eu não via o padre, coitado, sair lá de dentro. Fiz menção de retornar. Passei pro lado de dentro do terreno. De repente com um grito de maluco vi a figura do padre já de fogo na veste preta romper pelo meio do fogaréu cheio de gritos e se espojando no chão modo apagar as chamas que queria lamber ele sem dó nem piedade. As mãos estavam com sangue. Ele se rolava no chão e a poeira subindo, comadre da fumaça. A cabana se derreou de vez. O homem saiu de lá na horinha mesmo, mas capado sem dúvida. As coisas dele ficaram dentro do baú assando e iam virar carvão. Um homem de elegância e de cara de artista de cinema como ele era não iria aceitar sua castração. Se mataria ou morreria de infecção pustemosa? Com o pobre diabo (fiz o sinal da cruz) sem a sua ferramenta de cabra viril, mas vivo, preferi dar no pé. E foi o que eu fiz na mesminha hora sem esperar pra ver no que dava aquilo tudo. Tava pago. Ia embora.
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ARREMEDO DE GUERRA
A ARAPUCA
A ARAPUCA
Havia muitos dias que eu observava o adejar de um pássaro pelos limites de meu quintal. Os seus incansáveis vôos só terminavam depois que o Sol se escondia por detrás da bela montanha das Duas Pedras. Havia algo de singular naquela ave. Aqueles foram os primeiros dias de observações em que, graças a um relance de olhar mais acurado, eu a percebia por entre as folhagens de um abacateiro. Já era de tardinha, e as sombras da noite se aproximavam rapidamente, naquele inverno, sobre os telhados das casas do meu bairro. Não fora sempre assim. Lembra-me que o inverno do ano anterior as tardes pareciam mais longas, e a luminosidade reinante facilitava-nos à visão de detalhes dos pássaros viajores.
Bela era a visão dos bicos de lacres adejando em verdadeiras nuvens ao matagal existente ali próximo. Vinham eles lá dos lados das margens do rio para, em vôos rápidos, alcançarem as matas vicejantes na parte alta do bairro, onde uma espécie de capim lhes fornecia o alimento necessário.
Os bem-te-vis não se faziam de rogados. Eles estavam o dia inteiro pousando sobre as antenas de televisão, sobre a fiação de postes de iluminação pública, sobre as cumeeiras das residências e sobre as muitas árvores protetoras. As andorinhas, essas só chegavam de muito longe pelos meses de agosto a outubro. Faziam seus ninhos debaixo das telhas das pingadeiras e em quaisquer outros orifícios, sob o viaduto primordialmente.
Eu, numa dessas ocasiões, aguardando as presenças dessas graciosas aves negras, preparei uma espécie de “condomínio” com “apartamentos” confortáveis para, pelo menos, seis delas. Tudo feito com esmero e carinho em uma caixa de papelão de 0,54 x 0,10m.; as aves chegaram e não ocuparam logo de saída os “imóveis” especialmente preparados por mim para as incubações na estação apropriada às criações dos filhotes. Mais tarde, ao me aproximar do “condomínio” senti os vôos rasantes das andorinhas – mães valentes e super protetoras – sobre minha cabeça. Elas aceitaram, por fim, o meu presente. Quanto orgulho eu senti.
Quis dizer com isso que a variedade de pássaros em meu bairro é bastante festiva – não mencionei os bandos de pombos e alguns pares de gaviões que adejam a vizinhança. Eles, sem dúvida alguma, dão vida ao nosso recanto residencial. Mas, bem, o escopo principal desse meu texto, que poderão chamar conto, crônica ou mesmo simples narrativa, é à direção do singular pássaro que surgiu não se sabe de onde para se demorar. Por certo, deveria estar desgarrado de seu bando, desorientado pelo pólo magnético, ou expulso de sua comunidade alada – coisa quase impossível de acontecer às aves.
A tal ave tinha características totalmente diferenciadas das muitas
habitantes locais daí o meu interesse em vê-la mais perto, tocá-la e
acariciá-la, uma vez presa às minhas mãos. Com tal intenção, tentei
atraí-la com frutas – papaia, goiaba, banana e figo – que dispunha
cuidadosamente por sobre a tampa do depósito de água.
Acho que eu menosprezei a inteligência da ave que tinha uma longa
cauda azulada mesclada de verde, a penugem na cor marrom, o peito
vermelho e o bico de uma cor indefinida. As patas longas – bem mais
que as das demais aves minhas conhecidas – eram de cor amarelo ouro.
Uma verdadeira pintura voadora. Nunca a vi beliscando as frutas, mas
tinha certeza de que ela se servia delas para se alimentar sob a lei
do menor esforço. Outros pássaros eu já os tinha visto ali por perto
aproveitando o repasto frutífero.
Armei, então, uma arapuca para aprisionar a inusitada ave. Eu a
coloquei próximo ao alimento, mas com o cuidado de deixar no interior
da armadilha um naco vermelho da papaia. Aquele pedaço da fruta,
atraente pela sua cor, despertaria a atenção do pássaro, objeto de
minha curiosidade.
Eu não pretendia engaiolá-lo porque que jamais desejei subtrair à
liberdade aos pássaros a quem o Criador deu asas para voarem, e não
para serem confinados.
Larguei para lá e me fui. Na manhã seguinte, fui dar uma espiada.
Achava que daquela vez eu o teria em minhas mãos. Já o sentia quente e
palpitante entre os meus dedos, e depois feliz por vê-lo alar-se à
imensidão de onde viera soltando-o, após, ao simples ato de abrir os
dedos e devolvendo-lhe a total liberdade. Dele, de sua presença junto
à arapuca, ficou tão só uma pena, mas dentro da pequena prisão, preso
e cansado, por naturalmente ter-se debatido em vão, estava um filhote
de gavião, e a arreliá-lo, por fora, uma dezena de pardais, seus
maiores inimigos na Natureza. Deduzi o sucedido: a minha ave singular
pousou para beliscar as frutas e, de repente, o filhote de gavião caiu
sobre ela espantando-a, ao mesmo tempo em que gaviãozinho se viu
acuado pelos pequenos pardais. Assustado, e em situação adversa,
penetrou à armadilha que se fechou, aprisionando-o. Fiquei sem o que
eu desejava e consegui o que eu não queria. O resto, todos poderão
avaliar a seqüência dos acontecimentos.
Havia muitos dias que eu observava o adejar de um pássaro pelos limites de meu quintal. Os seus incansáveis vôos só terminavam depois que o Sol se escondia por detrás da bela montanha das Duas Pedras. Havia algo de singular naquela ave. Aqueles foram os primeiros dias de observações em que, graças a um relance de olhar mais acurado, eu a percebia por entre as folhagens de um abacateiro. Já era de tardinha, e as sombras da noite se aproximavam rapidamente, naquele inverno, sobre os telhados das casas do meu bairro. Não fora sempre assim. Lembra-me que o inverno do ano anterior as tardes pareciam mais longas, e a luminosidade reinante facilitava-nos à visão de detalhes dos pássaros viajores.
Bela era a visão dos bicos de lacres adejando em verdadeiras nuvens ao matagal existente ali próximo. Vinham eles lá dos lados das margens do rio para, em vôos rápidos, alcançarem as matas vicejantes na parte alta do bairro, onde uma espécie de capim lhes fornecia o alimento necessário.
Os bem-te-vis não se faziam de rogados. Eles estavam o dia inteiro pousando sobre as antenas de televisão, sobre a fiação de postes de iluminação pública, sobre as cumeeiras das residências e sobre as muitas árvores protetoras. As andorinhas, essas só chegavam de muito longe pelos meses de agosto a outubro. Faziam seus ninhos debaixo das telhas das pingadeiras e em quaisquer outros orifícios, sob o viaduto primordialmente.
Eu, numa dessas ocasiões, aguardando as presenças dessas graciosas aves negras, preparei uma espécie de “condomínio” com “apartamentos” confortáveis para, pelo menos, seis delas. Tudo feito com esmero e carinho em uma caixa de papelão de 0,54 x 0,10m.; as aves chegaram e não ocuparam logo de saída os “imóveis” especialmente preparados por mim para as incubações na estação apropriada às criações dos filhotes. Mais tarde, ao me aproximar do “condomínio” senti os vôos rasantes das andorinhas – mães valentes e super protetoras – sobre minha cabeça. Elas aceitaram, por fim, o meu presente. Quanto orgulho eu senti.
Quis dizer com isso que a variedade de pássaros em meu bairro é bastante festiva – não mencionei os bandos de pombos e alguns pares de gaviões que adejam a vizinhança. Eles, sem dúvida alguma, dão vida ao nosso recanto residencial. Mas, bem, o escopo principal desse meu texto, que poderão chamar conto, crônica ou mesmo simples narrativa, é à direção do singular pássaro que surgiu não se sabe de onde para se demorar. Por certo, deveria estar desgarrado de seu bando, desorientado pelo pólo magnético, ou expulso de sua comunidade alada – coisa quase impossível de acontecer às aves.
A tal ave tinha características totalmente diferenciadas das muitas
habitantes locais daí o meu interesse em vê-la mais perto, tocá-la e
acariciá-la, uma vez presa às minhas mãos. Com tal intenção, tentei
atraí-la com frutas – papaia, goiaba, banana e figo – que dispunha
cuidadosamente por sobre a tampa do depósito de água.
Acho que eu menosprezei a inteligência da ave que tinha uma longa
cauda azulada mesclada de verde, a penugem na cor marrom, o peito
vermelho e o bico de uma cor indefinida. As patas longas – bem mais
que as das demais aves minhas conhecidas – eram de cor amarelo ouro.
Uma verdadeira pintura voadora. Nunca a vi beliscando as frutas, mas
tinha certeza de que ela se servia delas para se alimentar sob a lei
do menor esforço. Outros pássaros eu já os tinha visto ali por perto
aproveitando o repasto frutífero.
Armei, então, uma arapuca para aprisionar a inusitada ave. Eu a
coloquei próximo ao alimento, mas com o cuidado de deixar no interior
da armadilha um naco vermelho da papaia. Aquele pedaço da fruta,
atraente pela sua cor, despertaria a atenção do pássaro, objeto de
minha curiosidade.
Eu não pretendia engaiolá-lo porque que jamais desejei subtrair à
liberdade aos pássaros a quem o Criador deu asas para voarem, e não
para serem confinados.
Larguei para lá e me fui. Na manhã seguinte, fui dar uma espiada.
Achava que daquela vez eu o teria em minhas mãos. Já o sentia quente e
palpitante entre os meus dedos, e depois feliz por vê-lo alar-se à
imensidão de onde viera soltando-o, após, ao simples ato de abrir os
dedos e devolvendo-lhe a total liberdade. Dele, de sua presença junto
à arapuca, ficou tão só uma pena, mas dentro da pequena prisão, preso
e cansado, por naturalmente ter-se debatido em vão, estava um filhote
de gavião, e a arreliá-lo, por fora, uma dezena de pardais, seus
maiores inimigos na Natureza. Deduzi o sucedido: a minha ave singular
pousou para beliscar as frutas e, de repente, o filhote de gavião caiu
sobre ela espantando-a, ao mesmo tempo em que gaviãozinho se viu
acuado pelos pequenos pardais. Assustado, e em situação adversa,
penetrou à armadilha que se fechou, aprisionando-o. Fiquei sem o que
eu desejava e consegui o que eu não queria. O resto, todos poderão
avaliar a seqüência dos acontecimentos.
quarta-feira, 2 de junho de 2010
ARREMEDO DE GUERRA
O pai de todos eles, o doutor Damasceno, que parecia cada vez maior em barriga se chegou bem perto sussurrando, como se os demais de nada soubessem:
–Esperes nós se irmos e quando já não nos avistar mais faça o seu serviço. Já te disse qual será. Vamos esperar mais na frente pra ver a fumaça subindo pro céu. Se ela não levantar pros altos voltaremos cá pra fazer o serviço e mais você dentro da cabana também. E tome aqui o teu pagamento. É muito dinheiro, e valerá à pena. Tu não tens que chorar pelo desgramento, nem ter piedade dele não. Fez por merecer. E eu te pago bem por merecimento. Tas ouvindo? Não te tremam as mãos. Agora sai daqui e vai cumprir a tua missão de cabra, cabrito. Disse e deu uma gargalhada que achei funesta pra hora. A cavalhada saiu em disparada. Alísia olhava pra trás como a me pedir uma solução para a sua conversa. Que é que eu poderia fazer por ela ou por nós? Nadinha. Tava nas mãos daquela raça de gente fria e esquisita. Não vi no pouco tempo em que lá estive o doutor chamar os outros de filhos. A fumaceira dos galopes foi se sumindo. De lá de dentro da cabana eu podia ouvir os gemidos do padre os urros depois e a raiva que ele devia ter da menina que ele fez virar mulher. Me aproximei devagar. Até parecia que eu não queria fazer o serviço, pois que cheirei o líquido da lata e pressenti que fosse querosene. Bem, eu já tinha recebido todas as informações de como proceder. Com uma dúvida muito da grande no coração, atirei o liquido em torno da cabana e no teto atiçando a lata e mais tudo o que sobrou nela. Por uma fresta vi o padre preso pelas suas coisas de dar prazer nas mulheres no baú. Ele gemia de medo, muito medo. Já sabia o que lhe esperava, assim que sentiu o cheiro do querosene. Alguns pingos caíram em sua batina, e mais outros, e outros, e ele não conseguia sair do lugar. Puxar como aquele baú pesado que nem um trator? Risquei um fósforo que se apagou. Risquei mais um. Não foi diferente. Risquei três de uma só vez e aticei nas palhas. O fogo lambia as primeiras folhas secas. Aí o padre acovardado com a sua situação urrou bem alto. Mas quem ouviria ele de mordaça na boca? Eu, só eu, mas eu estava fazendo o papel de carrasco pra ele. Pediu, num abafado som que pelo amor a Deus o soltasse dali. Tirei a mordaça. O quente já estava que nem forno de padaria. Entrei já com pena do homem e arrependido de fazer aquilo com um padre representante de Deus. De Deus? Qual nada! Era mesmo do Demo, mas assim mesmo fiquei perto dele. Vi que deixaram uma peixeira enferrujada e de pouco corte por cima da tampa do baú.
–Me corte seu cabra, me corte que eu vou é pegar fogo e me torrar. Pegue a peixeira e me corte que eu não tenho coragem bastante. Eu te ajudo seu cabra. Por favor... Não se demore. Pegue a peixeira! Pegue!
Assustado me afastei e com horror também. Nem agüentava mais o calorão ali dentro.
–Faz o senhor mesmo meu padre. Tome! É só o que posso fazer pelo senhor. Botei a peixeira na mão dele e corri pro terreno. Aquilo virava uma fogueira das grandes como as das festas de São João e São Pedro. Corri na direção da porteira aberta da fazenda e parei. Tava esperando ver o padre sair lá de dentro sem as suas coisas.
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–Esperes nós se irmos e quando já não nos avistar mais faça o seu serviço. Já te disse qual será. Vamos esperar mais na frente pra ver a fumaça subindo pro céu. Se ela não levantar pros altos voltaremos cá pra fazer o serviço e mais você dentro da cabana também. E tome aqui o teu pagamento. É muito dinheiro, e valerá à pena. Tu não tens que chorar pelo desgramento, nem ter piedade dele não. Fez por merecer. E eu te pago bem por merecimento. Tas ouvindo? Não te tremam as mãos. Agora sai daqui e vai cumprir a tua missão de cabra, cabrito. Disse e deu uma gargalhada que achei funesta pra hora. A cavalhada saiu em disparada. Alísia olhava pra trás como a me pedir uma solução para a sua conversa. Que é que eu poderia fazer por ela ou por nós? Nadinha. Tava nas mãos daquela raça de gente fria e esquisita. Não vi no pouco tempo em que lá estive o doutor chamar os outros de filhos. A fumaceira dos galopes foi se sumindo. De lá de dentro da cabana eu podia ouvir os gemidos do padre os urros depois e a raiva que ele devia ter da menina que ele fez virar mulher. Me aproximei devagar. Até parecia que eu não queria fazer o serviço, pois que cheirei o líquido da lata e pressenti que fosse querosene. Bem, eu já tinha recebido todas as informações de como proceder. Com uma dúvida muito da grande no coração, atirei o liquido em torno da cabana e no teto atiçando a lata e mais tudo o que sobrou nela. Por uma fresta vi o padre preso pelas suas coisas de dar prazer nas mulheres no baú. Ele gemia de medo, muito medo. Já sabia o que lhe esperava, assim que sentiu o cheiro do querosene. Alguns pingos caíram em sua batina, e mais outros, e outros, e ele não conseguia sair do lugar. Puxar como aquele baú pesado que nem um trator? Risquei um fósforo que se apagou. Risquei mais um. Não foi diferente. Risquei três de uma só vez e aticei nas palhas. O fogo lambia as primeiras folhas secas. Aí o padre acovardado com a sua situação urrou bem alto. Mas quem ouviria ele de mordaça na boca? Eu, só eu, mas eu estava fazendo o papel de carrasco pra ele. Pediu, num abafado som que pelo amor a Deus o soltasse dali. Tirei a mordaça. O quente já estava que nem forno de padaria. Entrei já com pena do homem e arrependido de fazer aquilo com um padre representante de Deus. De Deus? Qual nada! Era mesmo do Demo, mas assim mesmo fiquei perto dele. Vi que deixaram uma peixeira enferrujada e de pouco corte por cima da tampa do baú.
–Me corte seu cabra, me corte que eu vou é pegar fogo e me torrar. Pegue a peixeira e me corte que eu não tenho coragem bastante. Eu te ajudo seu cabra. Por favor... Não se demore. Pegue a peixeira! Pegue!
Assustado me afastei e com horror também. Nem agüentava mais o calorão ali dentro.
–Faz o senhor mesmo meu padre. Tome! É só o que posso fazer pelo senhor. Botei a peixeira na mão dele e corri pro terreno. Aquilo virava uma fogueira das grandes como as das festas de São João e São Pedro. Corri na direção da porteira aberta da fazenda e parei. Tava esperando ver o padre sair lá de dentro sem as suas coisas.
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ARREMEDO DE GUERRA
O doutor Damasceno entretido com o padre não deixava de virar a sua cabeçorra e dar em nós uma espiada de desconfiado; mas, porém eu me perguntava: desconfiar de quê? Acharia o pai da moça-mulher que eu seria capaz de uma injúria logo ali no meio deles? Vixe, que esse pensamento me atordoava sim senhor. Então, ainda de olhos virados pro nosso lado ele empurrou de leve o padre pra mais dentro da cabana. Zévedo entrou mais eles, e eu fui atrás. Então dei meus passos incertos dentro da cabana que eu não dava conta do que se passaria por ali. O doutor recuou, e colocando a cabeçorra de fora fez um sinal pra Mirante, que foi logo percebido por esse, que já se conheciam bastante pra se enganarem.
Deram-se um jeitinho, piscando os olhos e meneando a cabeça pro modo eu me retirar. Obedeci à ordem muda que nem precisava dos ouvidos pra entender. Sai pro terreiro e fui convidado por Mirante a ir pra mais distante. Ele foi comigo. Me cercou com seu corpanzil grande como uma torre pondo a mão em meu ombro como se tivesse muita amizade a mim. Amizade e liberdade. Me safei de sua mão grande e pesada. O cabra tava gentil comigo até. Me disse ele: “–A conversa do patrão com o padre só interessa a ele e à sua filha Alísia. À gente não cabe escutar um tantinho só da conversa, mas te prepares que é hoje que tu vais trabalhar cabrito. Tu jamais ganhou tanto dinheiro pra fazer coisinha de nada. Tu deu sorte de nós ter-te encontrado. A pois, não achas?”
Depois de quase uma horona extensa de conversa o doutor Damasceno mais o padre e a menina saíram para o terreiro. O padre tava com uma cara de quem já tivesse se finado. Aí, pois o doutor Damasceno fez um sinal pra Mirante que atendeu de pronto à chamada. Ficaram de cabeças quase juntas ele, Mirante e o padre. Eu tive a impressão séria e correta de que o confessor tava se tremendo todo. Era o único desinfeliz ali naquele bolo. Alísia sorria um sorrisinho de vitória e de mágoa ao mesmo tempo. Menina difícil de a gente entender aquela. A presença do sujeito que lhe fizera mal em nada a envergonhava. Zévedo, às minhas costas, saiu de lá e retornou na direção da cabana levando qualquer coisa escondida na mão. Entrou na cabana e não se demorou muito lá por dentro. Rapidinho, e já tava fora em voltando pras nossas bandas. Se achegou sério. Falou com a sua voz fininha:
–Ta feito. Ta lá o negócio, e agora só depende dele né menina? Agora tu vais pra dentro de casa. Vai e te prepará pra viagem. E tu, cabrito, disse se dirigindo a minha pessoa: Mirante quer te falar já e já.
Esperei o doutor que tava com a serenidade estampada na cara levar o padre até a cabana. Mirante me chamou após.
–É vamos indo cabrito; vem cá comigo que eu quero por nas tuas mãos as tuas ferramentas de trabalho. Passei rente da moça-mulher que tinha mais ainda fogo nos olhos e um ar de preocupação no rosto bonito. De sua boca saiu um sorriso sem brilho, forçado e medroso. Mirante veio e me entregou uma lata de um líquido e uma caixa de fósforos novinha. Segurei aquelas coisas como se segurasse a alavanca de uma guilhotina.
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Deram-se um jeitinho, piscando os olhos e meneando a cabeça pro modo eu me retirar. Obedeci à ordem muda que nem precisava dos ouvidos pra entender. Sai pro terreiro e fui convidado por Mirante a ir pra mais distante. Ele foi comigo. Me cercou com seu corpanzil grande como uma torre pondo a mão em meu ombro como se tivesse muita amizade a mim. Amizade e liberdade. Me safei de sua mão grande e pesada. O cabra tava gentil comigo até. Me disse ele: “–A conversa do patrão com o padre só interessa a ele e à sua filha Alísia. À gente não cabe escutar um tantinho só da conversa, mas te prepares que é hoje que tu vais trabalhar cabrito. Tu jamais ganhou tanto dinheiro pra fazer coisinha de nada. Tu deu sorte de nós ter-te encontrado. A pois, não achas?”
Depois de quase uma horona extensa de conversa o doutor Damasceno mais o padre e a menina saíram para o terreiro. O padre tava com uma cara de quem já tivesse se finado. Aí, pois o doutor Damasceno fez um sinal pra Mirante que atendeu de pronto à chamada. Ficaram de cabeças quase juntas ele, Mirante e o padre. Eu tive a impressão séria e correta de que o confessor tava se tremendo todo. Era o único desinfeliz ali naquele bolo. Alísia sorria um sorrisinho de vitória e de mágoa ao mesmo tempo. Menina difícil de a gente entender aquela. A presença do sujeito que lhe fizera mal em nada a envergonhava. Zévedo, às minhas costas, saiu de lá e retornou na direção da cabana levando qualquer coisa escondida na mão. Entrou na cabana e não se demorou muito lá por dentro. Rapidinho, e já tava fora em voltando pras nossas bandas. Se achegou sério. Falou com a sua voz fininha:
–Ta feito. Ta lá o negócio, e agora só depende dele né menina? Agora tu vais pra dentro de casa. Vai e te prepará pra viagem. E tu, cabrito, disse se dirigindo a minha pessoa: Mirante quer te falar já e já.
Esperei o doutor que tava com a serenidade estampada na cara levar o padre até a cabana. Mirante me chamou após.
–É vamos indo cabrito; vem cá comigo que eu quero por nas tuas mãos as tuas ferramentas de trabalho. Passei rente da moça-mulher que tinha mais ainda fogo nos olhos e um ar de preocupação no rosto bonito. De sua boca saiu um sorriso sem brilho, forçado e medroso. Mirante veio e me entregou uma lata de um líquido e uma caixa de fósforos novinha. Segurei aquelas coisas como se segurasse a alavanca de uma guilhotina.
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ATAQUE À FROTA DA LIBERDADE
segunda-feira, 31 de maio de 2010
Frota da Liberdade
O terrorismo de Estado de Israel tomou proporções ainda maiores nessa madrugada de domingo – horário de Brasília – ao cometer a insanidade de atacar um flotilha que levava ajuda humanitária a Faixa de Gaza.
A flotilha, alcunhada de “Frota da Liberdade” e cujo barco líder ostentava bandeira turca, dirigia-se rumo a Faixa de Gaza com ajuda humanitária e algumas centenas de pessoas que procuravam furar o bloqueio imposto por Israel àquela região do Médio Oriente.
Num ataque cinematográfico registrado por câmeras amadoras e celulares as forças armadas israelenses tomaram os navios usando uma truculência descomunal, e o pior, esse ataque ocorreu em águas internacionais, portanto, Israel mais uma vez infligiu tratados e acordos internacionais.
Por ora não há um número exato de mortos e feridos, especula-se em quase duas dezenas de mortos e em três vezes mais o número de feridos.
Os sionistas prosseguem firme e forte no propósito de legitimar o Estado de Israel através da força e violência, desrespeitando continuamente a comunidade internacional.
Após a tomada navios e tripulação foram escoltados para o porto de Ashdod, o maior de Israel.
Todavia, dessa feita, os sionistas parecem ter ido longe demais, a maioria dos tripulantes da Frota da Liberdade era composta por turcos e cidadãos europeus – vale lembrar que a Turquia é membro da OTAN praticamente desde a criação desta – e as manifestações em toda Europa tendem a esquentar as relações entre a União Europeia e Israel, aumentando o coro dos países que pedem sanções duras contra o Estado sionista.
A Turquia classificou como inaceitável, “Israel vai sofrer as consequências por este seu comportamento”, frisou o ministro turco dos Negócios Estrangeiros. O embaixador israelita em Ankara já foi chamado pelo governo turco.
A Grécia está preocupada com a situação dos seus cidadãos que estavam na flotilha e interrompeu o exercício militar conjunto a que levava a cabo com a marinha israelense.
Em Paris cerca de 500 pessoas se reuniram em frente à embaixada israelense e acabaram entrando em confronto com polícia local. Já no reino Unido o ministro das Relações Exteriores, William Hague, pediu a Israel que ponha fim às "inaceitáveis e contraproducentes restrições impostas às ajudas encaminhadas ao território palestino". "Há uma clara necessidade de que Israel atue com moderação e de acordo com as normas internacionais", declarou.
Obviamente que os pedidos de sanções duras contra Israel poderão ter resultado nulo caso os EEUU continuem a ratificar a política terrorista dos sionistas. Não obstante o fato é que dessa vez Israel ultrapassou limites até então tolerados pela União Europeia e um clamor nacionalista de fundo islâmico pode eclodir em Ankara. Então é hora de perguntar, a Casa Branca está disposta a pagar um preço tão alto para não acoimar um aliado tradicional, mas que teima em agir a sua revelia?
PS. Já que José Serra está se esforçando tanto para ser "o homem da direita" dando declarações afirmando que não receberia nem conversaria com Mahmoud Ahmadinejad e que o governo boliviano é cúmplice do tráfico de cocaína, poderia o nobre prócer tucano nos dizer o que acha do ataque a Frota da Liberdade.
Israel tem ou não razão? Os palestinos merecem ou não morrerem de fome? Ajuda internacional a Faixa de Gaza viola ou não a soberania de Israel?
Estou curioso para saber a opinião do presidenciável tucano!!!
Postado por Hudson L.V.Boas
Frota da Liberdade
O terrorismo de Estado de Israel tomou proporções ainda maiores nessa madrugada de domingo – horário de Brasília – ao cometer a insanidade de atacar um flotilha que levava ajuda humanitária a Faixa de Gaza.
A flotilha, alcunhada de “Frota da Liberdade” e cujo barco líder ostentava bandeira turca, dirigia-se rumo a Faixa de Gaza com ajuda humanitária e algumas centenas de pessoas que procuravam furar o bloqueio imposto por Israel àquela região do Médio Oriente.
Num ataque cinematográfico registrado por câmeras amadoras e celulares as forças armadas israelenses tomaram os navios usando uma truculência descomunal, e o pior, esse ataque ocorreu em águas internacionais, portanto, Israel mais uma vez infligiu tratados e acordos internacionais.
Por ora não há um número exato de mortos e feridos, especula-se em quase duas dezenas de mortos e em três vezes mais o número de feridos.
Os sionistas prosseguem firme e forte no propósito de legitimar o Estado de Israel através da força e violência, desrespeitando continuamente a comunidade internacional.
Após a tomada navios e tripulação foram escoltados para o porto de Ashdod, o maior de Israel.
Todavia, dessa feita, os sionistas parecem ter ido longe demais, a maioria dos tripulantes da Frota da Liberdade era composta por turcos e cidadãos europeus – vale lembrar que a Turquia é membro da OTAN praticamente desde a criação desta – e as manifestações em toda Europa tendem a esquentar as relações entre a União Europeia e Israel, aumentando o coro dos países que pedem sanções duras contra o Estado sionista.
A Turquia classificou como inaceitável, “Israel vai sofrer as consequências por este seu comportamento”, frisou o ministro turco dos Negócios Estrangeiros. O embaixador israelita em Ankara já foi chamado pelo governo turco.
A Grécia está preocupada com a situação dos seus cidadãos que estavam na flotilha e interrompeu o exercício militar conjunto a que levava a cabo com a marinha israelense.
Em Paris cerca de 500 pessoas se reuniram em frente à embaixada israelense e acabaram entrando em confronto com polícia local. Já no reino Unido o ministro das Relações Exteriores, William Hague, pediu a Israel que ponha fim às "inaceitáveis e contraproducentes restrições impostas às ajudas encaminhadas ao território palestino". "Há uma clara necessidade de que Israel atue com moderação e de acordo com as normas internacionais", declarou.
Obviamente que os pedidos de sanções duras contra Israel poderão ter resultado nulo caso os EEUU continuem a ratificar a política terrorista dos sionistas. Não obstante o fato é que dessa vez Israel ultrapassou limites até então tolerados pela União Europeia e um clamor nacionalista de fundo islâmico pode eclodir em Ankara. Então é hora de perguntar, a Casa Branca está disposta a pagar um preço tão alto para não acoimar um aliado tradicional, mas que teima em agir a sua revelia?
PS. Já que José Serra está se esforçando tanto para ser "o homem da direita" dando declarações afirmando que não receberia nem conversaria com Mahmoud Ahmadinejad e que o governo boliviano é cúmplice do tráfico de cocaína, poderia o nobre prócer tucano nos dizer o que acha do ataque a Frota da Liberdade.
Israel tem ou não razão? Os palestinos merecem ou não morrerem de fome? Ajuda internacional a Faixa de Gaza viola ou não a soberania de Israel?
Estou curioso para saber a opinião do presidenciável tucano!!!
Postado por Hudson L.V.Boas
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